1987

Enquanto esta época absurda de boatos e especulações sobre transferências não acaba e o futebol a sério está engavetado até daqui a uma semana, enquanto a Copa América e o Mundial Sub-20 não começam…com que é que um adepto do FC Porto se entretém? A ver vídeos antigos, pois está claro. Andei à procura na colecção (leia-se “fui ao directório certo no disco rígido) e coloquei a cassete no meu VHS (entenda-se “carreguei o ficheiro de video”) da final de Viena. A nostalgia impera nestes meus momentos sem futebol, é verdade, e não resisto. Enquanto o sono não aparece, vou vendo imagens com 24 anos de idade, ainda tão presentes na minha cabeça. Foi este o jogo que me tornou Portista.

Só vi a segunda parte. E quando chega perto daquele minuto 32, onde o Frasco tropeça no meio-campo enquanto Ribeiro Cristóvão arranca com a ladaínha do cansaço dos jogadores do FC Porto, e que “água mole em pedra dura, tanto bate…mas não fura”, mais um provérbio adaptado que faz parte do meu imaginário de criança. Frasco tropeça mas qual Leonor pela verdura, não cai. Envia para Juary com a bola a passar a milímetros da bota de Brehme, mas o brasileiro, raçudo, esforçado, estica-se perante as pernonas do alemão para enviar a bola para Madjer. Lindo. Perfeito. Épico.

Festeja-se no terreno. Madjer sai, exausto. Esticam-lhe as pernas, Rodolfo e Domingos Gomes trabalham para o rapaz aguentar mais uns quinze minutinhos, “anda lá, Rabah, só mais um esforço, homem!”. Madjer, com mais spray nas pernas que base na cara de uma socialite, entra de novo em campo. A bola está em Mly, seguro, com confiança, roda para Celso. O brasileiro espeta um passe de 40 metros para o argelino que recebe em movimento. Olha para a frente, tem três quilómetros de relva para galgar e um alemão pela frente. Fraco, forte, não interessa. Winklhofer de nome, mas podia-se chamar “gajo com pregos nas botas” em alemão. Madjer progride, arranca uma finta com dois toques seguidos no pé direito e deixa o teutónico a pensar que a Blitzkrieg é lixada quando somos nós que apanhamos com o relâmpago, a ironia é lixada, pá, vive com isso, e o cruzamento sai. Longo, por cima de todos, com Pfaff a olhar e o resto dos defesas a fazer o mesmo…mas Juary, o pequenino Juary, aparece no segundo poste e com um toque suave, de simetria inigualável, faz a bola chocar contra a parte de cima das redes por dentro da baliza. Golo. É o segundo. Ribeiro Cristóvão grita, Miguel Prates grita, todos gritam. É golo! É golo do Porto! É o segundo!

“E agora, os 35 mil adeptos alemães no Prater…nem piam!”

Exactamente, Miguel. Mas havia ali uns 400 lusos que piavam e bem grosso. Ah que inveja de não poder lá ter estado, carago!

6 comentários

  1. Caro Portista,

    E eu a pensar que tinha um problema qualquer, como se de uma especie rara de adepto fosse, que ainda se emociona a ver coisas antigas… é que la em casa ao fim do dia na hora do relax, sempre que me vêm com os phones nos ouvidos a sorrir, olhando para o pc, das duas uma: ou é taradices nos emails ou… FCP em formato digital!

    Esse jogo da verdadeira Liga de Campeões é épico pelas circunstancias, mas o engraçado é que mesmo os mais recentes jogos da época passada, transmitem uma energia muito positiva. Mesmo com as “bad news” a que poderemos estar sujeitos nos próximos dias, me lembra que os anos passam mas o Porto tem e terá no ADN o espirito de conquista. Assim esperemos todos.

    Um abraço

  2. Tinha quatro anos..Das memórias mais antigas que tenho é festejar esta vitória (nunca confirmei se seria ou não, mas não quero que os factos estraguem uma bela história. A memória mais precoce que tenho de um jogo foi tentar ver madrugada adentro a final em Tóquio, adormeci e quando acordei estava a dar o jogo na TV em diferido).
    Mas, sempre que vejo, continua a ser arrepiante, aquele calcanhar, aquele slalom final. Continuo a gritar para o Mly se colocar direito na baliza..

  3. Afinal somos muitos, com os mesmos vícios:)
    Adoro rebobinar as mais recentes finais e ver os momentos de êxtase. Tenho especial predilecção pela de Sevilha. Foi a 1ª em que estive presente, depois de ter prometido a mim mesmo que estaria em qualquer final, no pós-Viena. Essa noite de Maio de 1987 foi, por isso, comum a tantos de nós. Vi-a toda, como aliás na sofrida derrota na final das Taças das Taças, frente à Juventus capitaneada por um cínico francês e arbitrada por um Prokop de má memória. Essa noite, na Áustria, representou tanto para o clube, concedendo-nos uma entrada num outro mundo. Recordo-me, como se fosse hoje, do nervosismo que me assaltou, todo o dia. Da ansiedade crescente. Do desespero, misturado com um choro de frustração, agarrado em pranto ao meu pai, quando Futre desperdiçou uma jogada mágica. E depois, os momentos de loucura, irmanado numa sadia comemoração na minúscula sala do apartamento paterno, quando Madjer espalhou o esplendor no Prater. E é esses momentos que transmito hoje aos meus filhos, em forma de história épica. Bem antes de CR7 e de Messi, existiu um argelino orgulhoso, que se vingou dos alemães de forma magistral, concedendo à Europa um vislumbre de génio. Mais do que o calcanhar, é a finta, na linha lateral, na jogada do 2º golo, que me encanta. Aquilo não é um nó cego. Aquilo é poesia.

  4. Foi este o jogo que me tornou Portista.

    Curiosamente a mim também.

    Quer se dizer, eu já era Portista mas até esta altura não ligava muito ao futebol da televisão, era mais ao da rua com os amigos.
    Mas foi desde essa conquista que comecei a seguir mais o clube e a ver mais jogos na televisão, sendo que ainda demorei uns anos até perceber o que estava a ver.

    E estas imagens são daquelas que nem mesmo os das outras equipas esquecem. São mesmo marcantes.

    Gostei deste post e também gosto do meu ultimo post no meu blog.

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