Rituais

É uma sensação estranha que se apodera de mim no início de cada jogo. Corrijo, começa bem antes do início de cada jogo. Sinto que há sempre algo que devo fazer para que os eventos se desenrolem com a virtude que lhes quero aplicar, como se uma força invisível estivesse qual Deus menor de um qualquer espectáculo de marionetas (ou Robertos, para os mais puros ou apenas para aqueles que querem fazer transbordar o enorme balde com as piadas ao agora ex-guarda-redes do Benfica) que, sádico e mal-intencionado, faz romper os cordéis e expõe os corpos de madeira na sua forma inerte e agora manca e incontrolável. É nessas alturas, quando vai ser marcado um canto ou quando um livre que pode resultar em golo espera pelo mítico pé forrado a pele do homem que foi indicado para o pontapear, que invoco o meu próprio Deus da bola e beijo o cachecol ou o emblema do meu clube na camisola que orgulhosamente ostento em toda a sua plenitude azul-e-branca (ou amarela, ou laranja, porque o marketing tem a sua própria divindade e parece que manda mais que o dude lá de cima), é nessas alturas que me benzo sem reflectir, sinalizando ao Big Barbas Brancas que há aqui um rapaz que precisa de duas horitas de atenção e que não volta a chatear durante meia-dúzia de dias, mais coisa menos coisa.

Não compreendo, nem tento compreender, a pura irracionalidade destes gestos tão eminentemente pessoais, que pratico com a involuntariedade de um simples soluço, mas sei que os faço e apercebo-me imediatamente depois do acto consumado que não consegui evitar o movimento. E se uma boa parte destas acções surge derivada de uma tradição por mim criada, como o café tomado sempre no mesmo local durante anos a fio apenas por ser o primeiro sítio que encontrava depois de estacionar o carro, ou até esse mesmo pormenor do local de estacionamento se manter desde o século passado (damn it, i’m getting old), muito embora o estádio tenha mudado para mais longe que antigamente, todos estes microscópicos pormenores ajudaram a moldar uma espécie de receita sagrada para um dia de jogo que se tenha tornado complicado abdicar.

Complicado, para não dizer arriscado, porque na minha retorcida cabecinha oscila perene o conceito de que se eu não parar no sítio A e não passar pelo sítio B para sorver uma dose de cafeína líquida enquanto crio a atmosfera adequada para o confronto de gigantes que se avizinha, seja o adversário o Barcelona ou a mais prosaica formação da primeira divisão nacional, quem me garante que a bola que se dirige para a baliza não vai ser interceptada pelas audazes luvas do guardião contrário ou o remate de cabeça não vai falhar o alvo por três centímetros, ou que o quasi-perfeito corte do defesa central não se vai dirigir para a própria rede?

É um ritual, admito. É o meu ritual. E vocês, têm um ritual semelhante ou sou só eu que gosto de ser louco?

13 comentários

  1. @ Jorge

    ‘da-se! o que andas a ingerir? está a dar-te um “kick” do camandro ;)

    ps: sabes bem que há mais como tu. basta observar a (extensa) lista de sítios azuis na bluegosfera ;)

    abraço
    Miguel

  2. não tenho rituais/superstições …porque isso dá azar.
    Quanto a coisas que faço no jogo… aquando dum canto ou lance perto do final digo sempre para mim “vá lá só mais este”…

  3. Sem dúvida mais um excelente texto de um blog de grande qualidade que acompanho já há muito tempo, embora seja a 1ª vez que aqui escrevo.
    O meu ritual é sentar-me sempre na mesma cadeira lá na mui nobre Casa do FCP de São Miguel (Açores) , da qual mandamos para todos os portistas um grande abraço.

  4. Comigo é assim e não se riam, por favor.
    Em dia de jogo e após o banho visto umas cuecas azuis escuras.
    Sou de Sintra e vejo o jogo em casa.
    Sento-me sempre no mesmo canto do sofá, com ‘O Jogo’ à minha direita aberto na página da constituição das equipas.
    Coloco os óculos de ver televisão mas que não uso em mais nenhuma situação.
    Ao intervalo, visto o pijama e dou uma mija.

    Desde que descobri o ‘Porta 19’ tambem é obrigatório em dia de jogo ler o ‘Ouve lá ó Mister’.
    Já aconteceu a coisa não estar a correr bem e ter de ligar o pc para ler o post com o jogo a decorrer.

    Vou todos os anos ao Dragão ver um jogo internacional, fui a Dublin e tambem me desloco aos estádios aqui perto.
    Tudo igual. Só não visto o pijama ao intervalo.

    Só funciona para os jogos de futebol.

    Infelizmente, para a Supertaça Europeia estava no Algarve e as cuecas azuis não foram suficientes.

    Sei que isto é uma grande pancada e se a equipa não jogar ponta de corno não teríamos vitórias, mas que hei-de fazer…

  5. Volta e meia fala-se do Roberto, agora que ele foi embora, é com enorme saudade que deixei de ver a companheira do dito cujo… um verdadeiro Avião, quando ia a Lisboa visitar familia, que mora na casa ao lado…simpatica, um par de pernas de sonho…
    Como é que eu hei-de, como é que eu hei-de !!!

  6. Bolas. Pensei que fosse o único. Confesso. Em dias de jogos uso sempre a mesma t-shirt. Sempre. Criei a ideia de que, com ela, o Porto vence sempre. Foi-me dada pela minha filha. Uma mera prenda de Natal, acho. Baratucha, com o símbolo orgulhoso do Porto em destaque, sobre o fundo integralmente branco. E o ano passado, quando esta obsessão começou, só ajudou a adensar o mito. Não perdemos no campeonato. Perdemos com o Nacional, para a Taça da Liga. Não usei a t-shirt, nessa noite. Não corri o risco na Liga Europa.

    E assim, achando que e dita t-shirt estava, de alguma forma, possuída por faculdades mágicas, usei-a novamente este ano. Perdi a fé nas suas pretensas faculdades místicas. O Barcelona lixou-me a fé.

  7. Eu não tenho rituais antes dos jogos, até porque estou a viver em São Miguel, logo, não há cá Dragão para ninguém. Já depois dos jogos, tenho só um ritual, que é vir cá ler a crónica. Por isso, despacha-te lá com a do FCP – Setúbal ;) Grande Abraço Jorge :)

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