Baías e Baronis – FC Porto 1 vs 1 APOEL

Desde 2004 que vou religiosamente ao Dragão, depois de quase doze anos a fazer o mesmo no saudoso Estádio das Antas. Muitos jogos europeus me ficaram presos na mente para recordar rapidamente no intervalo de um café, como o bis de McCarthy contra o Man Utd, o 2-3 com o Artmedia ou os 4-1 à Lázio, os 3-2 ao Werder Bremen, o(s) 0-1 com o Panathinaikos ou o 2-1 ao Marselha com aquele golão do Tarik. Entre as dezenas de jogos europeus que já presenciei ao vivo, este entra directamente para a lista dos que não se esquecem. E pelos piores motivos, porque a exibição do FC Porto foi uma das piores que me lembro de ver desde há muito tempo. Foi má pelo resultado mas acima de tudo pelo futebol praticado e pelo ressurgimento daquele sentimento que me atravessava as veias nos tempos do Couceiro ou na última temporada de Fernando Santos e Jesualdo: assim não vamos lá. Foi tal a falta de fé que a meio do jogo, no meio de gritos aleatórios para este ou aquele jogador, só me colocava num imaginário banco portista, rodeado dos meus colegas e a pensar: “Mas como é que se dá a volta a isto?! O que raio se passa com eles?!”. Aqueles rapazes que hoje vi em campo, mais de noventa por cento da equipa que no ano passado me encantou, jogavam como se tivessem as mães raptadas e o adversário fosse o abdutor. Sem alma, sem empenho, sem coração. Com medo, com desnorte, com desalento. Fica o aviso: este vai ser um post longo. Vamos a isso:

 

(+) Hulk Deve ser difícil ver os colegas todos a temer ter a bola nos pés e a terem de recorrer ao rapaz da camisola 12 para resolver. E tem acontecido mais vezes do que deveria ser necessário, com Hulk a nunca fugir da luta. É frustrante, principalmente porque mesmo fazendo um jogo abaixo do que sabe e pode, Hulk é o melhor elemento da equipa. Porque tentou sempre, com remates de longe, cruzamentos ou arrancadas pela lateral, porque foi dos poucos que mesmo atrapalhado por gajos de laranja fluorescente (a sério, aquela côr devia ser proibida em camisolas de futebol e usada apenas por trabalhadores à noite na auto-estrada) tentou ir para a frente e descobrir uma forma de furar a defesa do APOEL. Se não fosse ele, mais ninguém o conseguiria. E Hulk, mesmo trapalhão, conseguiu um golo, com um paio do tamanho do falhanço do Chiotis, mas conseguiu. E compreendo a frustração dele por não ter conseguido mais.

(+) Fernando Apesar de ter saído mais cedo do que devia e ficar injustamente a ver Guarin a terminar o jogo, Fernando foi essencial para tapar o pouco que conseguiu dos ataques cínicos do APOEL. Quase sempre era o único homem a correr com a cabeça no sítio, usando o corpo para retirar a bola aos adversários e anulando várias jogadas pelo centro do terreno, especialmente em bolas pelo chão. Tentou algumas vezes arrastar jogo para a frente mas nunca o conseguiu porque insiste em enfiar-se na toca e ficar rodeado por adversários que, mais inteligentes a defender que ele a atacar, lhe tapam os espaços e o obrigam a recuar. Mas fez tudo o que podia para ajudar a equipa, o que hoje não foi nada mau.

(+) Adeptos do APOEL Eram aí uns três mil e cantavam como se fossem dez vezes mais. Fiquei impressionado pelo apoio permanente durante noventa minutos, com as cores fortes a inundarem o panorama sombrio de uma noite triste, e os sons que saíam das vozes e dos tambores bem sincronizados alegraram a festa, que só o foi para eles. Até o Poznan fizeram, seus demónios cipriotas! Ficam os meus parabéns e a homenagem ao que deve ser o apoio de uma claque nas deslocações da sua equipa, algo que as nossas também fazem mas sem o mesmo nível de sincronismo e perfeição. Estilos, cada qual tem o seu.

 

(-) Falta de empenho A primeira parte foi digna de Dario Argento. Os jogadores do FC Porto locomoviam-se com toda a intensidade de um nado morto, medo de tocar na bola mais que duas vezes e uma gritante incapacidade de gerar movimento e jogadas de ataque com estrutura e rotação de bola. O jogo de posse, como gostamos de dizer que aplicamos, assenta em dois pilares fundamentais: a posse e a procura incessante de linhas de passe para manter a posse. E o que hoje se viu foi uma equipa de matrecos humanos, em que a bola ressaltava de um para outro sem que houvesse movimentação lateral ou desmarcações para criar espaços ou para arrastar os marcadores directos. Não me vou focar num ou noutro jogador em particular porque o problema é colectivo e parece contagiar rapidamente todos os sectores. Se os defesas centrais, incapazes por natureza de criarem desiquilíbrios no ataque, se reduzem a trocar a bola lentamente enquanto a outra equipa se recoloca na posição certa, a jogada morre. Se os médios no centro do terreno ficam a observar a posição do adversário em vez de tentarem alterá-la, a jogada morre. Quando a bola chega ao extremo e não está lá o lateral ou o médio interior para lhe dar apoio, a jogada morre. E o que mais custa ver, para lá da falta de vontade de mudar o status quo, é o desinteresse. É o jogador que vê o adversário a chegar primeiro à bola com uma consistência granítica e recua porque já desistiu antes de tentar. É o defender um contra-ataque na lateral em vez de o fazer no centro para impedir remates. É ver bola atrás de bola a serem desperdiçadas porque o adversário empurrou ligeiramente o ombro e o corpo não resiste nem descobre força nem ânimo para ripostar. É tudo que fez do FC Porto o que é ser negado em noventa minutos de angústia. E é, perdoem-me o vernáculo, uma puta duma vergonha.

(-) Incompreensível ingenuidade competitiva Sou incapaz de perceber o que se passa a este nível. Seja o pontapé de bicicleta de Kleber, as hesitações de Moutinho ou o adornar excessivo de Otamendi, há qualquer tipo de vírus a afectar a confiança e a maturidade da equipa. Todo o jogo vi rapazes do APOEL a chegarem primeiro à bola e a recuperarem-na facilmente com um ou outro empurrão que faziam os jogadores do FC Porto desistir dos lances ao primeiro contacto. Quedas a mais, amarelos a mais e agressividade a menos, sinais evidentes que não se quer porque não se pode e não se consegue porque não se tenta conseguir. Houve um lance em particular que me deixou com vontade de comer uma caixa de Prozac: um jogador do APOEL está deitado na área, já para o final do jogo, não sei se caiu por falta ou se está a queimar tempo. A bola está na nossa posse e os jogadores vão rodando o esférico para a lateral até chegar a Varela. Os cipriotas, inteligentes, ratos, astutos e com a mentalidade de equipa pequena que ganha pontos, tiram a bola a Varela para dar um lançamento a nosso favor. Mal a bola sai, saem disparados também os mesmos laranjas a correr para o nosso Silvestre, a provocar, a picar, a empurrar e a pressionar. Típico, costumeiro, nada que nós próprios não façamos noutros jogos. E eu, na bancada, só pensava: “não se deixem cair no engodo, continuem a andar, não é nada convosco, não ripostem, não entrem no joguinho deles…”. Mas caímos. Varela tenta sair mas lá vem Belluschi e Sapunaru e Hulk, todos para o empurrão geral que só joga a favor de quem o cria, para perder tempo, para talvez conseguir um amarelo ou até um vermelho, se o outro jogador se enervar ainda mais. Nós, os anjinhos, aqueles ingénuos que ano passado ganharam a Europa League e o campeonato e deram cincazero ao Benfica, caíram como crianças por rebuçados com convites maldosos à porta da escola. Não esperava tanta ingenuidade.

(-) Vitor Pereira Já vi este filme a acontecer algumas vezes, inclusive no FC Porto (vide Fernando Santos e Ivic na segunda passagem). O treinador não consegue colocar a equipa a jogar bom futebol e vai criando uma atmosfera de desencanto na massa associativa ao ponto de a virar contra ele. Vitor Pereira está a caminhar rapidamente para esse abismo de onde é muito difícil sair, seja por arte própria ou por talento bem controlado. Hoje foi sintomático o que sucedeu na partida e é um bom exemplo do que pode vir a acontecer no futuro. A táctica original é adequada, com Fernando a tapar o meio-campo, James solto atrás de Kleber e Hulk a descair para uma das alas para dar profundidade ao ataque. Guarin com o corpo e Moutinho com a mente funcionam como harmónico no meio-campo e Álvaro desiquilibra no flanco quando James vai para o meio. No papel, tudo bem. No campo, nada. Automatismos e consolidação de métodos: zero. Capacidade moral de dar a volta a uma situação negativa: galheta. E depois, as substituições. Mais uma vez, no papel relativamente acertadas. Sai Fernando mas mantém-se um homem alto na frente da área (Guarín) que por acaso até sabe sair melhor com a bola controlada e entra um criativo. Abre-se o flanco com Varela para aproveitar o overlap de Álvaro. Mas tendo em conta o jogo que o público está a ver, nada disto faz sentido, porque Guarín está a jogar ao nível dos juvenis do Tourizense e o Álvaro não consegue avançar em velocidade porque neste momento não a tem. Moutinho continua num momento de forma atroz e fica em campo, juntamente com Guarín. A equipa, já de si nervosa, recebe dois elementos que nada trazem de novo para o jogo e os adeptos mostram a insatisfação. Vitor Pereira tem de perceber rapidamente que está a perder o apoio dos adeptos e que com isso traz pressão extra a uma equipa que ainda não consegue sair dela. Agora, cada vez mais, os jogadores sentem que têm de vencer para mostrar que estão vivos, mas o bloqueio mental e o medo de não o conseguir assolam-nos a cada pisada na relva. E o líder, do banco, pouco pode fazer durante o jogo. Antes e depois, talvez, mas enquanto a bola rola…está a afastar os adeptos.

 

Triste? Sim. Desanimado? Nunca. Porque é nestas alturas que é preciso dar um, dois, quinze murros na mesa e perceber o que se passa com a equipa ou com a sua liderança. O que vi hoje, o que todos os Portistas viram hoje foi uma imagem degradante de uma equipa que ainda há meia dúzia de meses caminhava orgulhosa e altiva pelos relvados da Europa. Os mesmos rapazes que viram hoje foram os que esmagaram o Benfica, destruíram o Villarreal, aniquilaram o Spartak e o CSKA e desfizeram o Guimarães (ordenei por impacto e importância). Perderam o mojo? Esqueceram-se de ter fé? Desistiram de acreditar nas suas próprias capacidades? Não creio. Não quero crer. É evidente que agora toda a gente virá com casos Walteres e Kleberes e porque é que se fez A e não se fez B e se optou por C em detrimento de D. “Hindsight is 20/20”, já dizem os amaricanos e muito bem. Mas lá que as coisas não vão bem lá isso é verdade, e quanto mais cedo se descobrir o que é que se pode fazer para mudar o rumo, tanto melhor. Estarei cá nessa altura.

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