Baías e Baronis 2011/2012 – O treinador

Como corolário lógico, a análise ao treinador:


VÍTOR PEREIRA

A primeira temporada de Vitor Pereira ao comando do FC Porto foi cheia, foi longa, foi dura. Parecia impossível um defeso começar tão rijo, continuar tão tranquilo até terminar tão anti-climático. Afinal saem dois jogadores, um vital, outro nem por isso. E Vitor, ex-segunda liga, ex-segundo, ex-subalterno, é empurrado para a frente com a confiança da direcção e a desconfiança dos adeptos. E as coisas começaram mal por culpa de todos. Jogadores, apoiantes, o próprio Vitor incapaz de lidar com um plantel gordo de conquistas e obeso de ego. Desconfiava-se de tudo e de todos, porque os rapazes não corriam, a alma não era a mesma e a vontade não estava ali. Não me juntei à turba com as forquilhas em riste. Critiquei e muito, como acho ser o meu dever. Mas nunca recorri à humilhação pública que tanto portista ousou fazer passar das goelas para fora e hoje orgulho-me disso. “O problema que Vitor Pereira enfrenta é complicado e estes últimos dois jogos serviram para perder mais algum capital de confiança perante muitos sócios que ainda aqui há uns meses viram a equipa a jogar como raramente tinham visto nos últimos anos e só pensam: “Mas só saiu o Falcao e o Villas-boas, que mais pode ter mudado?”…e vão-lhe começar a apontar o dedo. É um selo difícil de tirar e as vitórias terão de começar a aparecer rapidamente, caso contrário a vida pode começar a ser muito difícil para o treinador do FC Porto.“, disse contra o Benfica. Porque Vitor Pereira era exactamente aquilo que se via: trabalhador, honesto, pouco mediático, sem pachorra para holofotes, para homilias em frente ao microfone da sala de imprensa. Não era um Mourinho que ali via de fato-de-treino na relva do Olival. Era um homem simples, sem hábitos caros, sem vida pública e exposta, sem chama mas sem falsidade. E a equipa sentiu isso, os jogadores sentiram isso e perderam a fé durante meses. Vitor foi incapaz de pegar na amálgama de nações e feitios e convertê-los na máquina que há poucos meses se via a calcorrear os estádios da Europa e a humilhar equipa atrás de boa equipa. Falhou. E eu, ainda desaminado, quis acreditar do alto da minha eterna e ingénua fé à Padre Américo que não há rapazes maus e que Luke vencerá sempre Vader mesmo que Vader esteja dentro de portas. E Vitor Pereira levantou-se. Num épico e eterno jogo na Luz, quando arranca uma vitória que poucos esperavam mas sustentada numa exibição de garra, de força, de vida portista como há tanto tempo não se via. Porque levou adeptos a pontapear cadeiras em restaurantes, a gritar até as vozes fugirem para longe, a viver o clube que amam e do qual nunca desistem. Como Vitor fez. Um amigo disse-me que a partir daquele jogo na Luz nunca mais perdíamos para o campeonato. Acertou. Nessa incrível partida disse: “Cinquenta e oito minutos de jogo. Olho para a televisão e não acredito: sai Rolando, entra James. Em conversa com um amigo disse-lhe repetidamente que James não era a melhor escolha, que ainda não me parecia que tivesse fibra para estes jogos, que não ia resultar. E o demente do nosso treinador, quiçá possuído do espírito Adriaansiano, toca de enfiar Djalma a defesa-direito e James na frente por trás de Janko. Loucura, pensei. O homem está a arriscar a carreira em dois números que enviou ao quarto árbitro. E fê-lo, com uma coragem tão férrea como a Ponte D.Luiz, e ganhou. E a substituição de Moutinho, que adivinhei por ser mais que esperada, ainda mais risco trouxe, porque mostrou ao Benfica: “Estão a ver isto? É para ganhar, amigos, nós estamos aqui para ganhar o jogo!”. E o golo aparece. Vitor Pereira grita. Eu também. E respeito a força de vontade, a resolução granítica de pugnar pela vitória. Eu não teria tido a coragem de fazer a primeira substituição, quanto mais a segunda. Ele teve. E é por isso que lá está. Parabéns, Vitor.“. E Vitor Pereira soube aprender com os erros, mantendo-se firme na convicção e pondo a mão por baixo dos jogadores tal como a direcção soube pôr a mão por baixo dele, ajudando-o em Janeiro a reequilibrar as contas da casa com saídas exigidas e necessárias (se bem que a ausência de alternativas no meio-campo podia ter sido mais penalizadora) e a chegada de alguns elementos fundamentais como Lucho, Janko e…Paulinho para o banco. Vitor agarrou a equipa e fez dela o que teve de ser: trabalhadora e empenhada quando desinspirada e acima de tudo eficaz. Com todo o mérito.

Não podia haver melhor altura para fazer esta análise. Mesmo no dia seguinte a uma das melhores entrevistas que me lembro de ler de um corrente treinador do FC Porto (Zé Luís lembrou Jesualdo e Villas-Boas pela negativa mas eu recordo uma excelente conversa de Fernando Santos, creio que ao JN, na altura da polémica segunda temporada), com uma honestidade invulgar e uma candura sem vícios, sem as prepotências tão alvissaradas pelos media deste país, ávidos pelo sangue do diz-que-disse e do nojento bate-boca. Vitor Pereira, campeão na primeira temporada, falou de tudo que quis e de todos pelo todo, com poucos nomes e muitos conceitos, a dar o braço ao torno sem esquecer os méritos que o grupo lhe deu e que ele próprio soube retribuir. Porque esta primeira temporada foi cheia, foi longa, foi dura. E no fim, foi dele.

Momento Baía: Sem a mais pequeníssima das pequeníssimas dúvidas: a vitória na Luz. Não só pelo que significou para a equipa e para os adeptos pelo resultado obtido em casa do então líder do campeonato, mas principalmente pela forma como lá chegou e pela influência que Vitor Pereira teve a partir do banco. A atitude “winner takes it all” foi essencial e foi o fim do mito que o treinador não aguentava até ao final da temporada. Até podia não ter sido campeão, mas tinha vincado uma imagem perante os adeptos que era mais do que até lá tinha mostrado ser. Com tomates de ferro.

Momento Baroni: Houve vários momentos bastante maus. Muito, muito maus, e Vitor Pereira tem a noção perfeita disso. A derrota em Coimbra para a Taça foi humilhante. A derrota em Manchester foi muito má, especialmente pelos números, bem como a derrota em Barcelos apesar das condicionantes da arbitragem. Empates contra Feirenese e Olhanense…frustrantes. Mas dois desses momentos foram particularmente baronizantes na época de Vitor Pereira: a derrota com o APOEL em Chipre e com o Zenit em São Petersburgo. Ambos deixaram evidentes lacunas de organização em campo, de solidariedade entre colegas e um espírito de desunião a que foi penoso assistir.

Nota final 2011/2012: BAÍA

12 comentários

  1. Bom dia,

    estou a gostar muito dos últimos textos, parabéns e continua o bom trabalho.

    Quanto ao Mister, eu confesso que fui dos que achava que ia ficar pelo caminho e não via a equipa a jogar por ele como fazia no ano passado pelo André e isso preocupava-me e muito. Felizmente acabámos com o título, agora para o ano terá de fazer obrigatoriamente melhor (digo eu que quero sempre mais).

    Nesse jogo do Benfica pensei : Fez-se homem, ou vai ou racha, nem o estava a reconhecer. A partir daí vieram mais umas atitudes de força que me foram convencendo que afinal o homem vai ganhando carisma, aliado ao método que já da época passada se dizia que no treino era ele bom. Retirar o Rolando da equipa era o óbvio, mas fazê-lo sendo este um intocável não seria fácil e ele assumiu e muito bem. Em Braga estava na bancada e eu que sou fã do Palito estava pronto a entrar em campo, dar-lhe uma bofetada e mostrar-lhe como dominar uma bola com o pé esquerdo, quando nisto o homem tira o Álvaro, eu a pensar que ia saltar o James da equipa para segurar o resultado… Aos poucos parece que foi ganhando pulso na equipa, agora quero uma caminhada convincente na Europa, Campeonato,Taça e Tacinha se faz favor:)…

    Um abraço..

  2. Dar um Baía a um treinador que é humilhado para a taça de portugal, champions com o crl etc etc etc é brincar com a nossa cara.

    Agora por ser trabalhador, humilde e portista ja é bom treinador ?

      1. Claro que sim.

        Mas então para o ano, somos novamente humilhados tacticamente que é o seu forte , nos discursos vamos novamente ouvir um discurso bastante forte a apelativo, vamos dizer adeus as competições europeias.

        Ganhamos o campeonato mais por desmérito dos outros do que pelo nosso, e prontos época feita.

        Mas coitadinho, ele é bom menino, é humilde, é portista e então prontos, mesmo que sejamos humilhados em todas as competições recebe um Baía.

    1. eu, por exemplo, dar-lhe.ia um Baía apenas por ele ter sobrevivido a todas as bocas e assobios e “eu é que sei” de todos os comentadores e não só!
      mas posto isto,
      não foi por ele ser trabalhador, humilde e portista, que o Jorge o baíou, mas enfim, talvez para compreender isso tivesse que ler o texto todo…

  3. o número de comentários (ou a sua falta), à hora a que redijo estas linhas – singelas três prosas, às 22:53 de 30/05 (sendo que duas são do mesmo autos e a outra uma tua resposta) -, podem ser reveladoras de um imenso engolir de sapos sobre a continuidade do nosso treinador – e onde eu me incluo, por saber que não foi o “meu” treinador desde a humilhação de Coimbra (mas que sempre respeitei, por ser a aposta de Pinto da Costa – e sabemos que o nosso grande presidente vê mais a dormir do que todos nós juntos de olhos bem abertos).

    se concordo com o “Baía” atribuído?
    não discordo pela sova técnico-táctica que deu ao «catedrático», em pleno salão de festas (vulgo Estádio da Lucy).

    ps:
    o livrinho onde escreveste uma prosa simpa´tica (mas que ainda não li) vai ser a minha leitura de férias.
    prometo crónica à dita ;)

    abr@ço
    Miguel | Tomo II

    1. não sei se a malta está a engolir sapos. mas anda tudo muito calado aqui na caixa de comentários. not a problem, não me desanima :)
      quanto à prosa, fico a aguardar pela opinião. talvez já tenhas lido uma parte dela…;)

  4. É um facto que há poucos comentários para este Baía e mesmo eu me coibi de vir logo comentar. Talvez seja por não haver mais jogos de futebol esta época.
    Mas como o silêncio também não é justo, partilho a opinião de que o Baía é merecido.
    Houve poucos treinadores (sinceramente, nem sei se algum) por quem sentisse tanta simpatia e por quem tenha comprado tantas discussões.
    E Vítor Pereira não desiludiu. Sem ter criado ilusões. As palavras ditas no Estádio do Dragão na noite em que se conquistou o campeonato, ou esta última entrevista a O Jogo, confirmam que é homem para o Porto. Para o nosso Porto. Porque não podemos idolatrar André, Paulinho Santos, Jorge Costa e outros da mesma fibra exigindo que sejam Madjer ou Deco.
    Vítor Pereira quis ganhar o campeonato, quis ganhá-lo no Porto, e conseguiu-o. Acreditou que o conseguia. Quis consegui-lo. Fez por consegui-lo. E na minha opinião maioritariamente bem.
    O jogo com a Académica para a Taça foi mau. O jogo com o Zenit fora foi mau. Outros houve que não conseguimos ganhar. Caramba, jogámos o suficiente para marcar mais golos ao Zenit no Dragão do que ao Villarreal na primeira mão o ano passado. E outros ainda houve que ganhámos e foram fraquinhos. Como sempre. Ou Artur Jorge não deixou o campeonato fugir para o Benfica em 1986/1987? Ou António Oliveira não perdeu 4-0 com o Manchester United num jogo em que lançou, estranhamente, Costa para a titularidade? Ou Mourinho, que passou 9 anos (?) sem perder em casa para o campeonato, em vários clubes, não começou essa senda por perder com o Beira-Mar?
    Vítor Pereira merece o Baía. «Porque esta primeira temporada foi cheia, foi longa, foi dura. E no fim, foi dele.» E a próxima, acredito, será também.

    1. “Talvez seja por não haver mais jogos de futebol esta época.”

      concordo. ou pelo menos é assim que leio. quanto ao resto…concordo a 100%, obviamente :)

  5. Gosto muito deste blog e geralmente respeito e até tento compreender as opiniões das outras pessoas, mas esta de dar Baía ao VP parece brincadeira. É verdade que fomos campeões mas não podemos ignorar tudo o que ele fez ao longo da época, desde jogar sem ponta-de-lança,a defender contra equipas fracas quando vencemos só por 1… Acho ridiculo que um blog tão bom e tão apreciado pela maioria dos portistas tente atirar areia para os olhos deles.
    No entanto dou os parabéns e, fora esta falta de opinião (foi uma cópia do PC), peço que continuem assim!
    Saudações, Tiago Peixoto

    1. não é nenhum atirar de areia, Tiago, é só uma opinião pessoal. VP não é tão bom quanto gostava que fosse, mas também não é tão mau quanto o pintam. e se já leste o que costumo escrever já devias saber que não ando aqui para agradar a A ou a Z. escrevo o que quero, quando quero, porque quero. e esta opinião é tão minha quanto as outras. não concordas, tudo bem, a vantagem dos blogs serem pessoais é mesmo essa: as opiniões são únicas e intransmissíveis. o paternalismo acaba aqui.

      se reparares, os Baías que atribuo incidem na grande maioria das vezes na produtividade durante a temporada. Vitor Pereira foi campeão. não te chega? então tens padrões de exigência incrivelmente altos, homem. espero que não te desiludas muito na tua vida.

      um abraço,
      Jorge

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