Futres e Folhas – República Checa 0 vs 1 Portugal

foto retirada de desporto.publico.pt

Aquela cabeçada de Ronaldo, depois de setenta e nove minutos em que pouco falei a não ser para gritar para uma televisão que nunca me respondeu, foi o suficiente para vencer o jogo. Mas começa a ser frustrante ver jogos da Selecção e assistir à quantidade parva de lances de golo criados e não concretizados. Azar, muito. E acima de tudo isso, azar, porque inépcia há alguma mas há muito talento na grande maioria daqueles pés que calçam botas multi-coloridas e que de cinzento pouco têm. Hoje, finalmente, vi alguma rotação da bola no meio-campo, com um grande jogo de Moutinho, a garra de Meireles e de Veloso, o esforço de Coentrão e a capacidade individual de Ronaldo, a força de Pepe e Bruno Alves. Hoje vi, finalmente, uma equipa. E não podia ter chegado em melhor altura. Parabéns, rapazes. Hoje foi talvez o jogo mais aborrecido deste Euro. Mas ninguém vos atira a desfeita à cara. Notas abaixo:

 

(+) Ronaldo Só alguém que não tem noção nenhuma do que é jogar futebol pode criticar Ronaldo pelos golos falhados aqui há uns dias. É arrogante, é rico e peneirento, é madeirense, é um merdas. Chamem-lhe o que quiserem, mas Ronaldo é (e continuará a ser durante uns bons anos) um dos melhores jogadores de sempre do futebol mundial. E nota-se nos olhos, na vontade, na celebração dos golos, na forma como tem vindo a subir de forma, que quer fazer deste o “seu” Europeu. E vai tentar tudo para que tal aconteça. Só temos a lucrar com isso, porque se afirmei que Portugal era uma equipa composta por Ronaldo+10, a verdade é que com Ronaldo a jogar desta forma temos hipótese de ganhar muitos jogos. Sem ele, as chances baixam astronomicamente.

(+) João Moutinho É bom, o puto. É muito bom. Quando joga assim-assim, é bom. Quando joga bem, é fabulosamente bom. Quando joga mal…é uma anomalia estatística. Foi mais um jogo de inteligência em posse, com a noção quase perfeita de onde estar no momento adequado, para quem passar quando é preciso e o que fazer quando não se tem a bola nos pés. Moutinho é essencial na Selecção e está a ser um dos melhores jogadores deste Europeu pela conjugação de talento, capacidade táctica e perfeição técnica que tem vindo a mostrar. Puxando a brasa à sardinha portista, só espero que não dê demasiado nas vistas. Pode ser pequenino em altura mas é enorme em campo.

(+) Miguel Veloso Uma surpresa a jogar a seis. Não é um trinco à Costinha ou Petit, eles que fizeram história na Selecção pela forma como abordavam o jogo usando a perspectiva da vassoura: está aqui, é para varrer. Veloso é mais inteligente e bem mais avesso a grandes deslizes pela relva a raspar as coxas no verde tapete. Mantém-se de pé mas usou bem o corpo como barreira e o posicionamento defensivo tem sido vital na cobertura do flanco esquerdo, possibilitando as subidas de Coentrão e tapando a rectaguarda quando é necessário. É lógico que quando chega perto da bola torna-se mais fácil tirá-la ao adversário porque o puxão gravitacional de Miguel Veloso é forte, mas está-me a surpreender pela leitura de jogo e atitude em campo.

 

(-) O flanco direito Um de cada vez. Comecemos por Nani, que hoje foi um complicadinho, lento, sem ideias, com pouca força no contacto físico e ainda pior capacidade de decisão. Várias vezes endossou a bola para o homem de costas para a baliza…e deixou-o ficar lá, rodeado de checos e preso como um cavalo de tróia transparente enquanto optava por não criar uma linha de passe para receber a bola de volta. Não fez um bom jogo ao contrário do que tinha feito contra a Holanda. E depois temos João Pereira. Estou convencido que ainda vou conseguir cunhar um termo para este rapaz. Toda a gente que joga à bola diz coisas como: “Olha, vou fazer uma à Zidane”, ou “à Figo”, ou até “à Ronaldo”. E fazer uma “à João Pereira” é ainda mais giro porque não requer preparação, talento ou inteligência. Basta fazer uma de duas coisas: sair para um contra-ataque em que o guarda-redes não está na baliza contrária e TENTAR FINTAR o jogador que lhe aparece à frente em vez de adiantar a bola para longe e ganhar no contra-pé; ou então fazer aquela finta de corpo que só ele sabe, enganando todo e qualquer rectângulo de relva que esteja num alcance de dois ou três metros quadrados. Xissa que o rapaz é burro.

 

E depois de noventa e quatro minutos de ataque quase contínuo, forte pressão alta, remates ao poste e parvoíces consecutivas de João Pereira, Portugal está nas meias-finais do Europeu. O pequeno animal de caninos afiados dentro de mim que cospe pessimismo todos os dias nunca acreditou que conseguíssemos passar a fase de grupos, mas essa bestinha interior também sabia que a partir do momento em que tal fosse uma realidade, tudo seria possível. Tudo. Até ganhar à França e vingar aquelas duas meias-finais, as de 2000 e 2006. Ou esquecer os oitavos de 2010 contra a Espanha, eles que nem o Villa têm. E conseguimos chegar cá por mérito próprio, em crescendo, a jogar melhor, a falhar melhor, como Beckett sempre sugeriu. Pelas barbas de Viriato, estamos perto.

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