Hoje fui um bocadinho irlandês em Gdansk

Hoje fui um bocadinho irlandês na relva molhada de Gdansk. Nada de sentimento anti-castelhano ao barulho, apenas uma simpatia pura e despretensiosa. Enquanto via o final do jogo reparava (como evitar?) nos milhares de irlandeses nas bancadas a cantar de goela aberta enquanto a sua selecção era pontapeada para fora do Euro com quatro batatas na pá, pouco ou nada podendo fazer para o evitar. Os sorrisos espelhavam a alegria da presença, do mérito de uma formação que tem tanto de simpatia como de empenho e que cede perante uma Espanha que joga a um nível muito superior.

Mas o irlandês não quer saber. Leperchauns, milhares deles nas bancadas cantam, abraçam-se, vibram, vivem. E depois do apito final de Proença, alguns choram, outros mantém o sorriso. Mas todos cantam. Todos entoam um hino de sentimento, um som imortal que deveria ser perene nas nossas vidas e que enobrece a alma de um povo, batido, agredido, pobre, feliz. Estão bêbados, dir-me-ão. Talvez. Mas todos cantam. Se pusessem doze mil portugueses num estádio a ver a sua selecção a perder por três contra a Argentina e não pudessem fazer nada quanto a isso, aposto que o espectáculo seria diferente. Nem seria um espectáculo mas uma sequência de assobios contra Ronaldos e Coentrões e Moutinhos deste mundo que os oprimem sem nada fazer, que os fazem perder a vida que não têm e não os deixam viver o que não podem.

Hoje fui um bocadinho irlandês. E só me entristece pensar que jamais verei o meu próprio povo a fazer o mesmo.

EDIT: obrigado ao Miguel do Tomo II que me avisou que o video tinha sido retirado do Youtube depois da UEFA se armar em parva…

23 comentários

  1. Caro amigo!

    Partilho desse sentimento! Gostaria muito ver a minha seleção a levar 4 no pacote e ter o povo todo a cantar o hino… mas eu era o primeiro a nao conseguir… a razão é simples… não temos jogadores que mereçam… são vedetas, meninos mimados, pretenciosos e postos em pedestais… tivessem eles metade da humildade dos Irlandeses, 1/4 do esforço, 1/8 da valentia e se calhar já me ouvias a cantar qualquer coisinha.. (menos desafinado que os irlandeses de certeza!!) E dito isto fico com uma pergunta na cabeça: Onde está o espirito português aventureiro e guerreiro dos descobrimentos e cruzados portugueses?

    Abraço

    1. Lamento discordar mas acho que o problema está mais no povo do que nos jogadores.
      Que mérito temos nós (o público) nas conquistas brilhantes que o futebol português (ok, foi principalmente o Porto :-)) conseguiu?
      Quem são os mimados? Ronaldo e companhia? Não há um treinador do Ronaldo que não diga que ele é o jogador mais profissional que conhecem. O que treina mais e com mais afinco.
      Mimado? Desculpa dizer-te (e não quer dizer que seja o teu caso), mas acho que o problemas das pessoas com o Ronaldo, Nani e outras vedetas do nosso futebol é a simples inveja. E a certeza de que nunca na vida vão ter o sucesso que ele tem.

      Eu também não vou, mas acho que o deles é muito merecido. Até o Nani, que eu pensei que não valia um décimo do que o MU pagou por ele, se revelou um grande jogador e profissional.

      Imagina o que é, no teu trabalho, quando as coisas não te estão a correr bem, teres um conjunto de estranhos, que não sabe fazer o teu trabalho, a apupar-te.

      Pura e simplesmente não faz sentido. Ninguém é obrigado a bater palmas ou a gritar em apoio. Mas se não gosta que se cale.

      Cumprimentos,
      PeLiFe
      BASEL84.BLOGSPOT.PT

      1. Boas!
        PeLiFe, se calhar não me fiz entender… vou esclarecer bem isto, claro que tenho alguma inveja destes marmanjos que ganham num mês mais do que alguma vez vou ganhar na vida… mas é uma inveja saudável, tenho plena consciência que o ganham porque são bons no que fazem (se merecem valores tão elevados já não tenho tanta certeza, mas isso é outro tópico que levaria a muitas palavras escritas sobre o dinheiro que o futebol envolve…), quem não gostaria de estar no lugar deles?!
        Outra coisa, do mesmo modo que não me ouvem a cantar, não me ouvem a apupar nem a assobiar (como alguns pipoqueiros no Dragão…)
        Eu não preciso que ganhem para me dar vontade de apoiar… como disse, só queria ver “metade da humildade dos Irlandeses, 1/4 do esforço, 1/8 da valentia”… só isto!
        Quanto ao exemplo que deste do meu trabalho, tenho apenas uma coisa a dizer, se as coisas não correrem bem pedem-me responsabilidades se sou displicente chamam-me à atenção, será que alguém chama atenção aos jogadores quando só se empenham quando já estão a perder? Será que são de algum modo responsabilizados pelo insucesso? Mas já me estou a estender demais no texto, apenas quero ver “metade da humildade dos Irlandeses, 1/4 do esforço, 1/8 da valentia” por parte dos nossos jogadores!

        Cumps

  2. Vi o jogo num canal Inglês e os comentadores disseram qualquer coisa como isto: “Com este som de fundo o melhor que fazemos é estar calados” e assim ficaram até ao fim do jogo.

    É tão bom quando o futebol mostra o que de bom há nas pessoas em vez de por cá fora o que elas têm de pior, que infelizmente é o mais comum.

  3. Obrigado Jorge por partilhares isto.

    São de facto um povo muito especial. Já visitei perto de 20 países. Foram, de longe, os que achei mais simpáticos.

    Estava lá quando, em 2003, saímos vitoriosos de Sevilha contra os irlandeses da Escócia.
    Nesse jogo vi o que faz aquela malta em todas as substituições (e tenho vindo a confirmar isso desde então).
    Mal é anunciada a substituição, levantam-se todos de um pulo e premeiam o jogador que sai com um coro de aplausos. Sempre. Jogue bem ou mal, estejam a ganhar ou a ser cilindrados.
    É tocante ver o orgulho que têm nos seus jogadores.

    E também sinto a tristeza de pertencer a um povo que não sabe ter um orgulho assim, desmedido e desinteressado.

    Abraço,
    PeLiFe
    BASEL84.BLOGSPOT.PT

  4. Muito bom post. Grandes irlandeses.

    Ferrone…
    Essa desculpa e uma treta.
    Os adeptos portugueses assobiaram a equipa nos jogos de preparacao, em que o objectivo da seleccao nao era ganhar os jogos. Despedem a equipa antes de uma competicao destas com assobios em vez de apoiarem a equipa.
    Essa atitude nao e nova, e nao se aplica so ao futebol.
    Nao gosto de generalizar, mas o povo portugues parece-me estar a tornar-se num povo mesquinho que apesar de nao ter competencia para perceber aquilo de que fala critica tudo o que lhe aparece a frente.
    Todos os treinadores e colegas do Ronaldo sublinham o seu profissionalismo, a sua dedicacao e capacidade de trabalhoe (o que nao e de espantar pois so assim se atingem os niveis que ele atingiu) no entanto o tuga acusa-o de tudo e mais alguma coisa quando as coisas nao lhe correm bem.
    Quando era novo um alvo preferido era o Fernando Mamede que apesar de ser recordista mundial dos 10 mil metros e um dos melhores corredores da sua geracao, cada vez que nao ganhava uma medalha era crucificado.

    1. Boas Jorge,

      Só uma pequena rectificação, quando diz “Os adeptos portugueses” refere-se apenas a parte deles com certeza. Se calhar não me fiz entender bem, mas aconselho-o a ler a reposta que dei ao PeLiFe mais acima.

      Cumps

  5. Também estava a ver o jogo em directo. Se fosse comentador teria estado em silêncio, e presenciado este magnifico momento de futebol, um dos mais bonitos que já vi, mesmo sem lá ter estado. Foi pena na Sic não terem feito isso. Foi realmente emocionante ver que o futebol por vezes é mais do que a bola que entra ou bate no poste, que vai por cima ou é defendida pelo guarda redes, o futebol é um fenómeno socio-cultural, um fenomeno de comunidade, de partilha, de sentimentos e emoções, de clubes, de países, e no fundo vermos que o que importa é a saudável transmissão de experiências, vivências, é isto a beleza do futebol. E no final do jogo como se terão sentido os jogadores irlandeses? tristes sim, mas com um enorme orgulho, por saberem que mesmo longe de casa, estão com o seu povo, ali ao lado deles, que mesmo perdendo, os apoiam incondicionalmente, como que a dizer-lhes “não faz mal, o futebol é isto, na próxima vez será melhor”. Jorge, também eu hoje, me senti Irlandês. Que Orgulho.

  6. “…mas eu era o primeiro a nao conseguir… a razão é simples… não temos jogadores que mereçam… são vedetas, meninos mimados, pretenciosos e postos em pedestais… tivessem eles metade da humildade dos Irlandeses, 1/4 do esforço, 1/8 da valentia e se calhar já me ouvias a cantar qualquer coisinha..” – Exactamente por isto. Porq

  7. Muito bom o post Jorge, parabéns.
    É de facto impessionante como eles sentem orgulho na selecção, já estive 2 vezes em Dublin uma em 2000 e outra ano passado na final da taça uefa, são um povo espectacular, acolhedor, simpático e muito boas pessoas, vê-se nas atitudes que têm para com os outros na rua, em todo lado.
    Também há uma explicação para estes adeptos serem assim, é que na selecção não há estrelas e todos sabem que os que vão para dentro do campo vão dar tudo o que têm e uns pelos outros, isto também explica muito deste sentimento.
    Cá a minha selecção é o PORTOgal, apesar de gostar que Portugal vença e de ficar feliz com as vitórias, agora num País de mesquinhos onde a imprensa lisboeta criou divisões dentro do próprio País não contem comigo para apoiar ronaldos armados em não sei o quê, ou melhor até sei armado em parvo sempre a olhar para os ecrãs a ver se está bontio à pqp, se ele não estivesse lá tinhamos ganho os 2 jogos a brincar, escrevam.
    Gostava era que todos os adeptos do mágico Porto fossem assim apoiassem para empurrar a equipa para frente quando está por baixo, isso é que eu gostava.
    Essa de serem assim porque estão bêbados é um disparate eles são assim porque sentem, amam e o que é preciso é sentir, amar e ao sentir e amar a única forma de ajudar os jogadores é cantar para os motivar a correr e a ganhar por eles que fazem todos os sacrifcios para os apoiarem.

    EU CANTAREI POR TI
    ATÉ QUE A VOZ ME DOA
    CONTIGO EM TODO LADO
    DURANTE TODO O ANO
    SÓ PORQUE EU TE AMO

    SEMPRE F.C.PORTO

  8. Meus caros, eu que vivi na Irlanda ontem senti a lagrimita no canto do olho ao ver a demonstração de afecto que os Irlandeses têm pelos seus. Será uma questão de cultura? É com certeza, mas sinceramente não acho que seja só.
    Há uns anos (5) tivemos uma selecção amadora a apurar-se para o mundial de rugby, lembram-se? E eu vi uma cambada de marmanjos e homens feitos que se reuniam para ver os jogos dos rapazes, e que não perdiam um, embora nunca antes tivessem visto um jogo de rugby do início ao fim, gente que foi receber a seleção ao aeroporto depois de serem eliminados com algumas derrotas mais pesaditas, que os trataram como heróis, porque os rapazes fizeram algo extraordinário ao garantir o apuramento, e porque todos sabíamos que lá, tinham feito o melhor que podiam, que tinham deixado couro e cabelo no campo se pudessem e porque todos nós vimos o esforço e simpatizámos com eles, e todos percebemos que eles estavam a fazer de tudo para dignificar a equipa a que pertenciam.
    Como se nós e as nossas equipas da futeboladazita semanal amanhã defrontássemos a equipa principal do Porto. Daríamos tudo por tudo no fundo, embora soubéssemos que só um milagre nos traria algo menor que a goleada.

    O problema da nossa selecção A é que nós já vimos todos aqueles rapazes a fazerem coisas fenomenais, e todos esperamos que eles as voltem a fazer. Além disso há uma sensação estranha que fica de termos tido uma geração de ouro que esteve tão perto de ganhar algo e que não ganhou, e temos alguma relutância em admitir que sem Figos e Rui Costas e Decos, a selecção não é a mesma, nem pode jogar ao mesmo nível, por muito bons que sejam os que lá estão.

    Dou um exemplo óbvio, eu não vi tanta contestação ao jogo com a Alemanha como vi ao da Dinamarca, apesar dos resultados, porquê? Óbvio, porque ninguém estava à espera que os rapazes das quinas jogassem tão bem contra a Alemanha como jogaram, tiveram um erro, deu um golo, tiveram azar nalgumas bolas que não entraram na baliza dos brancos, acontece.
    A contestação ao jogo com a Dinamarca é outra, porque todos estávamos a ver desde o início do jogo o buraco no flanco esquerdo, todos percebemos que aquilo ia dar golo. Quando o golo se dá, toda a gente percebeu que aqueles três marmanjos que ficaram à espera que fosse marcado um fora de jogo se deviam ter feito ao lance (e a selecção sofre tantos golos equivalentes carago, só de chicote…), e pior, toda a gente ficou piursa quando o segundo entra de uma forma quase equivalente…

    Dito isto, claro que nunca vamos estar a apanhar 3 da Argentina e o pessoal levantado de mão no peito a cantar o hino. Porque temos noção (por muito errada que possa ou não ser) que temos uma equipa de primeira linha que devia fazer melhor que apanhar 3 da Argentina. Agora se toda a gente estivesse à espera que eles perdessem por 4 ou 5… Não sei se não veríamos o mesmo sentimento que vimos com os comparsas do rugby.

  9. Discordo completamente. Nao saber a nossa forca e ter orgulho na derrota e bastante pior que lutar ate ao fim e perder.

    Nunca mas nunca poderia concordar contigo e ate me cheira um bocado a sentimentalismo barroco.

    O que eu gostava de ver e a seleccao quando perdesse a receber compreensao em vez de assobios, e depois comparar uma Irlanda a Portugal em futebol nao faz sentido nenhum. Claro que a alegria deles e contagiante, nao tem nada a perder e estarem la ja e uma vitoria.

    1. “Nao saber a nossa forca e ter orgulho na derrota e bastante pior que lutar ate ao fim e perder.”

      Pois, eu tentei com toda a “forca”, mas… é mesmo difícil perceber o que queres dizer!…

      “não saber a nossa força e ter orgulho na derrota
      é bastante pior que
      lutar até ao fim e perder ”

      “comparar uma Irlanda a Portugal em futebol nao faz sentido nenhum”

      tudo isto no mesmo contexto é sinceramente difícil, muito difícil de entender…

        1. ora cá vai:

          http://en.wikipedia.org/wiki/The_Fields_of_Athenry

          a letra, tirada de outro site:
          By the lonely prison wall I heard a young girl calling,
          Michael, they are taking you away,
          For you stole Trevelyn’s corn,
          So the young might see the morn,
          Now a prison ship lies waiting in the bay.

          CHORUS:
          Low, lie the fields of Athenry,
          Where once we watched the small free birds fly
          Our love was on the wing,
          We had dreams and songs to sing
          It’s so lonely round the fields of Athenry.
          By a lonely prison wall I heard a young man calling,
          Nothing matters Mary when you’re free,
          Against the Famine and the Crown,
          I rebelled they ran me down,
          Now you must raise our child with
          dignity.

          By a lonely harbour wall She watched the last star falling
          And that prison ship sailed out against the sky
          Sure she’ll wait and hope and pray
          For her love in Botany Bay,
          It’s so lonely round the fields of Athenry.

          chega? :)

          um abraço,
          Jorge

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