Baías e Baronis – FC Porto 4 vs 0 Vitória Guimarães

Posso dizer, sem que me caiam os testículos de espanto, que foi o melhor jogo de Vitor Pereira no Dragão. Depois da desilusão do jogo de Barcelos, foi um deleite ver aqueles jogadores a mostrarem que quando querem, quando se sentem motivados ou espicaçados, conseguem fazer jogos a este nível, com excelentes trocas de bola, jogadas bem pensadas, um fluxo de jogo constantemente ofensivo e uma pressão intensa a impedir que este pobre Guimarães conseguisse sequer sair do meio-campo com a bola controlada. Entrei para o Dragão com uma dupla bifana+fino, mas com pouca confiança e algum receio de repetirmos a exibição contra o Gil. Saí do estádio feliz, como já não acontecia há muito tempo, com uma sensação de dever cumprido e maior confiança para um futuro próximo. O que vi hoje no Dragão foi o que já podia e devia ter visto há muito tempo: uma equipa que jogou não só para ganhar mas para ganhar bem. Notas, ainda de sorriso no rosto, abaixo:

 

(+) A posse de bola no ataque Foi o que mais me alegrou hoje na bela noite do Dragão. Ver Danilo a romper pelo flanco, Alex Sandro e Atsu a entenderem-se bem ao primeiro toque, Jackson a rodar com a bola controlada para entregar a Moutinho, Lucho a jogar subido mas a saber recuar e Fernando a varrer o que era preciso para manter o jogo sempre no meio-campo contrário. Bela, belíssima a imagem do Guimarães a defender quase sempre nos últimos trinta metros, aquela pseudo-grande equipa amarrada pela força de uma que lhe é superior mesmo quando está em baixo (está-me a dar para o bairrismo, hoje…). É assim que Vitor Pereira tem de colocar os rapazes em campo, sempre com esta mentalidade vencedora, de acabar com o jogo antes que a outra equipa se aperceba que o jogo já arrancou, e continuar a bater-lhes quando estiverem de joelhos a implorar por clemência. Por falar no “mister”, esteve bem nas substituições, tirando os jogadores certos nas alturas certas, rodando a equipa sem a deixar desfazer, como em Barcelos aquando da saída de Fernando. Muito bem, os meus parabéns a todos.

(+) Atsu Continuo impressionado com o puto. A forma como se desenvencilhou de uma forma consistente do defesa que o marcava foi notória mas ainda melhor foi vê-lo a travar quando via que não conseguiria passar por ele, a esperar, com a bola BEM CONTROLADA (!!!), que aparecesse um colega para lhe passar a bola. Atsu traz ao FC Porto o extremo-esquerdo que não tinha desde 2009/2010, na altura que Varela estava em forma: um jogador que sabe quando acelerar e quando travar, quando passar para o meio e quando cruzar para a área. Precisa de continuar a jogar, continuar a mostrar que é por ele que passa o futuro do ataque do FC Porto.

(+) A vantagem de ter dois laterais Miguel Lopes tinha cumprido no lugar dele e Mangala andava a jogar “à Maicon” desde o início da temporada. Não era mau. Era fraquinho, mas não era mau. Mas estes dois brasileiros cujo valor conjunto é equivalente ao orçamento de várias equipas portuguesas juntas mostraram hoje que podem ser extraordinárias mais-valias para um plantel como o nosso. O facto de podermos ter dois jogadores que têm uma tamanha verticalidade no approach ao jogo, que podem ajudar a equipa a carregar por cima do adversário pelos dois flancos de uma forma tão ofensiva e assertiva, só podem deixar os adeptos a salivar. Mais, porque não são laterais. Danilo é um médio interior e Alex Sandro um médio-ala. Mas ambos podem dar à equipa o que ela precisa nas posições que mais precisa. É só continuarem a este nível…e terem um Fernando a tapar-lhes as costas.

 

(-) A necessidade dos passes longos Continuo a ver Otamendi a espetar um balázio nos passes a dez metros e a mira a ser persistentemente mal calibrada quando se envia a bola para os laterais, o que os obriga a dar dois ou três passos para o lado de maneira a que a bola não saia de campo. Até perdoo o penúltimo passe sair mais longo ou mais curto por falhas pontuais. Mas incomoda-me muito ver os passes longos de Maicon ou Moutinho a tentarem mudar de flanco a quarenta metros com o que parece ser, aos olhos de um leigo, um pontapé de baliza. Ainda por cima quando não há necessidade de o fazer. Esta insistente busca do mais difícil em detrimento do simples é daquelas coisas que nunca vou conseguir perceber na psique de um jogador de futebol. E também por isso me identifico mais com o Barcelona do que com o Real Madrid. Simple beats beautiful. É assim que vejo as coisas.


À semelhança das andorinhas e da primavera, não é por vencermos um jogo por quatrazero que vamos começar a achar que somos os melhores do Mundo. Mas mal reparei na constituição da equipa que estava em campo pensei: “Não me digam que estes onze fulanos não metem medo a qualquer adversário em Portugal!”. E a verdade é que continuo confiante, ainda que o meu lado pessimista venha sempre ao de cima, como aquele estupor daquele anjinho que se põe no ombro nos desenhos animados a minar a mente do protagonista com os moralismos bacocos da racionalidade. “Ainda é cedo, rapaz, ainda é cedo para cantares vitória…”. Eu sei que sim. Mas aqueles rapazes que hoje alinharam de azul e branco mostraram-me que é possível jogarem bem. Já estava a perder a esperança, palavra.

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Ouve lá ó Mister – Guimarães


Amigo Vítor,

Deixa-me ser o primeiro a dizer-te, com todo o respeito: “Ai o caralho!”. Aquele jogo em Barcelos não foi grande coisa, pois não, campeão? Não foi mesmo. Mesmo. E já te tinha dito aqui há uns tempos, com este tipo de jogos mandas abaixo qualquer tentativa que a malta possa fazer para estar com a moral em alta e responder à letra aqueles furúnculos de Lisboa. Mas continuamos por cá, Vitor, e continuo a confiar em ti.

Hoje o teste pode ser tramado. Ou não. Estou a ser sincero quando te digo não conheço metade da equipa do Guimarães e apesar de ser, como tu sabes, um gajo que gosta de alojar na cabeça uma quantidade absurda de factóides inúteis sobre futebol, a verdade é que ainda não me dei ao trabalho de saber o que eles valem. Só há uma coisa que sei com toda a certeza e que todos os que logo estiverem no Dragão também sabem: nós somos melhores. E não pode haver dúvidas nesse campo para que essas dúvidas não passem para o outro, o de relva.

Uma sugestão, só mais uma: Hulk, Atsu e Jackson. É esse o onze. Deixa o James aprender que tem de fazer mais para ganhar o lugar…olha que ele está a voltar aos maus hábitos de ano passado, quando só jogava bem se entrasse a meio do jogo porque se fosse titular era trampinha atrás de trampinha. Não quero trampinha. Quero ganhar a merda do jogo. Quero comer uma bifana e ganhar a merda do jogo. Quero comer uma bifana, beber um fino e ganhar a merda do jogo. Sim, é isso. Força.

Sou quem sabes,
Jorge

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I hate to see you go…mas tinha que ser.

Gostei dele quando chegou. Tínhamos acabado de vender Cissokho ao Lyon, naquele que foi um dos melhores negócios da História desde que os Holandeses compraram a ilha de Manhattan aos índios por meia-dúzia de dólares e dois espelhos em latão. Apareceu saído da Roménia e de uma boa carreira na Champions, num verão em que todos os jogadores que apareciam associados a outros clubes na nossa absurda imprensa desportiva pareciam vir parar ao Dragão (Falcao, Maicon, Ruben Micael ou Varela são alguns exemplos). Quando o francês saiu, pouco depois de ter entrado e após uma sequência absurda de laterais-esquerdos fracos ou adaptados (Ricardo Costa, César Peixoto, Cech, Lino, Fucile, Benitez ou Mareque) que se seguiram a Nuno Valente, também nenhuma vedeta mas certinho o suficiente para que pudéssemos ter segurança naquele sector. Álvaro era rápido, audaz, viril, forte. Era e continua a ser um excelente jogador, como disse em várias oportunidades, sendo que talvez o melhor resumo tenha sido na vitória na Luz para a Taça há dois anos: “Sem ele o flanco esquerdo do ataque do FC Porto fica manco, a funcionar ao ritmo de serviços mínimos numa repartição de Finanças em dia de ponte. Álvaro dá energia à ala, subindo desenfreado ao nível de um Roberto Carlos de boca aberta, a tabelar com o médio centro e a ajudar os colegas em todas as jogadas que entra, somando a isso alguns cruzamentos de grande nível.

Esta transferência será sempre considerada como uma cedência da parte dos mais fracos. Neste caso, o FC Porto, que se viu colocado perante a situação de ter de vender para rentabilizar o investimento e não ficar com o jogador parado/chateado e hipotecar a possibilidade de um encaixe financeiro. Dez milhões é pouco, dirão. É o que é. É o que conseguimos por ele e é sinal que o mercado está em baixa e que um dos melhores laterais-esquerdos do Mundo (e não há assim tantos que sejam de facto bons) é adquirido por um preço abaixo do valor que tinha no ano passado. E infelizmente este tipo de negócios só dá razão aos jogadores quando se revoltam em tempos de mercado aberto, quando fazem as birras que lhes apetece porque não lhes apetece ficar no mesmo sítio nem mais um minuto. Neste caso, Álvaro sai do clube que lhe deu tudo, que o expôs a outros mercados e lhe ofereceu todas as condições para prosseguir a sua carreira de uma forma que no Cluj nunca teria conseguido. Venceu dois campeonatos e uma Liga Europa, para lá de mais três Supertaças e duas Taças de Portugal. Não lhe chegou e compreendo que queira sair, experimentar outras andanças e outros mundos, mas custa-me que saia pela porta pequena. Não precisava. Mas desejo-lhe sorte de qualquer forma. Que seja tão feliz como outrora foi aqui. Não creio que seja possível.

E agora? Alex Sandro, o lugar é teu. Faz dele o que quiseres, mas fá-lo bem. O Mangala está aí à espreita e já sabes que o Vitor gosta de adaptar centrais às faixas. Just sayin’.

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DJ Alma

foto ASF, gamada de A Bola

Não é possível ter uma equipa inteira de Messis. Não é financeiramente suportável, perdem-se a maioria dos lances de cabeça e o guarda-redes via-se lixado para defender as bolas mais chegadas ao poste. Por isso se forem a ver em quase qualquer plantel do mundo do futebol civilizado, há muitos Djalmas com número atribuído e inscrição na Liga. O Real tem um Arbeloa, o United tem um Fletcher, na Juve joga um Asamoah e até há um Kroos no Bayern. Tudo jogadores que apesar de não serem vedetas mediáticas e levarem apenas trinta ou quarenta pessoas a sessões de autógrafos, são opções dos treinadores em várias alturas durante uma época que é longa e coloca a equipa perante diferentes circunstâncias que necessitam de diferentes jogadores com diferentes características.

Djalma era um desses moços. DJ Alma (como lhe chama na brincadeira um colega meu da bola), que não mostra classe mas empenho, que não é genial mas trabalhador, que nunca marca golos brilhantes mas ajuda a criar jogadas produtivas. É um team-player, mais um que está lá para mostrar o serviço que sabe mas acima de tudo o que pode. No ano passado, Djalma ajudou a equipa sempre que foi chamado ao relvado, fosse a extremo direito ou defesa direito, desempenhou um papel extraordinário no jogo da Luz para o campeonato, surgindo de trás para a frente e ajudando os colegas com o estilo…pouco estético que sempre mostrou. O Mariano Africano, chamei-lhe na altura do jogo em Paços para a Taça da Liga, que nunca virava a cara à luta apesar da luta lhe dar quase sempre duas lapadas nos dentes sempre que tentava fazer algo para lá do que sabia.

Djalmas e Jameses. É a dicotomia do presente. Queremos mais génios que não cumprem ou formiguinhas que cumprem pouco? Precisamos mais de um Paulinho Santos ou de um Kulkov? De um João Pinto ou de um Ibarra?

The jury’s not out on that one. E ao ver a equipa a arrastar-se em campo como vi no domingo em Barcelos, inclino-me mais para os primeiros. Boa sorte, DJ Alma. Não deixes que os turcos façam pouco de ti, rapaz.

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O meu primeiro derby no Bessa

Regresso mais uma vez a 1994. Quase 1995. Mais concretamente ao dia trinta e um de Dezembro de mil nove e noventa e quatro. O meu primeiro jogo oficial do FC Porto fora das Antas. Que melhor local para o desfloramento nas deslocações ao exterior que na própria cidade, num derby? O cenário: Bessa. O Bessa antigo, com o Boavista antigo, aquele que dava luta a todas as equipas mas principalmente à nossa, em que cada jogo era tratado como se fosse uma questão de vida ou morte. Os adeptos incendiados de um ódio perene e intransmissível, encaravam sempre os clássicos da própria urbe como uma batalha pessoal, dura, violenta, um duelo com sabres até que o torpe oponente caísse numa poça da própria imundície. Eram jogos rijos, tanto nas Antas como na Boavista, mas quando os axadrezados estavam perante o próprio público…amigos, os guerreiros ainda era mais cruéis, mais agressivos, mais brutos, com faces ruborizadas e relâmpagos nos olhos, o anormal do laço agarrado às redes e um estádio a gritar vis insultos aos irmãos do burgo.

Foi neste cenário bucólico que um rapazola, enérgico com a força própria que todos têm na idade da estupidez adolescente, decide ir ver o jogo. Último dia do ano, reveillon pronto para arrancar, famílias reunidas em casa, muita água a cair dos céus lá fora e a bancada norte do Bessa cheia de Portistas, sem protecção contra a natureza que não nos queria lá a nenhum custo. O frio apertava e a chuva, inclemente, caía sobre as nossas faces impelidas por um S.Pedro boavisteiro. Mas os corpos, tão frios por fora, ardiam por dentro.

As equipas eram grandes. A nossa e a deles. Avançávamos com grandes lusos. Baía, Pinto, Santos…Folha. Dois grandes russos. Kulkov, o calmo, tranquilo, pacífico Vassili. E o irreverente, Serguei “olha para mim a conduzir como um louco na Avenida da Boavista” Yuran. E o resto? Brasileiros. Aloísio = Classe. Zé Carlos = Inteligência. Emerson = Força. Uma tríade de perfeição futebolística no Bessa. Do lado do inimigo, um misto de experiência, loucura, velocidade, perfeição e talento. Querem nomes? Nogueira, Bóbó, Artur, Timofte e Sanchez. Chega? Chega. Era um excelente Boavista. Acabaram em 10º a cinco pontos da Europa. Mereciam mais.

O jogo começa. Duro, como se espera. A bancada abana, sofre, inunda a zona oeste da Invicta com cânticos, todos saltam, todos gritam, todos vibram. Os dois miúdos, o jovem e o amigo, também vibram, também gritam, também saltam. Embriagados com a emoção da partida, reunidos no meio dos correlegionários, apoiam e incentivam a equipa. E é no meio desta espiral de loucura futebolística que o Boavista marca. Sanchez, lá ao fundo, na baliza por baixo da bancada sul. A moral que roçava os cabelos nas nuvens do Valhalla caiu-me aos pés. “Foda-se”, gritei, “Havias de morrer, boliviano de merda!”. Corrigiram-me, diziam que era colombiano. “Boliviano, chavalo!”, respondi, “é um filho da puta dum merdas, mas é boliviano!”. Queria lá eu saber de que raio de antiga província hispânica da sudamerica ele vinha. Tinha-nos marcado um golo. Odiava-o naquele momento.

Não me lembro dos nossos golos. Chovia muito e estava longe, naquela gélida e elevada bancada no topo Norte do estádio. Vi-os ao longe, aos gritos. Vi Emerson a marcar e a empatar a partida, vi Kulkov a colocar-nos de novo na posição onde merecíamos. Enquanto Robson saltava no banco, um autoclismo voou para junto de Alfredo, rodeado de inúmeros isqueiros e moedas no relvado, porque telemóveis naquela altura estavam tão longe dos nossos bolsos como a prancha de skate do Marty McFly. Vencemos o jogo. Depois de terminado e de esperar na bancada que nos mandem para a saída, vou conversando com amigos, cantando aos nossos heróis, celebrando mais uma vitória no campo do inimigo. Era Cipião em Cartago, McCarthy nas Filipinas, Monty em El-Alamein. Triunfante, fora do estádio, ainda quente por dentro mas tremendo de frio por fora, voltei a sair, para festejar o novo ano que estava ali mesmo à beirinha.

Um derby, à antiga. Daqueles que, ao ritmo que as coisas vão andando, nunca mais vou voltar a ver.

PS: Sei bem que a foto não é desse jogo. Mas estamos a festejar o título no Bessa, em 1992. Pareceu-me adequado.

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