Quem vai à bola, não dá, só leva.

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No fim-de-semana mandei-me para o cinema. Há quase dois anos que não punha lá os pés e não houve interesse de mais ninguém lá em casa, apesar da minha filha ter reagido com um sonoro: “NÃ!” (aliás, parece falar uma espécie de Esperanto minimalista, já que usa a palavra para tudo o que lhe apetece, a parvalhona linda, como o Walter em frente a um prato de bróculos), que me motivou a deixá-la em casa não fosse ela começar com aquilo a meio do filme. E porque apesar de soar interessante levar um bébé com menos de dois anos para um filme de 170 minutos e assitir ao desconforto dos pseudo-cinéfilos (lá chegaremos) quando eu me pusesse a mudar uma fralda lá no meio da sala, a verdade é que não seria de todo prático. Optei, portanto, por ir sozinho.

O mesmo já aconteceu em idas aos jogos de futebol no Dragão ou às Antas, já que por diversas vezes me vi confrontado com a situação de não ter companhia para ver o jogo, seja por que motivo for (morte de familiares e/ou animais de estimação, férias marcadas, aniversários, ressacas, doenças súbitas, ou o infeliz “eh pá hoje não me dá jeito porque tenho uma amiga cá no Porto e ela não quer ir”, que é tao credível como ver o Mariano González a fintar o Pepe. E por cada metro que caminho em direcção ao estádio, vejo grupos de portistas a conversar sobre o último passe do Doriva, o cruzamento do Esquerdinha, o remate do Maniche ou a defesa do Helton. O lento passar do tempo que se torna rápido à medida que envelhecemos faz com que as opções se tornem mais visíveis e cada vez menos complicadas de tomar, como uma estrada que se abre pela nossa frente. Mas nunca me amedrontou o conceito de “ir à bola” sozinho. Jamais. E procurando evitar que tantos portistas, muitos deles com bilhete pago, prefiram ficar por casa em vez de enfrentar o negro horizonte de um final de tarde / início de noite na companhia distante de um grupo de gente que não conhecem, enquanto deslizam num torpor solitário a caminho do estádio, pensem que nunca estarão sozinhos. Longe dos sofás, das televisões, dos Football Managers e das casas de apostas, estão lá portistas. Como vocês.

Por isso não fujam do estádio. Com caras familiares, com ausências notadas, sozinhos, constipados ou com diarreias explosivas. Dêem lá um salto. Sejam portistas “de estádio”. É muito, mas muito bom.

5 comentários

  1. Grande Jorge,

    Muito bom! Grande post! Subscrevo em absoluto.

    E digo mais, é absolutamente impossível estar sozinho num jogo. Ao nosso lado estará sempre alguém, e o acto de conhecer alguém novo, tão raro neste mundo de tecnologia que nos está a afastar cada vez mais de ser, é das coisas mais fantásticas que há!

    Ao nosso lado está sempre um(a) Portista!

    Abraço Azul e Branco,

    Jorge Vassalo | Porto Universal

  2. Jorge,

    Como sempre, devorei cada palavra que escreveste, mas venho só deixar o meu testemunho.
    Não vou muitas vezes ao estádio, mas quando vou sofro do mesmo mal. Raramente arranjo companhia e bilhete arranjo-o tarde e a más horas. Isso faz com que acabe por ficar sempre em bancadas diferentes e por fazer amigos durante 90 minutos, pessoas que nunca mais vejo mas que durante aquele inicio de noite partilham comigo as mesmas angústias, fúrias, alegrias e êxtases. Não vai à muito tempo, num famoso Porto – Villareal, quando viramos o resultado o homem que esteve sentado à minha frente todo o jogo e que nunca trocara uma palavra comigo, que é o mesmo que dizer que nunca o vi mais gordo, vira-se para trás enquanto eu rebentava as cordas vocais a gritar golo e dá-me um abraço tal que parecia que eramos amigos de infância que não se viam aos anos. Para além do cesto de golos que os amarelos levaram embora, aquele momento fez com que as minhas idas ao Dragão fossem mais frequentes.

    Por isso, caro amigo Portista, tens toda a razão do mundo.

  3. Caro Jorge,

    Desde que me recordo, tive lugar cativo nas Antas juntamente com os meus avós maternos. O meu avô é o típico “Patriarca” da família, e a ele devemos todo o nosso portismo e, já agora, tudo aquilo que hoje somos. Quando o “velhinho” começou a ter dificuldades em percorrer mais aqueles metrinhos ate ao Dragão, em subir as 300 escadas e a não conseguir descortinar se “aquele era o Cissokho ou o Lisandro”, decidiu pendurar as botas. A partir daí, continuei a ir sozinho mas, confesso, muito vazio. Pela ausência do meu companheiro de sempre, óbvio, mas também porque nunca mais consegui ter no Dragão sequer um milésimo da cumplicidade que transpirava naquelas 2/3 filas de “vizinhos” nas Antas. O senhor que cantava tudo o que era música (hino, cânticos) com a voz mais desafinada de que me recordo. Ou o Sr. Júlio, que era um bocadito racista e que tratava o Costinha por “esse barrote queimado”. O outro Senhor que chutava no ar de cada vez que alguém fazia um passe. Ou a inveja que sentia dos Senhores atrás de nós, que iam a todos os jogos, inclusive no estrangeiro. Sendo assim, na 2ª época a ir sozinho, desencantei-me um pouco com o Dragão (nunca com o Porto, claro), e passei a ir lá um par de vezes por ano.
    Comecei a ficar doente… Senti-me mal imensas vezes a ver o jogo pela TV. Parti um braço do sofá quando perdemos 3-0 em Alvalade. Parti a mesa do terraço ao murro quando o Melgarejo nos fez empatar em Paços. E aí decidi que tinha de voltar. Na época seguinte, acompanhei muitos jogos em casa (confesso que nem sempre paguei bilhete – vantagens de ter um mano caçula atleta do clube), mas consegui criar com outros amigos um pequeno núcleo que ia ver alguns jogos fora, e até temos uma tradição em cada deslocação a Braga. Consegui bilhete, na véspera, para o jogo dos 92′. Fui sozinho, e acabei por ficar na Superior Sul. O Senhor que estava ao meu lado deveria ter 4 ou 5 dentes, tresandava a suor e decidiu ver 2/3 do jogo em tronco nu. Quando o rapaz da crista meteu a redondinha lá dentro, estive tanto tempo abraçado ao Senhor que, ainda hoje, penso que a minha camisola transporta algum do odor corporal daquele camarada que estava ao meu lado. No fim dançamos as diversas músicas que passaram no Estádio após o apito final, como se estivéssemos naquela altura das 5h da manhã em noite de Queima das Fitas em que já vale tudo (ou quase tudo). O ano passado voltei a comprar cativo, que mantenho até hoje.

    Que raios andei eu a fazer longe dos meus durante tanto tempo??

    Um abraço

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