O regresso

Fui ao Dragão no passado sábado. As saudades já apertavam e crescia a necessidade do contacto com aquele monte de betão e ferro que ilumina a minha alma e me arrasta para horas de fun, fun, nail-biting fun com que quinzenalmente sou presenteado de Agosto a Maio. Estava uma bela tarde, solarenga como poucas, com o calor do astro a fazer subir a minha já alta temperatura e a vontade do regresso da competição que parece ter terminado há anos. Desde aí já vi dezenas de horas de futebol, algumas com despreocupado prazer pelo futebol e pela beleza deste jogo que adoro.

Gosto mais de rever os antigos do que conhecer os novos. Sempre fui assim, com o particular interesse pelas panças dos gajos que chegam de férias, algo que parece limitado a meia-dúzia de desafortunados que têm de pedalar mais no ginásio ou de dar mais voltas ao centro de treinos que os outros, os cabrões dos sortudos que não incham nas férias. Como faço parte daquele pedaço de povo com inchaços independentes, isto é, engordo de férias ou fora delas, tenho um particular apreço por aqueles que me fazem lembrar o Rui Filipe, ele que aparecia sempre num estado pós-Verão a roçar o risível. Tinha sempre uma barrigona de cerveja e camarão e francesinhas e sei lá mais o que é que o moço enfardava nas férias e só lá para Outubro ou Novembro é que estava em condições para jogar ao ritmo dos outros. No ano em que finalmente parecia ter regressado com peso bem controlado…enfim, RIP, rapaz.

Entre a míriade de emigrantes regressados e sequiosos por um bocadinho do Porto e de Porto, passou-se uma tarde simpática. Não sou adepto do fausto da apresentação nem do espectáculo feito para o público transitório que não representa nem de perto os que lá vão estar em todos os jogos a sofrer e a viver o progresso da equipa. Não faz deles menos portistas, apenas menos presentes. Foco-me nos rapazes de azul-e-branco no relvado, na saudação do seu regresso e na recriação do elo que nos une e que nos vai continuar a unir nos próximos meses. É a catarse da solidão competitiva, o acender da vela que nos iluminará por desfiladeiros profundos e rios escuros, que nos trará o êxtase da alegria ou a lamúria da tristeza. É o futebol, o meu futebol, de volta.

E, tal como ele, também regresso eu.

12 comentários

  1. Ah Rapaz que deixaste a malta com saudades da tua prosa!

    Voltando a uma questão passada, alguma chance de rever os “highlights” do Encontro da Bluegosfera deste verão num qualquer canal de Youtube perto de mim?

    Abraços!

  2. “Não sou adepto do fausto da apresentação nem do espectáculo feito para o público transitório que não representa nem de perto os que lá vão estar em todos os jogos a sofrer e a viver o progresso da equipa. Não faz deles menos portistas, apenas menos presentes.”

    Não podia estar mais em desacordo com esta frase. Como sabe, há muitos portistas que vivem longe – é esse o meu caso – e que não podem acompanhar a equipa com a frequência que desejariam. Isso não significa que não estejamos a sofrer durante a época ou que não vivamos o progresso da equipa: o facto de não irmos ao Dragão não faz de nós menos presentes, pelo contrário. Há uma experiência de viver o clube fora do Dragão – que provavelmente o autor não tem – em pequenos estádios por esse país e Mundo fora povoados por adeptos que adoram o clube: são as Casas e Delegações do FC Porto.

    Garanto-lhe que esses, nos quais me incluo, não vão à apresentação para ver a “dança do Dragão” ou para ouvir a DJ Poppy, nem muito menos para bater umas palminhas aos jogadores e para ver se os equipamentos deste ano são bonitos ou não. Não vão para comer pipocas aos 10 minutos de jogo nem para sair mais cedo “porque depois fica muito trânsito e isto também já não dá nada”. Vão para ver aqueles que, durante um ano inteiro, só puderam apoiar através de um televisor e, no caso dos portistas do sul (e sou um deles), para podermos orgulhosamente exibir uma camisola ou cachecol sem que daí resulte um comentário depreciativo, um insulto ou ainda pior.

    Se queria “lá estar em todos os jogos a sofrer”? Sem dúvida. Dizia que sim na hora. Se posso? Não, impossível. Mas isso não tem nada que ver com o apoio ou o sofrimento pela equipa. Muitas vezes veêm-se textos escritos na Bluegosfera (não neste blogue, que acompanho com regularidade e de que gosto bastante) que revelam um desconhecimento profundo da realidade portista, sendo alguns até injustos e ofensivos (como aqueles que fazem distinções entre os portistas portuenses e os outros). Há adeptos portistas extraordinários que raramente têm a possibilidade de entrar no Estádio, mas que sentem o clube de uma forma única e que, de uma outra forma, estão sempre presentes.

    Manuel Rocha

    1. mas era exactamente esse sentimento que tentava transmitir, que há muitos portistas que não estão presentes mas que estão lá em espírito. acontece que nestas alturas aparece sempre muita malta que só lá vai para o espectáculo e nem sabe quem são os jogadores, grupo no qual o meu caro amigo não se inclui! não era minha intenção “bater” em ninguém, garanto! :) a sua estirpe é sempre bem vinda! a outra também…mas menos vezes :)

      um abraço,
      Jorge

      1. li esse teu post na altura em que o escreveste e não estivesse eu em sabática e tinha-o divulgado. top stuff, homes!

        abraço,
        Jorge

  3. Ah! Que saudades!

    Belíssimo parágrafo sobre Rui Filipe!

    Apesar da resposta que já lhe deste, saúdo o comentário do caro Manuel Rocha. Também eu vivo desde tenra idade na capital do império, apesar de nascido no Porto no seio de uma família Portuense (raios partam os novos cartões do cidadão onde já não se pode ler “Naturalidade: Lordelo do Ouro, Porto”!). O facto de só esporadicamente poder ver um jogo ao vivo nas Antas/Dragão (faço tudo por não faltar aos jogos na Luz, Alvalade, Restelo, Setúbal e Estoril) em nada diminui o fervor e sofrimento (bom) com que vivo o nosso clube. Mais, quem nunca passou por isso, não faz ideia do que é ter visto uma grande percentagem dos jogos do Porto ao longo da vida (e são raríssimos os jogos do Porto que não vejo, falho 2/3 por ano) em cafés recheados de lampiões e lagartos abjectos…
    Para a primeira jornada com o Guimarães será diferente: voos na ryan air comprados e bilhetes garantidos, aí estarei daqui a 4 dias para apoiar ao vivo e a cores. Mas adiante.

    Então a análise detalhada? O escrutínio mordaz? Mais de um mês de pré-época e nada? No pressure…

    Abraço

    1. arbalho. não há análises a prés-épocas, já as fiz o passado e saí sempre insatisfeito. no sábado já há jogo, com crónica antes e depois para entrar nos eixos :)

  4. Cala-te lá com a “lamuria da tristeza”, chiça. Tá parvo o cachopo! :)
    Também pressentes um ano em cheio? Ou é mesmo impressão minha? Na volta é. Tenho-a sempre! :)
    Abraço.

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