Hipérboles

hyperbole-poems

Enervo-me imenso a ver o FC Porto. Tenho alturas em que o nervosismo se apodera de mim e é nesses momentos em que os que me conhecem sabem que me torno impossível de equiparar ao gajo tipicamente bem-disposto com que partilham momentos tranquilos e relaxados numa qualquer esplanada ou numa reunião de trabalho. Ainda outro dia, quando saiu um sonoro “oh foda-se!” mal vi a bolinha que dizia que ia ver Ribery e amigos ao vivo, a malta percebeu que a verbalização do sentimento geral tinha saído da minha matraca e percebeu logo o que se passava. Gente que me entende, felizmente.

Esta mesma malta admite sempre que o percurso de um portista é feito de altos e baixos, como o de todos os adeptos de uma equipa de futebol. Há alturas más em que todos parecem abandonar o barco e se ouvem frases como: “Jogámos ontem? Eh pá, nem sabia, tinha ido dar de comer à tartaruga e fiquei por lá, olha, que se lixe, ah ganhámos ao Beira-Mar com um hat-trick do guarda-redes não foi, pois é, mas mesmo assim não valemos nada, pode ser que pró ano lá vamos de novo e tal”, quando vamos na quarta ou quinta jornada. E há os doentes, os que vivem ainda mais que eu, os conspiratórios, os fanáticos, os imprudentes e os preocupados. São os maximalistas, os que polarizam as vitórias com loas de percursos sem derrotas depois de afastarmos o Senhora da Pita Viçosa United na Taça. Os que nos vêem a vencer por 3-0 com dois penalties e um auto-golo e afirmam que a nossa defesa é a melhor do Mundo e que nem Helenio Herrera nos seus melhores dias tinha sonhado de um esquema parecido. Os mesmos que depois de dois treinos e um golo às três tabelas logo aparecem a dizer que o rapaz vai ser vendido ao campeão da Coreia do Norte (porque não vendemos nada ao Sul, esses vendidos!) por 46 milhões de euros e um frango no espeto.

Esses, os hiperbólicos, são os mais difíceis de convencer e os ainda menos perceptíveis em relação ao estado mental. Bipolares, vão do extremo da alegria à profundeza da infelicidade numa questão de minutos e questionam sem saber os porquês, comparam sem recolher dados e facilmente se detectam pelo exorbitante uso das expressões “basta”, “nunca” e “se fosse eu”. Contextualizando: “Basta de jogadores mimados!”, “Nunca mais vamos ter outra oportunidade de nos chegarmos tão perto do Benfica!” ou “Se fosse eu o Lopetegui já estava a caminho de Espanha!”.

E enquanto vamos atirando estas parvoíces para o ar, nem reparamos numa coisa: já viram que vamos ter uns dias sem bola? Sem bola a sério, digo, porque vamos sempre ter de aturar Nuno “Ronaldo-assina-aqui-as-minhas-mamas” Luz a babar-se à porta do hotel, mas isso é um carnaval de outro nível. Vamos acalmar as coisas, esperar que nenhum puto venha lesionado das selecções e aguardar que a terceira viagem à Madeira (sim, a próxima) tenha melhor resultado que as duas primeiras. Derrota, empate…e agora vitória. Para ser equilibrado.

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Não entendo nada disto

Hoje de tarde, em conversa com um amigo, falava da hipótese do Shakhtar poder usar os brasileiros do meio-campo para impôr o físico aos alemães e ainda conseguir uma brincadeira. Ele disse que o Bayern lhes dava 7. Mencionei que as equipas do Mourinho nestes momentos raramente fraquejam e nem que seja por meio a zero, costumam passar. Ele disse que não tinha a certeza.

Para a próxima estou calado. Ou digo que o FC Porto nunca poderá ser campeão, é impossível ganhar por seis na Luz quando lá formos e o Benfas não vai perder mais nenhum ponto até ao fim. Nunca se sabe, se calhar o estupor tem um dedo que adivinha.

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The greatest scarf in the sky

FCP_meuclube

Tive a sorte de estudar no Porto, perto da família, dos amigos e daqueles pedaços de nada que damos como garantidos e sem os quais sentimos que algo está mais distante, ausente do coração e da convivência diária dos lugares-comuns que nos trazem o conforto que precisamos nas piores alturas. E tive também a sorte de poder começar a trabalhar fora da minha zona de conforto, seguindo para fora do país, regressando mais tarde à base de onde saí e que tanto me deu. E em todo esse percurso já feito e tanto que ainda por aí há-de vir, houve muita gente que me marcou pela forma de ser ou pelo simples facto de ter estado no sítio certo no lugar certo.

Uma dessas muitas pessoas (outras poderão ter referências mais tarde ou mais cedo aqui na roulotte) foi um professor que tive na faculdade. Aulas práticas de uma disciplina que fazia parte integrante do curso mas que me aprazia tanto como receber um remate do Hulk nos dentes à queima-roupa, e da qual tentava a todo o custo desenrascar uma miserável nota que me permitisse dizer adeus à incansável fome por jovens repetentes nos obscuros meandros da mediocridade universitária que aquela disciplina em particular parecia exibir a cada semestre que passava. Ou era eu que estudava pouco e não atinava com aquilo, vá-se lá procurar razões ao esfíncter do mundo. Esse titã da academia era facilmente identificável pela sigla que todos os professores recebiam e que os representava em horários, anúncios públicos ou endereços de email ou de sites pessoais. E marcou-me durante muitos anos a forma coloquial com que tratava os alunos, sem distinção de classe ou categoria, onde todos caíam na sua teia de vernáculo bem apurado desde o primeiro segundo em que colocavam tentativamente os pés dentro da sua sala de aula. Era uma personagem, nunca perdida nos corredores das memórias que levamos connosco para todo o lado e à qual recorremos sempre que nos dá para a nostalgia.

Encontrei-o mais tarde, alguns anos depois de sair com o diploma bem agarrado nas mãos que na altura já trabalhavam e que pouco se preocupavam com os temas que aprendi enquanto estive sob a alçada do homem de que vos falo. E entrei em contacto com ele por culpa do FC Porto. Um dado dia estava a fazer umas pesquisas e descobri um site sobre cachecóis do FC Porto, onde uma honrosa colecção estava disponibilizada para qualquer visitante poder vasculhar binariamente e deliciar-se com os pequenos nacos de história e memória que por ali iam sendo publicados. E, para meu espanto, era mantido e actualizado pelo meu professor. Tinha na altura diversos cachecóis antigos e não tendo grande uso para eles, decidi enviar-lhe um email para nos encontrarmos e para o poder presentear com mais algumas valiosas adições à sua então extensa colecção. Marcámos encontro para um café na Constituição, perto do campo que continuará a ter o seu nome mesmo com mil parcerias comerciais a tolharem-lhe a tradição. Reconheceu-me mal entrei. “Você foi meu aluno!”. “É verdade”, respondi, “mas pensei que não se fosse lembrar de mim, Professor. Éramos tantos naquela cadeira!”. “Eu tenho uma memória de elefante, caralho, entra e não sai!”. Assim. Logo assim, a seguir ao “boa tarde” coma vírgula que nos destaca dos mortais tugas nervosos por pecar mais pela palavra que pelos actos. Este, do Porto, clube e cidade, viveu os anos do pré-e-pós-Pedroto, falou-me do golo do Ademir e da estúpida explosão de loucura que se viveu nas Antas. Falámos de Sevilha e Viena, de Gelsenkirchen e de Basileia, pedaços da história que guarda para ele e partilha com quem ouve e quem gosta de ouvir. Ofereci-lhe os cachecóis, agradeceu amavelmente e fizemos planos de um dia voltarmos a dar duas de treta. Nunca mais o vi e estes planos desaparecem tão depressa nestes dias que tanto correm sem se saber muito bem para quê nem para onde.

Semana passada tive notícias da sua morte. Perdeu-se um portista, um bom professor e um bom homem. Do mal o menos: o céu ganhou uma nova colecção e está mais azul-e-branco. Com lã ou acrílicos estampados.

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Só valeu alguma coisa se ganharmos na Madeira

20150121 - SC BRAGA - FC PORTO

Vi o jogo em diferido, como tem vindo a acontecer nos últimos tempos por motivos que não interessam a ninguém senão a mim. E em todos os jogos que assim assisto, há uma vontade enorme de acelerar nos momentos mais parados, desde os pontapés de baliza aos lançamentos laterais, passando pelas fitas dos pseudo-lesionados e acabando nas preparações para lances de bola parada que raramente resultam…a sério, já se começavam a treinar cantos em condições…mas fica para outro post para não fugir ao assunto. Mas este não foi um desses casos de fastforwardite que de vez em quando me dá na mona, porque o comando da abençoada box ficou parado no mesmo sítio desde que arranquei com a gravação, tendo uma breve intervenção na altura do intervalo.

Se o jogo de Braga mostrou algo que fez renascer o espírito de qualquer portista que tenha assistido ao jogo, foi a capacidade de sofrimento e de empenho de um grupo que parecia estar a perder alguma daquela alma que marcou o início das trajectórias de muitos de nós, que nascemos e crescemos a ver Andrés e Joões Pintos. E essa força que saiu de dentro e continuou fora, com as centenas (ou milhares, pelo menos assim soavam) de adeptos nas bancadas da pedreira a fazerem com que os ecos de um clube que nos envolve, emociona, enerva e entusiasma a fazerem-se ouvir por todo o Minho. E é esta força que parecia abandonada ao largo de um estádio distante ou deixada para segundo ou terceiro plano em virtude de uma filosofia de jogo pausada, pensada, com poucas preocupações físicas e muitas de virtude mais técnica a sobreporem-se às primeiras. E não contesto essa forma de enfrentar um jogo de futebol, de colocar uma mentalidade diferente do que já foi a tradicional atitude de forquilhas em riste “aqui d’el Rei que nos matam os meninos” de aqui há uns anos.

Mas sentia falta disso, sentíamos todos.

E também por isso há uma tremenda união em torno de uma equipa que não fez mais que empatar um jogo numa competição que ninguém se preocupa muito por ganhar ou não porque não está perto dos primeiros interesses do clube e dos seus adeptos, nos quais me revejo na totalidade neste vector de pensamento. E há sempre os antis, os tradicionais, na bluegosfera e fora dela, que enojam de tanto nariz levantado perante o que foi um jogo épico que nos havemos de lembrar por muitos anos. Há-os sempre, os que dizem mal de tudo e de todos porque o “I told you so” é sempre mais recompensador que de facto alinharem com as cabeças unidas e na persecução de um objectivo comum. Ser carneiro é feio. Ser carneiro quando nos estão a tosquiar à força enquanto nos tentam levar para a beirinha de um precipício e puxam as calças para baixo parece-me outra completamente diferente.

Tudo isto para terminar no seguinte: nada do que foi feito na quarta-feira à noite em Braga serve de grande consolo se não chegarmos à Madeira e vencermos o jogo. Já vimos que há garra suficiente. Mas haverá cabeça?

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