Vectores do potencial insucesso: técnico

Aqui, meus amigos, começam as grandes questões e aquelas que são mais facilmente escondidas quando a equipa mostra alguma eficácia no decurso dos jogos. Se é notório que alguns dos jogadores do plantel têm uma capacidade técnica acima da média, há uma evidente e enervante incapacidade na performance em jogo corrido de exibir algumas características que parecem óbvias quando falamos de futebol moderno, onde os rapazes que fazem do futebol o seu modus vivendi insistem em mostrar tão pouco no que diz respeito a elementos básicos que são ensinados aos menos talentosos e que saem naturalmente aos génios.

O controlo de bola é uma miséria. Uma. Miséria. James, Jackson, Alex Sandro, Lucho e Moutinho brilham, Defour é o típico jogador da Europa Central, frio, controlado, recebe, controla, passa. O resto…é mau. Varela e Atsu parecem estar num eterno jogo de Arkanoid, tantas vezes a bola pincha perto de si, para não falar dos centrais, de Danilo e de Fernando, cuja posição pareceria indicar que a recepção da bola e de a “matar” no chão perto de si seria uma peça fundamental do treino diário. Se é, não parece, porque a quantidade de tempo perdido neste tão simples acto, repetido ad nauseam ao longo de uma vida, é suficiente para num jogo fechado, com adversários pressionantes e mais rápidos, originar perdas de bola e forçar a que a equipa abdique de lances de ataque para se concentrar na defesa em contra-pé dos ataques adversários. Continuemos.

Os passes falhados são uma constante. Uma constante. E numa equipa que tem o passe na sua matriz principal de jogo, na sua filosofia-base do modo como encara uma partida, seria conveniente que fizesse desta pedra basilar o enfoque máximo do que pratica. Mas tal não acontece. Sucedem-se passes após passes com a pontaria de um rinoceronte bêbado com o corno torto a apontar para o anel de Sauron. E os passes lateralizados, de natureza menos propensos a falhas quando comparados aos passes verticais de maior risco, não fogem deste esquema infeliz de bruaaahs na bancada quando Fernando endossa a bola para a linha lateral, Varela roda para o que pensa ser Danilo e Otamendi insiste em passar para as costas do colega do lado. Perde-se tempo, espaço e momento ofensivo em tantas diferentes alturas do jogo que quando comparo o FC Porto a outras equipas do mesmo nível (como o Benfica, por exemplo), parecemos uma equipa de Marianos González com delirium tremens. Os passes de risco, os que podem criar perigo, são ainda piores, como era de esperar, com enervantes envios demasiadamente longos ou absurdamente curtos. Perdemos 20 ou 30% dos lances de ataque neste tipo de oportunidades falhadas.

E os remates? Raramente vão dois ou três consecutivos à baliza, daqueles à inglesa, de fora da área. Dos poucos que sabem e conseguem rematar com algum intuito, Moutinho e Defour lá vão acertando na baliza, porque Lucho, Varela e Fernando (convenhamos que se soubesse rematar em condições já não andava por cá…) são rematadores de ocasião e a ocasião raramente se apresenta em perfeito estado para um balázio bem colocado. Danilo lá vai tentando quando a sorte lhe bufa nas costas e descai para o meio, mas o pé esquerdo raramente faz mossa. Jackson, já deu para perceber, só marca dentro da área.

Calma, vem aí pior…as bolas paradas.

Uns dias antes do jogo no Funchal, um amigo mostrou-me um video dos distritais de Aveiro, onde um rapaz marcava um livre perfeitamente por cima da barreira, bola com bom efeito, direitinho ao canto. Golo certo, sem hipótese para qualquer Schmeichel, quanto mais para o pobre keeper contrário. Até bati palmas, congratulando-me pelo excelente golpe técnico de um rapaz que provavelmente entrega cartas durante o dia e treina à noite quando pode. E depois vi Danilo a marcar um livre. Corpo inclinado para trás, trajectória errada, bola para a bancada. Fiquei de boca aberta, de onde saíram diversos exemplos de vernáculo portuense do bom. E é assim há anos, onde temos marcadores de livres directos que aplicam a fortíssima biqueira da bota à boa maneira de Fernando Couto para fuzilar as barreiras adversárias ou, em dia bom, para fazer a bola roçar a baliza tão perto quanto o relatador da rádio local lhe apetecer gritar. Com jogadores que deambulam perto da área, que descobrem espaços para rapidamente serem levados pela metafórica ceifeira adversária e o árbitro apontar um livre que pode ser a diferença entre um zero-zero e uma vitória difícil…não há e continuará a não haver quem os marque como gente crescida.

Esta é uma das áreas em que não noto melhorias há vários anos. Cito o meu pai, que me massacra sempre com estas palavras que cada vez fazem mais sentido na minha cabeça: “Mas estes gajos não treinam estas merdas?!”. Não, pai. Pelos resultados que mostram, não.

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Moutinho, ou a razão porque gosto tanto de futebol

Sou um adepto confesso da simetria. Incomodam-me tácticas em que vejo um ponta-de-lança a descair para que um segundo avançado ocupe o seu lugar saído de uma qualquer lateral, onde vai sem dúvida aparecer um lateral mais ofensivo do que devia a cruzar para que o médio volante surja ao primeiro poste e o avançado, o poacher, apareça ao segundo poste sem marcação e desfira o golpe letal que faz com o que o guarda-redes reclame com a defesa pela má marcação. Gosto de futebol bem estruturado e não tenho dúvida que caso me aparecesse a hipótese de ser treinador de futebol, iria rapidamente colocar a minha equipa a jogar num esquema que desse o privilégio quase completo a uma colocação no terreno de rapazes em posições que quando olhadas do ponto de vista do guarda-redes parecessem mantas feitas em tear, nunca retalhadas pelas inteligentes mãos de um artesão manual.

É nestes esquemas que jogadores como João Moutinho surgem como reis. Nestas simetrias trabalhadas, em que há jogadores para cada posição e em que raramente surge um génio para desfazer as estruturas que o adversário montou como artimanha pseudo-infalível para quebrar o raciocínio frio da minha formação. Moutinho, um homem que tento mimicar sempre que me junto com os meus amigos de sempre para a tradicional futebolada da semana, e alguém que gostaria que uma vez na minha vida algum deles olhasse para mim e dissesse: “Eh pá, oh gordo, tu cada vez estás mais Moutinho!”, seguido das tradicionais diatribes que os amigos tanto gostam de proferir uns para os outros. Perdoar-lhes-ia, só pela última palavra antes do calão.

Desde que vi Moutinho a arrancar na profissão que escolheu que vi talento. Vi uma capacidade inata para manter a bola durante o tempo que queria, escolhendo o passe certo na altura certa, sem inventar enormes desvarios de passes longos a procurar a movimentação de um avançado que raramente percebia o que o diminuto colega no meio-campo pretendia fazer. Moutinho joga devagar, com alma mas com cabeça, mantém a bola perto dos seus pés durante o tempo que é necessário para que nada fuja da estrutura que o treinador lhe manda manter, rodando aquela esfera pelos jogadores mais acertados e fugindo dos mais violentos, procurando sempre o passe mais simples para que o jogo flua com a intensidade que precisa na altura que é preciso. Mal aproveitado no Sporting, onde lhe pediram para ser 10 e 6 em épocas diferentes (e por vezes no mesmo jogo), nunca abdicou da inteligência com que brinda o público que assiste às suas jogadas, geométricas por definição e geniais na execução. É o Xavi português, e tivéssemos nós uma imprensa capaz de elevar o talento a níveis estratosféricos como a espanhola, que conseguiu por breves meses transformar um banalíssimo elemento como Arbeloa ou o Sergi (dependendo do jornal que lessem e da afiliação que propagassem) num talento ao nível de um Baresi ou de um Roberto Carlos, por certo teríamos o nosso João a jogar em campeonatos de nível bem acima do nosso. Como tal, e como o rapaz parece gostar da cidade, do ambiente e do futebol que o rodeia, vamos tê-lo cá mais uns tempos. E que gosto me vai dar, eu que gosto tanto daquele estilo, de um proto-Barcelona pacífico, calmo, tranquilo, de troca de bola olímpica e sem pressas, à espera do momento certo para romper uma defesa com um passe perfeito e deixar o trabalho duro, pressionante e incrivelmente difícil ao avançado que fica frente-a-frente ao guarda-redes pronto a marcar o golo da vitória…que gosto me vai dar ver o João ali no meio, com o número oito nas costas, a aplaudir o bom trabalho do colega, sabendo que foi ele que o criou. É uma honra, João, ver-te a jogar.

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As contas de Moutinho

  • Julho 2010: Comprado ao Sporting por 10 M€ (sim, só 10, porque os 11 milhões do negócio eram equivalentes a 10M€ mais o passe de Nuno André Coelho, avaliado em 1M€).
  • Outubro 2010: Vendido 37,5% do passe por 4,175 M€.
  • Agosto 2011: Comprado 22,5% do passe por 4 M€.
Se temos agora 85% do passe, caso vendêssemos Moutinho teríamos direito a 34 M€. Tendo em conta que o Sporting tem direito a 25% de uma futura mais-valia (ou seja, saindo pela cláusula daria 25% de 34-10 = 24 M€, ou seja, 6 M€. Antes, com 65% do passe, receberíamos 25 M€ e o Sporting encaixava 25%, ou seja 25-10 = 3,75 M€. No fundo, entre Outubro e Agosto ficamos sem 15% do passe por “apenas” 175 mil euros, os de Alvalade valorizaram um eventual retorno em 2,25M€ e nós passamos um eventual lucro líquido de 11 M€ para 18 M€, se somarmos as parcelas todas, claro está.

Em resumo: preparar um bom negócio tem quase tanto mérito como de facto concretizá-lo.

PS: se me enganei nas contas, por favor não hesitem em fazer as correcções necessárias juntamente com os insultos devidos.

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