Portistas em África, com Madjer

Como não podia deixar de ser, o destaque dado no site oficial é nulo. Na imprensa portuguesa, pelo que tenho visto, nulo é.
Trazendo novas do maravilhoso mundo argelino onde o Porta19 tem um enviado especial em permanência, segue a notícia da presença dos nossos rapazes em terras magrebinas como embaixadores da boa-vontade do futebol numa angariação de fundos para ajudar crianças africanas.

“Quelque 150.000 euros ont été récoltés au profit des enfants d’Afrique, lundi, à Alger, lors d’un match de gala initié par Rabah Madjer, ancienne star du football algérien aujourd’hui ambassadeur de l’Unesco. Le Français Christian Karembeu, le Belge Jean-Marie Pfaff, l’Italien Alessandro Altobelli, les Portugais Vitor Baia, Rui Barros, Fernando Couto et le Tunisien Adel Sellimi faisaient partie d’une sélection mondiale, qui s’est imposée 4-2 contre d’anciennes gloires algériennes.”

Não será uma novidade digna de primeira página como a lingerie da cabrita do Ronaldo ou do novo penteado do Neymar, obviamente.

Ver a notícia completa aqui, no Algerie360.

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1987

Enquanto esta época absurda de boatos e especulações sobre transferências não acaba e o futebol a sério está engavetado até daqui a uma semana, enquanto a Copa América e o Mundial Sub-20 não começam…com que é que um adepto do FC Porto se entretém? A ver vídeos antigos, pois está claro. Andei à procura na colecção (leia-se “fui ao directório certo no disco rígido) e coloquei a cassete no meu VHS (entenda-se “carreguei o ficheiro de video”) da final de Viena. A nostalgia impera nestes meus momentos sem futebol, é verdade, e não resisto. Enquanto o sono não aparece, vou vendo imagens com 24 anos de idade, ainda tão presentes na minha cabeça. Foi este o jogo que me tornou Portista.

Só vi a segunda parte. E quando chega perto daquele minuto 32, onde o Frasco tropeça no meio-campo enquanto Ribeiro Cristóvão arranca com a ladaínha do cansaço dos jogadores do FC Porto, e que “água mole em pedra dura, tanto bate…mas não fura”, mais um provérbio adaptado que faz parte do meu imaginário de criança. Frasco tropeça mas qual Leonor pela verdura, não cai. Envia para Juary com a bola a passar a milímetros da bota de Brehme, mas o brasileiro, raçudo, esforçado, estica-se perante as pernonas do alemão para enviar a bola para Madjer. Lindo. Perfeito. Épico.

Festeja-se no terreno. Madjer sai, exausto. Esticam-lhe as pernas, Rodolfo e Domingos Gomes trabalham para o rapaz aguentar mais uns quinze minutinhos, “anda lá, Rabah, só mais um esforço, homem!”. Madjer, com mais spray nas pernas que base na cara de uma socialite, entra de novo em campo. A bola está em Mly, seguro, com confiança, roda para Celso. O brasileiro espeta um passe de 40 metros para o argelino que recebe em movimento. Olha para a frente, tem três quilómetros de relva para galgar e um alemão pela frente. Fraco, forte, não interessa. Winklhofer de nome, mas podia-se chamar “gajo com pregos nas botas” em alemão. Madjer progride, arranca uma finta com dois toques seguidos no pé direito e deixa o teutónico a pensar que a Blitzkrieg é lixada quando somos nós que apanhamos com o relâmpago, a ironia é lixada, pá, vive com isso, e o cruzamento sai. Longo, por cima de todos, com Pfaff a olhar e o resto dos defesas a fazer o mesmo…mas Juary, o pequenino Juary, aparece no segundo poste e com um toque suave, de simetria inigualável, faz a bola chocar contra a parte de cima das redes por dentro da baliza. Golo. É o segundo. Ribeiro Cristóvão grita, Miguel Prates grita, todos gritam. É golo! É golo do Porto! É o segundo!

“E agora, os 35 mil adeptos alemães no Prater…nem piam!”

Exactamente, Miguel. Mas havia ali uns 400 lusos que piavam e bem grosso. Ah que inveja de não poder lá ter estado, carago!

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Entrevista de Rabah Madjer ao ionline

A entrevista é simpática e acaba por ser uma viagem a um passado não muito distante, uma conversa agradável com uma das nossas maiores figuras, que ainda tive o prazer de ver jogar ao vivo com a nossa camisola. Retirado da edição de hoje do ionline, da autoria de Rui Tovar.

Faz hoje 25 anos que aterrou no Porto um jogador que mudaria a história de Portugal, com dois golos em duas finais internacionais (Bayern e Peñarol)

Carlos Lopes nos JO em Los Angeles-1984, Rosa Mota nos JO em Seul-88, Fernanda Ribeiro nos JO em Atlanta-96. Já ficámos acordados de madrugada para ouvir o hino português. E também para festejar o título mundial do FC Porto, em 1987. O golo da consagração (um chapéu de aba larga: 30 metros) foi do argelino Madjer, que já havia construído a jogada do 1-0 de Gomes. E que, já agora, havia assistido Juary para o 2-1 com o Bayern Munique na final da Taça dos Campeões e que, dois minutos antes, marcara de calcanhar o golo do empate. Madjer só fez 148 jogos pelo FC Porto mas é um dos jogadores mais importantes da história azul e branca. Mas de onde é que ele veio? E como? E quando?

A esta última pergunta, a resposta é hoje, 8 de Setembro. Só que de 1985. Faz 25 anos que Madjer chegou ao Porto, via Tours, uma equipa da 2.a divisão francesa, que não o quis por mais uma época, por “insuficiências técnico-tácticas”, de acordo com as declarações de um dirigente francês ao jornal “L”Équipe”, na edição de 18 de Agosto desse ano. O i quis saber isso e muito mais. Entrevista ao quinto melhor jogador africano de sempre (atrás de Weah, Milla, Pelé e Belloumi) e ao mais influente estrangeiro do FC Porto (à frente de Jardel e Cubillas).

Boa tarde Madjer. Falo de Portugal.

Boa tarde, amigo. Tudo bem?

Tudo. Sabe que dia é amanhã?

8 de Setembro.

Isso não lhe diz nada?

Hãããã… Que falta um mês para eu chegar a Portugal. De férias.

Pronto, isso é agora. Mas a 8 de Setembro de 1985, o Madjer aterrou no Porto pela primeira vez. Lembra-se?

Sim, claro, no Aeroporto Sá Carneiro. Cheguei com o Lucídio Ribeiro, empresário português que trabalha muito no mercado francófono. Estava um dia cinzento. Fui para o hotel e daí para o Estádio das Antas, para ver o FC Porto-Penafiel [3-1, com golos de Semedo, Gomes e João Pinto] onde conheci toda a gente. Houve logo química: o presidente Pinto da Costa, o médico Lima Pereira, André, Frasco, Gomes, Futre, Eduardo Luís, Jaime Magalhães, João Pinto, Juary. Tudo gente cinco estrelas.

E Artur Jorge?

Também, também. Grande senhor do futebol.

Mas vocês tiveram os vossos problemas.

Sim, mas problemas com solução. Por muito bom que seja o espírito de uma equipa de futebol, e o FC Porto era como uma família, há sempre alguém às turras com alguém. Ou o presidente com o treinador ou o jogador com o treinador. São coisas que vão e vêm. E passam. Quando havia esses stresses, nada melhor que ir almoçar ou jantar.

Mas isso não se faz diariamente?

Não, digo almoçar ou jantar com a malta amiga. Nesses casos de stresse, organizávamos excursões à Póvoa de Varzim para comer e relaxar. O André era o líder espiritual desses convívios. Era também o mais divertido do plantel, sempre bem disposto e a contar anedotas. Como o Lima Pereira, outro capitão dentro e fora do campo e sempre pronto a comandar as suas tropas [risos]. Como o Futre, jovem e irreverente como só ele sabia. Resumindo: se houvesse algum stresse comigo, eles resolver-me-iam a situação num abrir e fechar de olhos. Percebes?

Claro. E porquê Póvoa de Varzim?

Invenções do André [risos]. Ele é de lá. Amigo, havia lá um restaurante fantástico. Não me perguntes o nome que não me lembro.

E lembra-se de como entrou na equipa do FC Porto?

Sim, sim. Muito bem. O primeiro jogo foi no Estádio da Luz, com o Benfica, na festa de inauguração do Terceiro Anel. Um jogo particular e empatámos 0-0. A estreia oficial foi também em Lisboa, mas no Restelo. Ganhámos 3-2 ao Belenenses e eu fiz duas assistências para o Gomes. Depois, recebemos o Sporting e vencemos 2-1. Até que veio o tal jogo que me desbloqueou, no Bessa. Foi 2-1 para nós e eu marquei os dois golos, os da reviravolta [Casaca fizera o 1-0]. Pronto, a partir daí, ninguém mais me agarrou.

Só na Póvoa de Varzim.

Pois é. Olha, daqui a um mês lá estarei. Ao volante do meu Toyota.

Qual? Aquele que ganhou em Tóquio?

Esse mesmo. Na final da Taça Intercontinental-1987, fui eleito o melhor em campo e ganhei um carro. Levei-o do Japão para Portugal e desde então nunca mais me desfiz dele. Está lá, guardado na garagem da minha casa, em Vila Nova de Gaia. Tenho o mesmo carro há 23 anos e está como novo. Nunca me deu problemas. Nem um! As marcas japonesas são, de facto, do mais fiável que há. Mas isto é só com carros. Porque já viste o tempo que estava em Tóquio naquele dia? Tudo menos fiável. Na véspera, nublado. No dia do jogo, nevava, nevava, nevava e não parava de nevar. Aquilo era impressionante. E eu que nunca tinha jogado na neve. Nem eu, nem os outros.

Nesse jogo marcou o golo da vitória.

Um grande chapéu quase do meio-campo. Foi o golo que mais prazer me deu, porque significou o título mundial. Mas não foi o mais bonito. Esse foi o de calcanhar…

Com o Bayern?

Não. A piada é essa. O melhor golo de calcanhar não foi esse, embora seja o mais falado em todo o mundo, porque foi numa final e com o poderoso Bayern. Hoje, se falarem de um golo à Madjer, todos sabem como é. Da mesma forma que ninguém esquece o slalom do Maradona com a Inglaterra em 1986 ou o penálti à Panenka em 1976. Mas a seguir à Taça dos Campeões, ganhámos 7-1 ao Belenenses [26 de Agosto de 1986, primeira jornada do campeonato nacional, na estreia de Rui Barros pelo FC Porto e de Marinho Peres como treinador dos azuis do Restelo], marquei três golos, o último deles de calcanhar, mais bonito que o de Viena. Sabes porquê?

Não.

Do cruzamento do Jaime Magalhães, recebi a bola com o pé esquerdo e dei com o calcanhar direito.

Mas então esse golo vi-o há poucos dias, na internet.

A sério? Não pode ser. Onde?

No YouTube.

Espera aí, vou buscar papel e caneta para anotar o endereço [espera] Diz-me lá.

É só ir ao site do YouTube e escrever “fc porto belenenses 7-1”.

Mas isso é fantástico. Já ganhei o dia. Obrigado. Vou já rever esse golo. Tenho–o na memória. Agora vou copiá-lo para o computador. E posso mostrar aos meus amigos. Eles não acreditam em mim. Dá para acreditar nisso?

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