Um Defour depois de tantos outros Defours

FC Porto's belgian midfielder Steven Def

Gostava de Defour. Palavra que gostava. E talvez fosse dos poucos que apreciava o contributo que o rapaz dava à causa, pela capacidade de recepção e passe da bola, pela atitude em campo e por ser um dos poucos homens desde há três anos que sabia o que fazer quando recebia a bola. Nem sempre o fazia nas melhores condições ou com a maior produtividade, mas era certinho. Era um meio Maniche com mais tatuagens e pior remate de longe. Mais ou menos. Um Söderstrom melhorzinho, pronto.

E quando chegou ao FC Porto, toda a gente se levantou a clamar que Moutinho teria agora um forte concorrente para o lugar. Bollocks, portanto. E Defour nunca se assumiu aos olhos dos adeptos como um verdadeiro substituto para Moutinho mas a concorrência no meio-campo (e a chegada de Lucho, entenda-se) fizeram dele sempre uma segunda escolha, algo que o belga raramente pareceu entender. E feriu os adeptos com a ambição de um jogador que se fez grande muito novo e que manifestou sempre querer mais, melhor, ao nível que ele próprio entendia que merecia. Nunca o conseguiu.

Leio as análises do Pobo do Norte e do Tribunal do Dragão e compreendo a forma de ver as coisas. Não concordo com ela a 100% mas compreendo. Nós, portistas, temos uma certa ambiguidade quando relacionamos a ambição de um jogador com o caseirismo que queremos seja revelada todos os dias pelos “nossos”. Queremos um jogador que brilhe, mas só cá. Um homem que deslumbre mas que não se deixe deslumbrar. Queremos uma Bacall (RIP, boazuda) com atitude suficientemente slutty para pôr um homem com as calças a pulsar mas que não passe de uma Irmã Lúcia quando as coisas não lhe correm bem. É uma dicotomia engraçada, ou seria se não fosse tão verdade e tão próximo de casa. O FC Porto não vive só de grandes nomes e de génios da bola. Vive, como sempre viveu, dos outros que se colocam mais por trás do jogo, que não explodem em campo mas que trabalham e que fazem os outros trabalhar. Defour, como tantos antes dele, era um desses que deixava trabalhar, trabalhando. Não era genial, talvez nunca tenha sido e o deslumbramento do carinho de Ferguson e dos prémios ganhos na juventude podem tê-lo feito ganhar uns centímetros de arrogância que até aí não existiam. Mas era um homem que, com a cabeça no sítio, poderia trazer enorme equilíbrio num meio-campo que parece mais forjado para criar do que para aguentar, para driblar em vez de passar, para mostrar fantasia em vez de sentido prático. Perdeu-se em jogos pouco produtivos, expulsões ridículas (num jogo que até nem estava a ser mau…) mas acima de tudo nunca conseguiu atingir o nível que os adeptos exigiram que atingisse pelas suas intermináveis e incompreensíveis expectativas para com homens que pouco conhecem.

Defour, para mim, foi um valor que perdemos e que nunca soubemos aproveitar. Parte, sem grande prejuízo para o clube mas com a noção que podia ter sido um enorme modelo de inteligência competitiva e cultura táctica. Isso, se estivesse noutro lado. Aqui, caro Steven, são raros os gajos como tu que ficam na memória.

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Somos nós que pomos o barro nos pés dos ídolos

Olhando para a lista que está aqui em cima, conseguimos perceber uma coisa: de todos os jogadores que venceram a final Liga Europa há três anos (sim, amigos, só passaram três anos desde Dublin), apenas quatro permanecem no plantel do FC Porto, aos quais se soma Walter que continua a tentar perder peso pelos diversos ginásios brasileiros por onde já passou. Esta equipa, que se pode discutir ter sido uma das melhores da história do clube, foi uma das mais vitoriosas e eficientes, com quatro troféus nessa aparentemente longínqua época de 2010/2011. E os jogadores eram apoiados pelas massas, elevados a heróis pelos adeptos e liderados por um rapaz que chegou, viu e venceu quase tudo que tinha para vencer, com um plantel pouco renovado depois de uma temporada de 2009/2010 onde apenas tínhamos ganho a Taça de Portugal e onde o terceiro lugar no campeonato tinha sido meritório tal a fraca qualidade do futebol de Jesualdo que tinha então perdido dois elementos fundamentais (Lucho e Lisandro) e onde Hulk e Sapunaru atravessaram aquele nada-salomónico castigo depois das ridículas peripécias do túnel da Luz.

Deste grupo, Nico Otamendi foi o último a sair e Fernando esteve, ao que consta, bastante perto de embrulhar a carreira que o fez subir a pulso pela mão de Jesualdo, evoluir com Villas-Boas, estabelecer-se como incontestável sob Vitor Pereira e continuando assim com Paulo Fonseca, apesar da estratégia não o favorecer desde o início da temporada. Já Otamendi vinha numa espiral descendente que começou no início da temporada passada e que continuou com o crescendo de forma e maturidade de Mangala e a subida de Maicon para a titularidade graças a uma sequência infeliz de jogos do argentino. Tudo isto são factos e é muito giro falar sobre eles depois dos actos estarem consumados. Mas olhando novamente para a tabela, há algo que me deixa triste: poucos saíram de bem com o clube, os adeptos, depois de declarações agressivas, ameaças, castigos nos treinos e nas convocatórias e um mal-estar geral que se alastrou durante dois ou três anos. E é algo que dura há mais tempo se nos lembrarmos dos casos de Maniche, Costinha, Paulo Assunção, Bruno Alves, Cristián Rodriguez ou Fucile, só para falar nos últimos dez anos.

A saída do argentino é mais um sinal do decaimento dos valores antigos e da forma como os adeptos se ligavam a um jogador como se fosse um amigo com quem tomavam um café de vez em quando. E o principal responsável por tudo isto é o futebol moderno e a baloiçante estratégia mercantilista que tomámos há vários anos, quando começámos a criar a imagem de um clube que compra barato e vende caro e que faz com que todos os jogadores passem a ser conhecidos pelo valor de mercado em vez da inata audácia competitiva dos heróis de azul-e-branco de outrora em captivar os adeptos e atrair o povo para o estádio. Somos actualmente a imagem viva da faceta do futebol mais fria e mais distante da apreciação de um talento e da capacidade humana. Transformámos os nomes em números e estamos a caminhar de uma forma perene para um abismo em que as alegrias que temos enquanto vemos os nomes empalidece perante o assombro de uma meia-dúzia de euros que nunca veremos a não ser na criação de mais um ou dois monstros económicos ao nível da dívida externa de países do terceiro mundo. Otamendi, como vários Otamendis antes dele, saiu por uma porta pequena depois de nos ter dado tanto em tão pouco tempo. Três campeonatos, uma Liga Europa e uma batelada de troféus depois, a saída do argentino deixa mais um vazio, não no centro da defesa onde talvez já tivesse dado o que nos tinha a dar, mas na ligação do adepto com o seu ídolo. Culpa dele? Culpa nossa? Culpa de todos.

Não admira que cada vez haja mais movimentos saudosistas para trazer de volta o brilho nos olhos dos adeptos que ainda gostam de futebol pelo futebol. É que como tantos outros, começo a ficar farto de ser tratado como um número.

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Porque é que concordo com o empréstimo do Castro e concordaria mais se fosse uma venda

Há muitos anos que vemos estas decisões a sucederem-se com frequência, com a consequente reacção recheada do habitual misto de incredulidade e frustração, envolta num belo molho de insultos a tudo o que manda no FC Porto. Quando se dispensa um rapaz da formação, levanta-se um pé-de-vento que não poupa ninguém a não ser o próprio jogador.

Já aqui mencionei o papel de Castro e a importância que poderia ter não só na constituição de um plantel com uma melhor relação emocional com os adeptos, mantendo a “mística” da casa e mostrando que a malta da formação acaba por finalmente ter algum retorno com jogadores a serem inseridos com sucesso no plantel da equipa principal. Falei dele nos B&Bs de 2010/2011, no arranque da época passada quando olhei para os potenciais dispensáveis e no final da temporada nos B&Bs de 2012/2013. Neste último post, escrevi o seguinte:

“Já Castro, o doido Castro, o gondomarense Castro, é “o” nosso puto. Imagem de marca do FC Porto, a luta e o empenho total que coloca em cada lance que disputa fez dele opção perene no banco mas uma utilização bem acima do que talvez fosse esperado no início da temporada. Mais um rapaz que fez uma boa época e que merece continuar no plantel, porque muito embora talvez nunca venha a ser um jogador essencial no onze-base, é um jogador perfeito para transportar a história do clube aos ombros. Resta saber se está disposto a ser utilizado de uma forma intermitente…

É fácil perceber que Castro não seria titular no FC Porto 2013/2014. Com a chegada de vários elementos à zona mais empobrecida do plantel 2012/2013 (o centro do terreno) fazem com que Defour, Josué e Herrera estivessem à frente dele na ordem de escolha teórica do treinador, levando a que a saída de Moutinho não lhe tivesse elevado o perfil. E a sua utilização intensa na pré-época pode até ter servido para Paulo Fonseca confirmar que Castro não é um elemento base para ficar no plantel e o próprio jogador deve ter percebido isso. Só não entendo o porquê da renovação e apenas posso teorizar que não houve propostas de compra aceitáveis para deixarmos sair de vez o rapaz.

Reparemos no trajecto de Castro como sénior:

A azul estão os jogos oficiais que realizou pelo FC Porto, ao todo 34. É um campeonato dos antigos durante sete épocas, com três anos e meio de empréstimo ao Olhanense (dois) e ao Gijón (um ano e meio). Ao longo desse tempo todo, Castro atravessou quatro treinadores no FC Porto, desde Jesualdo a Paulo Fonseca, passando por Villas-Boas e Vítor Pereira. E continua a ser um rapaz lutador, empenhadíssimo, com um espírito de sacrifício intenso e nunca desistindo de um lance que vê que pode disputar. A verdade é que viu montanhas de jogadores passarem à sua frente (Bolatti, Guarín, Ruben Micael, Moutinho ou Defour, para citar alguns), sem nunca conseguir lutar directamente com eles por uma posição como titular, fosse a “seis” ou a “oito”. E é isto que Castro traz ao grupo, um jogador sempre disponível, portista, que reclamou oportunidades para jogar mas nunca conseguiu convencer o seu treinador, fosse ele qual fosse, que tinha valor suficiente para ser titular no FC Porto. E concordo com os treinadores, porque vejo mais em Defour que em Castro, via mais em Moutinho e, ao fim de algum tempo, vi mais em Guarín. Tarde, mas vi.

Tenho pena, acreditem que sim. Mas também quero ver o FC Porto a vencer e quero ter os melhores jogadores nas melhores posições. E Castro, muito à imagem de Paulo Machado, Vieirinha ou Atsu ou vários outros que surgiram em tantos momentos diferentes do nosso passado e que subiram da formação para não conseguirem vincar um lugar no plantel principal, não seria a melhor solução para o lugar. E talvez sejam boas opções para outros clubes, ficando o FC Porto com a compensação económica adequada e a satisfação moral de ter formado um bom homem e bom jogador.

E desejo-lhe toda a sorte, porque acredito que não voltará a vestir de azul-e-branco. Continua humilde, rapaz, trabalha e joga. Fizeste para merecer, só não tiveste a sorte de estar num clube um bocadinho menos forte que te desse a oportunidade de jogar e vingar.

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