Ouve lá ó Mister – Marítimo

Mister Paulo,

Andei a acompanhar a janela de transferências como o resto da malta que gosta da bola e devo dizer que de ano para ano se torna mais fastidioso e menos interessante. Voam tweets, pseudo-notícias, comentários, falácias, rumores, histórias fantásticas e confirmações negadas durante um dia inteiro e um gajo chega ao fim e não tem nada com que entreter a tomateira sem ser a amável mão que a vai coçando. Ao que parece despachámos Marat, Lucho e Vion e ficamos com o resto. Seja. É com estes que vais chegar ao final da temporada, porque parece não haver dúvida que estás a navegar esses mares agitados com sabe-se lá que capacidade prá faina que mostras ter. As unhas são tuas e a guitarra está aí à tua frente, por isso toca, homem, toca!

E hoje, ao que parece, há jogo. E depois de apanhares uma espécie de Marítimo recauchutado no passado fim-de-semana, vais agora levar com toda a força dos ilhéus sem que se perceba muito bem se estás pronto ou não. A “vitória à Porto” de que falaste o sábado pode voltar para te morder no rabo se não conseguirmos ganhar a estes gajos no campo deles. Nunca é fácil ir lá jogar e como o tempo parece que não quer ajudar ninguém, encaro este jogo com alguma desconfiança. Lembra-te que estamos três pontos atrás da mourada e um atrás dos lagartos por isso não se pode perder nem uma pelezinha de contacto com eles. Não vais ter Fernando mas tens o Defour. Não tens Otamendi…mas também já não o ias pôr a jogar e não, certo? Certo.

Manda os gajos esquecer o mercado. O que interessa agora é jogar.

Sou quem sabes,
Jorge

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Ouve lá ó Mister – Setúbal

Mister Paulo,

Que puto de tempo que nos molha o corpo e infecta a alma com o ruído do trovão e a inclemente fúria da chuva persistente! Se o temporal que caiu no Dragão na passada quarta-feira lhe apetecer dar mais um salto a esse tão nobre recinto hoje pelo início da noite, vamos ter um espectáculo daqueles à antiga, dos que me lembro tão bem ter apanhado nas velhinhas Antas, com aguaceiros assassinos, saraivadas agressivas e noites em que só se via a Lua a partir dos topos das montanhas. O Norte é fodido, pá, até nisto.

Mas mais fodido que o Norte é o povo do Norte. Ui, Paulo, que esses, os meus, são piores que uma noite de trovoada e mais incisivos que um par de dentes da frente. E tu, meu caro, não estás a fazer amigos com muita facilidade cá pelo burgo. É verdade que o Presidente te veio defender e que acredita no teu trabalho (óspois falo sobre a entrevista do homem, que ainda não vi nem ouvi por completo), mas até ele vai começar a pensar duas vezes se o futebol não melhorar. Sim, melhorar, porque chegar a um nível condizente com o que a malta está à espera daquelas camisolas azuis-e-brancas…acho que é um pipe-dream, pelo menos este ano. Estou certo? Não achas? Ainda é possível?

Acredito em ti, Paulo. Não tenho tido grandes motivos para isso e tu certamente não me tens dado a moral que precisava para chegar a esse ponto, mas hoje, no início da segunda volta, podes começar a mostrar que estamos no caminho certo. Atrasado, é verdade, mas ainda a tempo de fazer boa figura. Mais ou menos. Ganha lá o jogo, dá uma boa prenda de aniversário ao Lucho e deixa-nos sonhar um bocadinho.

Sou quem sabes,
Jorge

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Ouve lá ó Mister – Benfica

Mister Paulo,

Este é um grande dia para ti, Paulo, tu é que não sabes disso. Imaginas que é um papão enorme que te vai apanhar pelas costas e te vai empalar com um mastro Holmesiano do qual ninguém consegue escapar, muito menos tu. Sinto-te com vontade de jogar esta partida, mas ao mesmo tempo presumo que deves estar com o xixi tão apertadinho que um saltinho no banco faz com que o roupeiro te tenha de ir buscar outras calças. Isto é um clássico e não há maiores que este, pelo menos em Portugal.

Vais entrar em campo com força. Tens de entrar em campo com força, com o espírito bem vincado na vitória e a alma entregue às mãos de qualquer Deus em que acredites e que te dá a garra que eu sei que tens. E é nestes jogos que mostras o que vales, não só nos confrontos de treta contra os Olhanenses desta vida. É nestas batalhas com setenta mil nas bancadas a gritarem pelos seus enquanto insultam os teus, é nestas micro-guerras que os nomes dos treinadores se fazem ou se desfazem. E os rapazes que vais mandar para o campo com um discurso de conquista já sabem ao que vão, pelo menos a grande maioria deles. Muitos sabem o que é ganhar naquele estádio e garanto-te que outros tantos também já de lá saíram vergados pelo peso inconfundível de uma derrota amarga nesse campo. Um clássico é isto, Paulo, é uma luta titânica de gigantescos ogres que se enfrentam e disputam o direito de passarem uns meses a poder cantar os cânticos de um triunfo que conquistaram com o suor do próprio corpo. Fala com o Maicon, ele que marcou o golo aqui há dois anos, naquele 3-2 que nos pôs a todos loucos e que nos entusiasmou até ao final do campeonato. Pergunta ao Helton, que defendeu com a ponta das unhas aquele remate do Cardozo no ano passado, e ele vai-te dizer que este é um dos jogos da tua vida.

E eu, que já me esqueci de mais clássicos que tu alguma vez disputaste, já sei o que vou sentir. Num café, rodeado por amigos todos da mesma cor, vou estar a morder os lábios, a beber uns finos, a tremer com cada posse de bola do inimigo e a erguer-me sempre que ela estiver do nosso lado. Um clássico, Paulo, é isto. São nervos, emoção, angústia, êxtase. E tu, hoje, podes dar-me toda essa panóplia de sentimentos. Para te ser sincero, prefiro o último.

Força, rapaz.

Sou quem sabes,
Jorge

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Balancemos – Q4 2013

Terminando a retrospectiva até porque começa a ser tempo de olhar para a frente em vez de para o passado, aqui fica a última parte do olhar pelo que foi 2013 aqui no Porta 19:

Outubro

É um FC Porto pequeno, sem ideias na construção de jogo e com uma incapacidade assustadora de criar lances de perigo e de manter a bola controlada mais de alguns segundos perante pressão adversária. Perdemos e perdemos bem, com ingenuidades que se pagam muito caro a este nível.

Dói cá dentro, corrói a alma e desanima o corpo, faz-me atravessar sempre um deserto de ideias e uma invulgar incapacidade de olhar para o mundo de uma forma racional que pauta o meu dia-a-dia. É mais doloroso porque me bate a fria percepção que o nosso planeta encolheu para o tamanho de uma uva mirrada, que o nosso destino não passa do provincianismo de ganhar cá dentro, aos rivais de sempre e aos sacos de pancada que compõem a nossa triste Liga.

O Arouca fez o que o FC Porto o deixou fazer (e que foi muito mais do que devia) e vimos mais um episódio da actual subalternização do FC Porto, a baixar o ritmo de tal maneira que se torna difícil terminar o jogo sem um bocejo.

Não posso dizer ao certo, mas creio que um dos sinais do Armagedão acabou de bater à porta. Estou à espera de ver cavaleiros em chamas a cruzar os céus, elefantes cor-de-rosa a saltar delicadamente de nenúfar em alegre nenúfar, sem-abrigos a beber Glenfiddich de ’55 à golada, Elvis em concerto na Casa da Música, unicórnios com crinas bem escovadas e o Rui Gomes da Silva a dar mérito ao FC Porto.

Olho agora para os nossos rapazes de vermelho e verde e não vejo nem metade do talento, do espírito, da capacidade de luta e esforço. Vejo indolência, arrogância competitiva, lentidão na execução e desorganização colectiva que humilha os antecessores. Não vejo uma equipa. Não vejo alma, força, garra, vida. Dependem de Ronaldo como se de um Deus se tratasse, e rezam para que esteja em dia bom para que os outros possam estar em dia normal.

Estás-te a sentir sonolento, meu estupor. As pernas vão-te fraquejar, todo o teu corpo vai tremer e nem sabes o que te passa pela cabeça enquanto sobes os degraus que dão acesso ao relvado. Ao entrar em campo, vai-se-te soltar a bexiga e uma pinguinha de urina vai escorrer pelas tuas pernas abaixo e cair para o relvado. O Danny vai sorrir, esse cabrãozinho, mas não repete a celebração porque tu já lhe amarraste os guizos no balneário e lhe prometeste que o penduravas do telhado do estádio se se voltasse a armar em parvo.

Cheguei a casa destruído. Saí do estádio com a cabeça virada para o pavimento, os olhos firmes no solo à minha frente e uma sensação de quem acabou de receber um remate do Hulk direitinho no estômago depois de comer uma enorme malga de sarrabulho.

Fonseca, põe os gajos a apontar para um poste a cinco metros. Falha, enche vinte e leva uma chibatada do Paulinho Santos. Falha outra vez, enche mais e o Paulinho dá um nó na chibata. Ao fim de três, começam a acertar no meco, garanto-te.

É este o melhor exemplo do quarto poder, o condicionamento de almas e mentes que é tentado continuamente por este tipo de súcia anti-portista (anti-o-que-quer-que-dê-jeito, para ser correcto) que insiste neste tipo de highlightificação do pormenor, esquecendo o pormaior.

Novembro

A transmissão da experiência de vários anos a jogar em campeonatos diferentes, com convívio e partilha de balneários com culturas, raças e passados tão diversos que os transformam numa espécie de cicerone de uma torre de Babel que só existe dentro das cabeças de quem os nomeia.

E não percebo como é que o Nico falha tantos passes, como é que o Alex Sandro não pode com uma gata bébé pela cauda e porque caralho é que o Lucho faz tantas tabelinhas se os colegas não conseguem dominar a bola de primeira. Isso é outra coisa, também não sei porque é que o Licá controla bolas que vem pelo ar como um míssil e depois a cinco metros atrapalha-se como um virgem a meter um preservativo

Lembro-me da elegância de Aloísio, que deslizava pelo relvado à procura do momento certo para o toque perfeito a interceptar um ataque adversário. Era um prazer assistir aos jogos do brasileiro a partir das velhinhas bancadas das Antas, enquanto me sentava no cimento ou em poeirentas cadeiras de um azul que já o tinha sido mas que gradualmente se ia transformando num tom claro, gasto, poído. Vintage, para soar melhor. Bintage, com o sotaque certo.

Continuamos a oferecer lances de golo aos adversários e há uma indolência que raramente vi numa equipa do FC Porto que parece invadir os jogadores e possuí-los de uma forma inacreditável, tornando-os lentos, torpes, sem imaginação, sem vontade de jogar e acima de tudo de ganhar.

Já perdoei tanta coisa aos rapazes que vestem a nossa camisola. Aturava os copos do McCarthy, não ligava à lentidão do Capucho ou às fungadelas do Jardel. Não me chateava muito com o Quaresma que não defendia, o Sapunaru que não atacava, a mesma porra da mesma finta que o Tarik fazia, os remates tortos do Maniche, os passes transviados do Lisandro ou os cabeceamentos falhados do Derlei. Todos estes tinham o seu papel a desempenhar e faziam-no bem, com afinco, com vontade e com garra. O que vejo hoje é diferente.

Dezembro

Começa a ser perigoso para a minha espinha opinar sobre as exibições deste estupor. Talvez tenha sentido na pele o que é esperado dele depois do jogo contra o Nacional, onde jogou ao nível de um caracol bêbado, e despertou para um belo jogo em que lutou que se fartou e saiu, ao contrário do que tinha acontecido nesse jogo, com uma salva de palmas bem merecida.

Há nervosismo a mais, precipitações e excessos de confiança e uma aparente incapacidade de tantos rapazes em parar para pensar, em conseguirem ter a calma de perceber o que podem ou não fazer durante um jogo. Acima de tudo, parece haver uma ridícula quantidade de passes falhados pela tentativa atabalhoada de executar depressa o que nem devagar se consegue. E todos já vimos aqueles mesmos fulanos a fazer tão melhor do que têm vindo a mostrar em campo, o que torna as coisas ainda mais enervantes.

Devemos ser, neste momento e em situações de nervosismo mais elevado, o ataque mais lento e menos perigoso da Europa. A táctica não ajuda e o treinador não parece disposto a alterar a esquematização da equipa em campo, usando apenas um médio recuado em vez dos dois que agora coloca lado a lado.

Ouço Pink Floyd enquanto te escrevo estas palavras. Há tanta pequena coisa que te podia escrever, sobre a qualidade do nosso futebol, a facilidade com que a nossa defesa parece abrir brechas do tamanho das trincheiras dos campos cinzentos de Verdun ou pela ineficácia do nosso ataque, qual nerf gun defensiva apontada ao lombo de um elefante em investida perante o teu indefeso corpo.

Já não sabia o que isto era, para vos ser sincero. Sair do Dragão com quatro golos marcados já parecia uma memória antiga que se ia esfumando enquanto o tempo alegremente passa para mim, como o faz para todos, esse cabrãozinho.

acontece sempre no mesmo caralho do mesmo estádio que agora até tem nome diferente mas onde já devíamos estar habituados a ser assaltados quando lá passamos. E raramente são lances parvos de penalties, que só hoje houve praí quarenta reclamações de mãos e saltos e pinchadelas de verdes para a piscina, porque André Martins e Wilson Eduardo devem gostar mais de lamber cricas do que jogar à bola e andam sempre com os dentes a roçar na relva. Mas ao mesmo tempo, esse mesmo André Martins adooooooooooora dar pontapés nos gémeos dos adversários e safa-se com muita facilidade. Uma palavra também para o próximo trinco da Selecção, que é um jogador muito acima da média mas que hoje devia ter levado um vermelhinho por uma trancada que deu no Varela que só não lhe pôs a perna a sangrar porque não lhe acertou em cheio.

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Ouve lá ó Mister – Olhanense

Mister Paulo,

Ouço Pink Floyd enquanto te escrevo estas palavras. Há tanta pequena coisa que te podia escrever, sobre a qualidade do nosso futebol, a facilidade com que a nossa defesa parece abrir brechas do tamanho das trincheiras dos campos cinzentos de Verdun ou pela ineficácia do nosso ataque, qual nerf gun defensiva apontada ao lombo de um elefante em investida perante o teu indefeso corpo. Não me apetece forçar o pensamento triste, Paulo, a constatação que a época não está a correr como todos desejávamos e a involuntária vontade que todos temos de olhar para o que temos vindo a fazer e perceber que não temos estado à altura do clube que amamos e que tu aceitaste defender desde que assinaste contrato. Não vou alinhar por esse caminho, hoje não vou chorar as nossas tristezas. Ouço a voz do Gilmour e a sibilante melodia que ecoa da guitarra do Waters e descanso, como sempre faço quando os ouço.

E vou para o estádio, a sonhar com tempos melhores. Vou para lá como tantos outros, numa fria noite de sexta-feira em que findo uma semana de trabalho intenso, cansativo, pesado para os olhos e para a mente, e imagino que vou ver um jogaço. Que vou entrar no estádio e verei um equipa de azul-e-branco a brilhar na verde relva que ocupa a zona central do Dragão. Vejo um pseudo-Milan do outro lado. Vejo um Balogun, um Diakhité e um Dionisi e penso que vejo Gullit, Rijkaard e Van Basten a praticar do melhor futebol que os automatismos de Sacchi trouxeram ao mundo. Vejo um ogre de preto e vermelho a ameaçar o nosso destino, mas olho para as nossas cores e imagino-os a triunfar com genialidade, garra, querer, raça. Vejo um Porto à Porto, vejo vitória e audácia. Quero sair do Dragão a ouvir cânticos de glória, um regresso a um passado tão recente em que cantei, gritei, vibrei.

E a voz de Gilmour continua a cantar o Fearless, com a guitarra do Waters em fundo a soar tão bela nos meus ouvidos. E só penso que o último jogo do ano tem de ser em grande. Anda lá, Paulo, ouve comigo, canta comigo e vence para mim.

Sou quem sabes,
Jorge

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