Somos nós que pomos o barro nos pés dos ídolos

Olhando para a lista que está aqui em cima, conseguimos perceber uma coisa: de todos os jogadores que venceram a final Liga Europa há três anos (sim, amigos, só passaram três anos desde Dublin), apenas quatro permanecem no plantel do FC Porto, aos quais se soma Walter que continua a tentar perder peso pelos diversos ginásios brasileiros por onde já passou. Esta equipa, que se pode discutir ter sido uma das melhores da história do clube, foi uma das mais vitoriosas e eficientes, com quatro troféus nessa aparentemente longínqua época de 2010/2011. E os jogadores eram apoiados pelas massas, elevados a heróis pelos adeptos e liderados por um rapaz que chegou, viu e venceu quase tudo que tinha para vencer, com um plantel pouco renovado depois de uma temporada de 2009/2010 onde apenas tínhamos ganho a Taça de Portugal e onde o terceiro lugar no campeonato tinha sido meritório tal a fraca qualidade do futebol de Jesualdo que tinha então perdido dois elementos fundamentais (Lucho e Lisandro) e onde Hulk e Sapunaru atravessaram aquele nada-salomónico castigo depois das ridículas peripécias do túnel da Luz.

Deste grupo, Nico Otamendi foi o último a sair e Fernando esteve, ao que consta, bastante perto de embrulhar a carreira que o fez subir a pulso pela mão de Jesualdo, evoluir com Villas-Boas, estabelecer-se como incontestável sob Vitor Pereira e continuando assim com Paulo Fonseca, apesar da estratégia não o favorecer desde o início da temporada. Já Otamendi vinha numa espiral descendente que começou no início da temporada passada e que continuou com o crescendo de forma e maturidade de Mangala e a subida de Maicon para a titularidade graças a uma sequência infeliz de jogos do argentino. Tudo isto são factos e é muito giro falar sobre eles depois dos actos estarem consumados. Mas olhando novamente para a tabela, há algo que me deixa triste: poucos saíram de bem com o clube, os adeptos, depois de declarações agressivas, ameaças, castigos nos treinos e nas convocatórias e um mal-estar geral que se alastrou durante dois ou três anos. E é algo que dura há mais tempo se nos lembrarmos dos casos de Maniche, Costinha, Paulo Assunção, Bruno Alves, Cristián Rodriguez ou Fucile, só para falar nos últimos dez anos.

A saída do argentino é mais um sinal do decaimento dos valores antigos e da forma como os adeptos se ligavam a um jogador como se fosse um amigo com quem tomavam um café de vez em quando. E o principal responsável por tudo isto é o futebol moderno e a baloiçante estratégia mercantilista que tomámos há vários anos, quando começámos a criar a imagem de um clube que compra barato e vende caro e que faz com que todos os jogadores passem a ser conhecidos pelo valor de mercado em vez da inata audácia competitiva dos heróis de azul-e-branco de outrora em captivar os adeptos e atrair o povo para o estádio. Somos actualmente a imagem viva da faceta do futebol mais fria e mais distante da apreciação de um talento e da capacidade humana. Transformámos os nomes em números e estamos a caminhar de uma forma perene para um abismo em que as alegrias que temos enquanto vemos os nomes empalidece perante o assombro de uma meia-dúzia de euros que nunca veremos a não ser na criação de mais um ou dois monstros económicos ao nível da dívida externa de países do terceiro mundo. Otamendi, como vários Otamendis antes dele, saiu por uma porta pequena depois de nos ter dado tanto em tão pouco tempo. Três campeonatos, uma Liga Europa e uma batelada de troféus depois, a saída do argentino deixa mais um vazio, não no centro da defesa onde talvez já tivesse dado o que nos tinha a dar, mas na ligação do adepto com o seu ídolo. Culpa dele? Culpa nossa? Culpa de todos.

Não admira que cada vez haja mais movimentos saudosistas para trazer de volta o brilho nos olhos dos adeptos que ainda gostam de futebol pelo futebol. É que como tantos outros, começo a ficar farto de ser tratado como um número.

10 comentários

  1. Clap! Clap! Clap!

    Acho que acabaste de antecipar um texto que tenho para publicar, mas ainda assim, vou para diante e :

    Clap! Clap! Clap!

    You took the words right out of my fingers!

  2. mais um belíssimo post! mesmo assim gosto de pensar que não só muitos dos jogadores na lista lá acima não apenas ficaram no coração dos adeptos (evidentemente Falcao, Moutinho, Hulk, mas quem dos que estiveram no estádio podia esquecer-se de Guarín e Belluschi nos cincazero…) como também o clube deixou uma marca fortíssima nos jogadores. foi visível no Hulk nos dois jogos contra nós esta época (aquele penalty tão mal marcado!), e se assim não fosse o Falcao também não vinha iniciar a recuperação aqui (já para não mencionar o Lucho).

    mas não sei se a contratação de jogadores como o Josué e o Licá não vem nesse sentido, de injectar uma dose extra de ligação dos adeptos com o clube nos próximos anos (talvez com um Castro com mais experiência de volta).

    acho que globalmente, apesar do funcionamento do clube nos últimos anos, ainda temos conseguido uma identificação relativamente forte no triângulo clube-jogadores-adeptos em comparação com outros emblemas. mas claro que já não é como dantes…

  3. Belo texto Jorge….
    Não sinto essas tuas dores azuis e brancas mas percebo muito bem o que queres dizer..e de facto, há muitas diferenças no teu clube face a um passado recente. Sinais dos tempos? Evolução? Mudanças em função de uma presidência que não vai durar para sempre? Vocês lá saberão…
    É este respeito pelo jogo (e pelo teu clube) que me faz passar por aqui com muita frequência.

    abraço, M.

    ps: a malta de st.james park este fds no playground do Mourinho super motivado…vai correr mal….:)

  4. Muito bom Jorge,

    O futebol moderno deixou de ser sobre as pessoas para passar a ser sobre o dinheiro. Não há nada que possamos fazer sobre isso. Mas há clubes que têm um historial humano importante que não devia ser desperdiçado de forma tão abrupta. Clubes como o nosso.

    Claro que o FCP sempre teve casos de rebeldes que forçaram a saída, muito antes até dos Dorivas e Zahovics. Mas, essencialmente, era um clube que procurava oferecer o melhor aos jogadores quando chegavam e quando iam. E os adeptos reconheciam essa relação e sabiam aplaudir um Drulovic, um Jardel, um Licha ou um Anderson se nos voltavamos a cruzar com eles no futuro. Havia gratidão de parte a parte.

    Lamentavelmente a gratidão foi uma palavra que desapareceu do vocabulário da FCP SAD. Hoje o clube quer apenas saber de margens de negócio. Não lhe importa o jogador. Força a mudança de empresários, procura canalizar os jogadores para mercados paralelos com dinheiro fresco sem preocupar-se minimamente se é para aí que o jogador quer ir e, sobretudo, força uma situação de conflito jogador-adepto para capitalizar a sua resolução. Hoje o seguidor do FCP alegra-se que o central que estava em Dublin vá embora e deseja-la o pior porque durante meio ano a SAD fez de tudo – a começar pelo treinador – para deixar o jogador exposto aos (também seus) erros. E não é a primeira vez. E por isso é que os Guarin, Belluschi, Alvaros, Fuciles, Otamendi, Fernandos querem sair. Não é só pelo dinheiro que vão ganhar. É, também, pela sensação de que foram enganados. De que o discurso de quem manda muda no momento em que aparece uma nova oportunidade de negócios, um novo Reyes, um novo Herera, e é preciso fazer espaço no plantel.

    Com isto, o FC Porto perdeu dinheiro. Desvalorizou activos para re-investir directamente em jogadores cada vez mais caros. Mas pior. Perdeu imagem. Hoje, na América Latina, os futebolistas já sabem que o Dragão não é um mundo de rosas. Que há um mercantilismo lixado que lhes pode levar a pensar que estão mais relaxados noutros lados, noutros clubes ou noutras ligas. E o adepto, que já perdeu, por culpa da politica do clube, a relação emocional com os jogadores, perderá também a hipótese de ver bons futebolistas porque alguém na sua cadeira de sonho só vê cifrões.

  5. Gosto muito da forma como o Jorge escreve; já disse isso muitas vezes e por isso o Porta é o primeiro blogue que procuro…
    Apesar da bela escrita, não concordo, neste caso, com o teor…
    este mercantilismo foi exatamente o que nos proporcionou podermos ter algumas conquistas depois que as equipes dos madgerfutresjoãopinto se irem para sempre…
    que jogador sul-americano, podendo ir para Madrid, vem para o Porto?
    parece que não ouvem os jogadores quando vêm para cá… “para dar o salto para um clube grande da europa”…
    é essa a sua única vontade.e dos seus agentes, que só querem receber as percentagens de mais uma transferência…
    o clube apenas aproveita para seu ganho, a truculência do mercado das transferências… dá jeito aos grandes da europa receberem já os jogadores “europeizados”… dá até muito jeito, e apesar de tudo, até fica mais barato…a compra é apenas do que já se vê…
    decaimento de valores antigos por parte da direção ??
    quais valores? ? – não, nunca os houve.
    havia era uma outra forma dos jogadores estarem na vida e no futebol…

    ( o erro verdadeiro do porto foi ter deixado escapar o Libras Boas. – custasse o que custasse, pagavam-lhe o que os outros pagariam. aquela era a hora de começarmos a ser o tal clube grande.
    para que os jogadores viessem para cá, porque sim…
    neste país de futebol mentecapto em que as equipes preferem por jogadores a rematar bolas de trapos dentro de batatais ou pararem autocarros nos relvados, ser grande é demasiado difícil. só a europa tal nos permitiria. para isso tinha de haver um projeto com cadeira de sonho…
    mas essa foi-se….
    só nos resta formar e vender; formar e vender … de preferência por gente capaz., mas isso é outra história)

    1. “quais valores? ? – não, nunca os houve.
      havia era uma outra forma dos jogadores estarem na vida e no futebol…”

      e eu não posso agora ser saudosista e aspirar a que se recuperem um pouco desses valores que se perderam? ou temos todos de ver notícias sobre o Bieber e desatar a babar pelo infortúnio colectivo que aparentemente partilhamos? carago, haja esperança! :)

      abraço e obrigado pelas simpáticas palavras,
      Jorge

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