Ponto de situação – treinador

Está a ser uma semana difícil. Começou mal, com a trombeta da desgraça a soar bem alto e a salvação a aparecer nos pés de um jogador emprestado pelo Benfica, e terminou em Chipre, ilha dividida (como foi exaustiva e cansativamente anunciado como novidade pelos jornalistas da RTP) que nos dividiu ainda mais.

Não sou um portista muito antigo. Tenho 32 anos e apenas sou sócio há vinte. Passei por poucos momentos turbulentos quando me comparo com a malta da travessia de dezanove anos no deserto até o salvador Pedroto aparecer com o cajado por detrás do metafórico Sinai e a liderar o povo para longe da servidão. Mas atravessei algumas épocas de seca, entre o penta e Mourinho e depois do Zé (outro Zé, mas sem boné) sair, passando pela devassidão da época tri-partida e chegando ao último ano de Jesualdo. Passei de um futebol aborrecido mas vitorioso com Carlos Alberto Silva, segui com o entusiasmo ofensivo de Robson, a fleuma organizacional de Oliveira, o tédio de Fernando Santos, o exagero defensivo de Ivic e Octávio, a tranquilidade de Mourinho, o desespero de Couceiro, a loucura de Adriaanse, o tacto de Jesualdo e a dinâmica de Villas-Boas. E poucas alturas houve em que, olhando para um campo com onze jogadores de azul-e-branco (ou amarelo, ou laranja, ou ciano, ou violeta), tivesse ficado genuinamente desiludido com o que via. Porque nos piores momentos, nas fases mais negras da qualidade do nosso futebol, sempre se via algum lampejo de luta, alguma tentativa de mudar o que estava a ser feito para que deixasse de acontecer. Lembro-me de um miserável jogo contra o Artmedia em que os jogadores lutaram mas foram incapazes de se organizar; uma desesperada luta contra as forças do mal Manchesteriano onde tudo o que podia correr mal assim correu; um enervante jogo contra o Famalicão onde ao fim de cinquenta remates a bola não quis entrar. Passei por tantos desses jogos…e nenhum foi tão mau como o de terça-feira. E nunca desisti, nem vai ser agora que o vou fazer. Hell, no!

Vitor Pereira, o erro de casting que muitos chamam, aproveitando para ir agora buscar, numa atitude que tem tanto de lusitana como de cínica e oportunista, todos os erros que nunca apontariam se mesmo com derrotas houvesse uma imagem de luta e esforço, esse mesmo Vitor Pereira está a desiludir. Não só por algumas decisões em jogo, por algumas substituições falhadas ou pela incapacidade de colocar a equipa a jogar bom futebol, mas acima de tudo porque está a perder os adeptos pelo mesmo sítio onde Villas-Boas os conquistou: no discurso. É difícil colocar uma equipa de gente fraca a jogar bem. É mais fácil, dir-me-ão, pegar num grupo talentoso e fazer o mesmo. Pois o que temos visto nos últimos jogos é inegavelmente o desmoronar da imagem de um grupo de jogadores que chegou ao zénite do que podia fazer no ano passado à custa de trabalho, esforço, luta e empenho. Tudo o que deixámos de ver este ano e que servia para intimidar os nossos adversários antes mesmo da partida ter início, foi transformado em medo, lamento, infortúnio e desespero. Olhar para o nosso plantel, com a qualidade que ninguém pode negar que existe em quase todos os jogadores, e vê-los cabisbaixos, a perder luta atrás de luta contra jogadores com menos inspiração mas muito mais transpiração, é algo que me preocupa e deve preocupar todos os portistas. E apesar de Vitor Pereira ter a sua quota parte de responsabilidade, muito tem de ser atirado para o peito dos próprios jogadores, que parecem atirar com os braços para o chão à mínima dificuldade e não parecem ter o mesmo espírito que no ano passado nos enfeitiçaram. E Vitor, nos momentos mais importantes onde os adeptos precisam de ouvir o ruído do pai a entrar em casa quando o filho está à procura das bolachas que sabe não poder comer, está a falhar. Por muito que possa respeitar o trabalho nos treinos, a honestidade das opções e da orientação, é preciso mais. É preciso um discurso forte para dentro e também para fora, porque as falhas que se vão notando são exponenciadas quando as palavras são secas, sem alma, sem vida. Vitor Pereira não é Villas-Boas nem tão pouco Mourinho, mas não precisa de ser Fernando Santos.

Houve erros na organização da nova época? Talvez. Hubris em excesso? É possível. Apostas em falso? Provavelmente. Mas olhar para os factos depois deles terem acontecido é um exercício fútil e que só enobrece quem se acha bom antes de o provar. E eu, que sempre dei o benefício da dúvida a novos treinadores (como fiz com Del Neri, Jesualdo ou Villas-Boas), estou a perder a paciência com o nosso Vitor. E não achando que uma mudança de treinador a meio da época, com todas as cambiantes que acarreta, pode trazer algo de bom para a equipa, estou certo que esta linha é uma trajectória descendente da qual poucas ou nenhumas hipóteses haverá de salvação. Mas não desisto, nem nenhum portista o deve fazer. Porque é nos momentos maus que o espírito de luta deve vir ao de cima, é nestes momentos em que exigimos tanto dos nossos jogadores que temos nós próprios de dar a cara pelo clube e apoiar os nossos. Criticando, mas construindo. Apontando as falhas, para que sejam corrigidas, mas pensar em evoluir. Se os sócios estiverem dispostos a baixar os braços e deixar de ir ao Dragão, como tenho visto, ou insistir nas assobiadelas gerais ao primeiro sinal de pernas fracas, a moral que está tão em baixo lá permanecerá.

Tenho fé num futuro melhor. Acredito naqueles rapazes que compõem o nosso plantel porque já os vi a fazer tanta coisa bonita e só posso esperar que voltem a fazê-lo. Mas algo vindo de cima tem de mudar para que tal aconteça e há cada vez menos tempo útil.

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