A camisola de 1921/22

1921-1922CP

Fui às compras no fim-de-semana. Tinha de ser. A cachopa cresce como musgo no lado norte de uma árvore e o que um dia parece grande acaba por deixar de lhe servir na semana seguinte e temo que a miúda, a este ritmo, consiga ganhar bolas de cabeça ao Maicon quando ainda não conseguir pronunciar os “éles” em condições. Assim sendo, dei um salto ao Corte Inglês (à tuga, porque essa merda de dizer inglés não me assenta bem), esgotadas que estavam os gostos e disponibilidades noutras lojas. Enquanto comprava um par de sapatos e me esforçava para me manter calmo enquanto a rapariga tentava diligentemente desfazer todo o trabalho de preparação visual dos items à venda por parte dos logistas, colocando sapatilhas em linha, puxando casacos dos expositores e arrancando meias dos manequins, ia pensando: “ainda não sei onde é a loja do FC Porto aqui neste tasco, tenho de a descobrir”. E lá descobri, a caminho da viatura, escondida por detrás de cinquenta mil maravilhosamente caros pedaços de nada, entre frasquinhos de perfume para gatos e lápis de cera com cores imaginárias (fuschia claro não é uma cor, não me fodam, ou é cor-de-rosa-Warrior ou não conta), com alguns cabides e uma banquinha para os funcionários.

Pus-me a ver o que havia e rapidamente descobri: as camisolas vintage que se vendem no Museu e que também ali havia, timidamente expostas numa zona lateral. Ao lado das novas, cheias de tecnologia e anti-perspirantes e pequenos saquinhos de morfina para as dores e sei lá o que raio mais conseguem enfiar em trezentas gramas de poliéster, havia réplicas de boa qualidade em algodão grosso à antiga, com detalhes curiosos e uma nostalgia quase palpável. Não hesitei, afinal já andava há algum tempo para adicionar uma à minha colecção (que continua simpática actualmente nas trinta e cinco vestimentas do meu clube) e escolhi a de 1921/22, que marcou a primeira vitória do FC Porto no recém-formado Campeonato de Portugal, que nos deu o primeiro título oficial a nível nacional. Tê-la nas mãos, segurar aquele pedaço de algodão que tão pouco tem de autêntico para lá do selo que o reserva como produto oficial mas que aparece quase cem anos depois de o ser, foi um momento quase sagrado, de homenagem, de vivência portista e de orgulho. Imagino-me no Campo da Constituição, a roçar-me na lama com os contactos físicos do foot-ball que era tão diferente e ao mesmo tempo tão similar. Gritava para os meus colegas, corria alegre a pedir a bola, deslizava feliz com um sorriso enorme por estar na mesma arena que imortais, perto dos Deuses sem q…até a pirralha chegar perto de mim e perguntar: “papá, tashacumpáracamijola?” e a magia transformou-se.

No fundo são estas pequenas coisas que fazem de um adepto de um clube alguém diferente dos outros mortais que acham que o futebol se reduz a correria e fotos no instagram. São estes pequeníssimos prazeres, estas memórias que não temos mas que aparecem naturalmente na nossa alma e que nos deixam felizes sem sabermos muito bem porquê.

NOTA: para lerem mais sobre esta primeira vitória, façam o favor de dar um saltinho à página do Paulo Bizarro, aqui. Garanto que não vão dar o tempo por mal empregue. Com ele raramente aconteceria, garanto.

10 comentários

  1. Na manhã seguinte à hecatombe de Munique, poucas horas depois de lá regressar e descansar os ossos, tive um impulso incontrolável, como se um hacker tivesse tomado conta do meu consciente, que me levou à loja azul do Dragão.

    Um bom bocado cá fora, a carpir em silêncio os desabafos de outros hackados, e uma camisola 21/22 para embrulhar.

    À saída, lembro-me de olhar para trás, respirar fundo e pensar “Ok… espírito assossegado, fé renovada. Vamos à vida que a morte é certa!”

    “I can see clearly now the rain has gone…”

    (obviamente que ainda hoje o melão me acompanha, mas naquele momento fiquei em paz com o CLUBE)

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