Olá, o meu nome é Jorge e vivo com uma benfiquista

Sei que soa como uma introdução a um grupo de reuniões de “anónimos”, desde viciados em jogo a alcoólicos, passando por dildoólicos ou fãs-do-Michael-Bolton. Estes últimos recomendam-se que permaneçam anónimos por razões óbvias. Mas é a mais pura verdade. Vivo na mesma casa com a minha mulher (ia dizer “companheira” mas soa-me demasiadamente frio e “implicitamente unida de facto” ainda mais absurdo, por isso desta vez opto pela white lie) e como deve ser fácil de perceber, o ambiente que rodeia um Benfica vs FC Porto é electrizante.

Entendemo-nos muito bem, eu e a minha concubina. Há carinho, empatia, interesses similares e álcool, tudo que é necessário para uma relação funcionar. Até quando falamos de futebol, desporto que ela aprecia particularmente, não ao ponto de parar para ver um Osasuna-Bétis mas quando joga o Benfica lá está ela em frente à televisão para apoiar os seus rapazes, como deve ser. É adepta, vibra e grita com o orgulho natural de uma fã de um clube grande e admiro-a por isso. Já não é a primeira vez que reclama comigo: “Olha, hoje os nossos vizinhos são do Setúbal desde pequeninos, da maneira que celebram as jogadas dos gajos!”, quando o Benfica joga contra os sadinos. Era giro, se não fosse tão verdadeiro. Ainda a tentei evangelizar uma vez e levei-a ao Dragão para ver um jogo, pensando eu que a imponência das bancadas pudesse fazer com que abdicasse dos seus princípios. Nada feito. Ainda por cima enfiámos 5-1 no lombo da Académica e ela nunca mais quis ouvir falar nisso. Só vai ao estádio ver a Selecção e ponto final. Dá azar, diz ela. Pois.

Em dias de Clássico jogado na Invicta, as opções são limitadas para mim e totalmente abertas para ela. Eu estou no Dragão a não ser que tenha sido atropelado por quarenta búfalos drogados com anfetaminas. Ela…faz o que quiser. Fica em casa, convida os amigos, a família, os vizinhos, não me preocupa. Mas quando movemos o local do jogo uns trezentos kms para sul…a coisa é mais difícil de resolver. Porque ambos queremos ver o mesmo jogo e apesar dela ser bem mais racional que eu, aqui o menino já sabe do que a casa gasta e quando um gajo se enerva numa partida destas – note-se o uso da expressão “quando”, não “se” – o mais provável é dizer coisas que na altura saem da boca para fora e depois o arrependimento vem sempre tarde demais e está o caldo entornado para uns largos dias.

Então até o ano passado tinha uma regra: não víamos Benficas vs Portos juntos. Saía eu ou saía ela, mas era uma missão para manter a estabilidade emocional do casal intacta. Quando regressávamos ao conforto do lar, a conversa era animada mas sem alfinetadas para lá do normal, um a relembrar os lances, outro (com o dedo firmemente apontado para mim) a queixar-se da arbitragem e os dois a rir do Sporting. Empatia, como disse.

Em 2010/11 quebrei essa regra por duas vezes. Duas vezes fomos à Luz, duas vezes vi o jogo aqui neste mesmo sofá onde escrevo este texto. E fi-lo por dois motivos radicalmente diferentes decorrentes do mesmo estado de espírito: em ambos os jogos a pressão estava do lado deles. Se não ganhássemos o jogo do campeonato, tinha a certeza que mais semana menos semana o título era nosso. Na taça, a derrota no Dragão deixou-me de tal maneira convencido que não tínhamos hipótese de nos qualificarmos para a final que não me preocupava muito se perdêssemos e para além disso o que me interessava mesmo era a final de Dublin porque o campeonato já cá cantava. Duas vezes fomos à Luz, duas vezes saímos de lá vencedores. E eu aqui em casa, todo contente, mas a ver o olhar deprimido da rapariga, a lamentar Maxis, Aimares e Cardozos, com a tristeza imensa de quem vê um dos rivais a ganhar nos próprios domínios. Já por lá passei e sei o que custa.

Este ano vou voltar à regra. Verei o jogo fora de casa, rodeado de portistas. Estaria bem em casa porque com ela estou sempre bem, mas desta vez sinto que estarei mais à vontade sem ter de limitar a linguagem e o volume. Porque algo me diz que vou precisar da minha voz e de todo o vernáculo nortenho que me vier à cabeça. Para o bem ou para o mal. Amén.

20 comentários

  1. Olha a minha companheira estranhamente me disse: vai ver o jogo com os teus amigos… No fundo acho que ela não me quer ver a gritar para a televisão, o último que vimos juntos deu empate e tínhamos ido jantar fora e eu nem consegui comer nada de jeito.. ehehe…

    Abraço.

  2. Muito bem Jorge… é uma “agonia” que muitos de nós temos de passar.

    Aqui nos Algarves, onde os vermelhos são mais que um enxame de gafanhotos vindo das pragas da bíblia, difícil é encontrar uma que não seja vermelha.

    Como tal a minha esposa (vide, white lie aswell), também é Benfiquista, mas muito menos interessada e ferrenha que a tua, mas sei bem o que é a contenção verbal e a opção de ver os estes jogos sozinho, para o caldo não entornar.

    Mas que nesta Sexta, que sejam elas a lamentar e a andarem de cabis baixo ;)

  3. Caro Jorge,

    Cada um tem o seu karma e o Jorge sabe bem qual é o seu, deixe lá, há bem piores… nada há nada como ser PORTO que na história deu o nome a Portugal e isso por mais que eles queiram têm de aceitar

  4. olá Jorge…como te percebo, as semelhanças são tão parecidas que já me fartei de rir e irei, de certeza logo à noite, mostrar teu blog e escrita à parceira….

    só que, bem ao contrário!

    Tens para aqui uma série de pérolas…
    A da evangelização, logo essa, em que levei mulher à Luz pela única vez e meu Benfica levou 3 secos da….Académica!

    Por norma, jogo na Luz é na Luz, jogos fora…são fora de casa…pacífico, cada um para seu lado..
    Benfica vs Porto..
    cada um para seu lado,está decidido, até porque, 3 únicas vezes em que se partilhou jogo na tv, vi em Infesta, em casa recheada de portistas, o 3-2 no Dragão (acho que os festejos do 2-2 pelo NGomes, após ter chegado a 2-0, se voltaram para mim com o 3-2 mesmo no fim a dobrar, e eles eram mesmos muitos lá em casa, lol), vi o 5-0 numa casa recheada de Benfiquistas e isto de um gajo andar a controlar azias alheias pós-jogo em prol da mulher não tem piada nenhuma…valeu o 3-0 da taça da liga pelo menos…mas isto de um gajo andar a controlar nosso vernáculo quando a batata entra lá dentro para não ofender a mulher também não tem piada…

    e sim, a malta ri-se à brava em conjunto por causa do Sporting…

    abraço, M.

    ps:tic-tac, tic-tac, nunca mais chega a hora de vestir a camisola vermelha com o 10 do Aimar nas costas e arrancar para a minha porta 13…

  5. Viva, Jorge! :)

    Eu sou o inverso, ou melhor, vivi durante anos a fio com o meu um benfiquista de 7 costados, o meu pai! :)

    Mas apesar de benfiquista, o meu pai é adepto de futebol e foi por causa dele que me tornei portista com todo o coracao ( hoje em dia ainda se martiriza onde falhou na minha educacao clubistica).
    O meu pai comprou a primeira televisão a cores de proposito para ver a final de Viena, e eu assisti ao jogo com 5 anos ao lado dele e simplesmente apaixonei-me pelo clube! E o meu pai, apesar de ser um benfiquista que chora pelo seu clube, vibrou nesse dia! vibrou pela conquista do Porto! vibrou pelo que significava para Portugal! Vibrou pelo Futebol !

    Mas nos clássicos, amigos/amigos , negócios á parte! :) Usamos vernáculo, mandamos bitaites, discutimos a táctica, futebol pelo futebol, com paixão (sem árbitros, sem tontices)! Uma cerveja por cada golo do respectivo clube ( no 5-0 deixou-me mossa) !

    Agora já nao vivemos juntos e vou sempre que posso apoiar o mágico Porto á Luz ( o meu pai so nao vai comigo por impossibilidade geográfica, mas estamos sempre a dizer, que um veremos um clássico juntos no estádio, seja Luz, seja Dragao)!

    Amanha lá estarei na Luz para mais um classico! E irei pela primeira vez para o meio dos adeptos do Porto ! Irei pela primeira vez poder festejar e gritar um golo do Porto ! :) Só espero que os Super Dragões não sejam como os mentecaptos da Juve Leo e nao decidam fazer barbecue na “jaula” que por uma vez, vejam um jogo de forma pacifica, so a cantar,a apoiar como têm feito, sem atirar cadeiras, isqueiros e telemóveis, porque ha adeptos normais no meio deles.

  6. Tenho em minha casa um sportinguista. É o meu filho! Tambem por ele levei-o ao Bessa no ano em que foram campeões com o Boloni, comprei-lhe um cachecol leonino e ri-me á brava com os gajos da Juve Leo, que parecem mauzões, mas não passam de betinhos…
    Quando um clube nos toca, não há volta a dar, apesar de o ter levado algumas vezes ás Antas…

  7. Fogo… Já comigo, acontece que a minha esposa nem ligava nada ao desporto, mas depois começou até a querer saber o resultado do Porto para me dizer logo, quando eu não posso acompanhar.

  8. 1. Pois cá em casa só podem ser,
    a) FCP
    b) Vila Real
    c) Barcelona;

    quem não estiver bem que se mude…

    2. E não há uma foto da mulher do Jorge, para vermos se é absolvida por ser adepta daquela gente???

  9. Grande Jorge!

    Um beijo para a tua K e um abraço para ti.

    E que possas lamber uma lágrima amanhã, como diz o grande Jorge Palma.

    Do regato à nascente, que é como quem diz da Luz ao Dragão. Amanhã não fales de amor não…

  10. Sou de Lisboa e fui ao Estádio da Luz pela 1a vez com uns 6 ou 7 anos. O meu pai, professor de educação fisica toda a vida, levou-me tambem a Alvalade. E ao Restelo. E não fui só ao futebol. Fui ao Andebol, ao Basket e ao Hóquei.
    Apesar de ter Pai Benfiquista (moderado), tive claramente opção de escolha. Escolhi o Sport Lisboa e Benfica.
    Vi o Vata a levar-nos a uma das muitas finais europeias, vi o Luisão a eliminar o campeao europeu, vi um jogo de consagraçao de campeao contra o Guimaraes com 120.000 pax nas bancadas…
    Tambem estive lá quando o Edmilson marcou 2 golos que deram um 0-5 e na epoca passada em que oferecemos um titulo ao FCP, com a respectiva Taça “a cavalo”.
    Já vi, portanto, vários acontecimentos na Luz. Nem um dos maus momentos me tornou menos Benfiquista. Diria até o contrario. São os maus momentos, as derrotas duras, em que existe um sentimento colectivo semelhante ao que sentiram os passageiros do Titanic quando aquela merda se decidiu colocar na posição vertical, que me faz acreditar que o que vem a seguir só pode ser melhor e mais condigno com o clube que escolhi, ainda miudo.
    O facto destes maus momentos não terem nunca abalado o meu Benfiquismo, faz com que encare estes jogos com relativa (repito relativa) tranquilidade: Se ganhar fico com felicidade prá troca para todo o fim de semana. Se perder… bebo mais uma. E espreito o calendario para saber quando é o proximo jogo na minha 2a casa. Fácil.

    Tenho algum receio do jogo ser demasiado tactico, porque ambas as equipas têm muito a perder, mas independentemente disso, espero que os jogadores se comportem, que nao se dê pelo arbitro e que ganhe o melhor.

    Abraço

  11. Olá, o meu nome é Joana e vivo com um portista ultra fanático!

    Jorge, é incrível como o teu post espelha o que se passa em minha casa… mas ao contrário! Sou benfiquista ferrenha, admito, e carrego uma cruz demasiado pesada: o meu mais que tudo é do FCP…

    Mas não é daqueles que manda uma posta de pescada de vez em quando e vê os jogos sossegado; não, ele faz questão de me por os cabelos em pé sempre o seu clube joga. Grita, vocifera e gesticula de tal forma que temo vir a ser motivo de discussão na próxima reunião de condomínio. Papa todos os programas de análise e debate futebolístico, TODOS! Vai ao Dragão sempre que pode, anda a pé quilómetros até chegar ao metro. Dias de clássico então são um autêntico terror: tudo começa uns dias antes, em que ele faz questão de enaltecer as grandes virtudes do FCP, o Lucho, James, Hulk e companhia, o “pai” Pinto da Costa aka Querido Líder (sim, como o falecido! Já mencionei que ele quer chamar Jorge Nuno ao primeiro filho? Não? Agora já não há dúvidas acerca do fanatismo do rapaz, pois não?), e recordar-me a toda a hora que o meu Benfica é um clube de 5ª categoria.

    No próprio dia do clássico tento relevar todas as picardias, piadolas e bitaites sobre o Benfica, mas é EXASPERANTE. O rapaz não se cala um segundo! Ainda não percebeu que eu não vou mudar de clube, está difícil!

    Tenho ainda a “infelicidade” de ver os clássicos juntamente com um “gang” de portistas. Vivo no Porto e, portanto, tenho que me sujeitar. É que nem um escapa! Ainda assim, melhor do que ver os jogos sozinha, assim não tem piada. O pior é quando as coisas correm mal para o meu lado (o que tem sido frequente, infelizmente): o meu rico noivo enche-me os ouvidos de treta portista, canta musiquinhas feitas pelo próprio em homenagem aos jogadores, atira-me o cachecol para cima dos ombros, enfim, não me deixa curtir a tristeza em paz.

    Agora, quando o FCP perde… bem, o rapaz fica de trombeta uma semana seguida até ao próximo jogo! Nem pia! Fica um ambiente de cortar à faca!!!

    Ainda me lembro do dia em que ele me disse que torcia pelo FCP. Deitei logo as mãos à cabeça. Mas que azar! Longe ainda estava eu de imaginar as proporções que isto iria tomar. Fanatismo puro.

    O nosso único ponto em comum, em termos futebolísticos, é sem dúvida o Sporting. Por mais graves que sejam as crises do meu amado Benfica, tenho sempre o Sporting para me consolar.

    O rapaz gosta do Porta 19 (eu chamo-lhe 65, por que será?) e eu já me habituei a vir cuscar os Baías e os Baronis. Gosto sobretudo dos dias em que só há Baronis ahahah!

    Daqui mando um beijinho de solidariedade à tua mulher. Não a conheço mas já gosto muito dela :)

    Joana

    1. os meus parabéns por aturares o teu rapaz, que apesar de ser um privilegiado por apoiar o clube que apoia, não precisava de te aborrecer a mona com as vitórias. mas cada qual vive o clube como gosta, desde que o sofá seja confortável, am i right? ;)

      a minha mulher lá me vai aturando. sou menos belicoso, admito, mas o sorrisinho de contentamento desde 6a feira não falha. enfim, por agora sou eu que estou na mó de cima…nunca se sabe até quando é que dura! e ela quando ler este teu longo e excelente comentário vai de certeza sentir empatia com a solidariedade que lhe transmites.

      Jorge

      PS: posts só com Baronis…espero que tenham ficado no passado ;)
      PS2: “Jorge” é um excelente nome para um filho!!! O “Nuno”, já é opcional…

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