A minha pirâmide de apoios

Desde que comecei a ver futebol, as minhas paixões foram sendo construídas a partir de uma base neutra. Tábua rasa, pura, como um lago de água límpida. Fiquei portista depois de ser português e a partir daí foi com naturalidade que surgiram outros amores no mundo da bola. O Newcastle foi um deles, pelo estatuto de herói que conferia a um certo Peter Beardsley e Alan Shearer, que arrancaram a minha adolescência e a devoção pelo Championship Manager. Seguiu-se Asprilla, Ginola, Solano e tantos outros, até que quando Sir Bobby se juntou ao Toon Army a vida parecia fazer sentido e a afeição pelo clube cresceu ao ponto de chegar a ver os jogos dos “geordies” quando estavam na segunda divisão. E se alguém acha que estou a inventar só porque defrontaram o Benfica e pensa que esta súbita declaração surge de ódios e desamores, pode ver os posts que já escrevi sobre o clube. Não foram muitos, mas creio que chegam. O Barça veio mais tarde, com as ligações que inferia terem com o FC Porto, aditivadas pelo brilho de Stoichkov, Romário, Guardiola e tantos outros. E mais uma vez aqui estão os posts sobre o Barcelona. E durante esses tumultuosos tempos de crescimento físico e mental, mantinha-me fiel ao princípio que advogava desde sempre: apoio os lusos acima de qualquer outro.

Os tempos mudam e com eles, mudam as pessoas. E foi também com naturalidade que, não me mantendo alheio à mudança, desenvolvi o meu gosto próprio, privilegiando os amores pessoais ao bacoquismo serôdio do amor à pátria “no matter what”. E assim, exibo a minha pirâmide bidimensional (há quem lhe chame triângulo, mas pirâmide soa bastante mais técnico e quase cientîfico) de afeições clubísticas. Não é nada de novo, é apenas uma espécie de manifesto para as pessoas que, não me conhecendo pessoalmente, possam achar estranho que torça por Cabaye e Krul em vez dos seus adversários desde que não sejam azuis e brancos, ou que erga o punho com um golo de Iniesta ou um corte de Puyol desde que não joguem em St. James’ Park ou no Dragão.

Faço-o sabendo que a minha mãe (que apreciava o meu propalado compadrio com as equipas de lusa terra mesmo quando não percebia porque raio chamavam “fora-de-jogo” quando o jogador estava claramente dentro das linhas), se alguma vez chegar a ver este gráfico feito às duas pancadas e meia, me vai com toda a certeza dizer: “Tu és uma vergonha. Apoiar ingleses e espanhóis antes dos clubes do teu país!“. Pois é, minha querida progenitora. O teu filho, ao que parece, já sabe do que gosta e só teria vergonha se mostrasse ser alguém que já não é.

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Baías e Baronis – FC Porto 4 vs 0 Rio Ave

E lá vamos nós pela segunda vez à final da Taça da Liga. O jogo foi fácil, sem grandes chatices nem problemas, com a expulsão de Oblak (talvez um pouco exagerada tendo em conta que Jackson já não conseguia chegar à bola, mas o salto de karaté foi um abuso por isso até compreendo a decisão) a ajudar uma equipa que insiste em ser trapalhona em momentos importantes do jogo, especialmente naquelas tabelinhas à entrada da área que nunca parecem funcionar em condições numa equipa do nosso nível. Foi também interessante ver como esta equipa que entrou em campo, pior que a que jogou em Vila do Conde, conseguiu lá ir perder dois pontos. Enfim. Vamos a notas:

(+) Maicon. Perfeito na intercepção, na recepção e (quase) no passe, foi o jogador mais estável e o primeiro avançado da equipa. Aproveitou o descanso de Otamendi para assentar mais um bom jogo quer ao lado de Abdoulaye como do Mangalhão, explicando ao treinador que está cá prontinho para ser titular. Não me parece que o consiga porque Mangala insiste em ser o jogador que temos vindo a ver crescer e aprender, mas Maicon está num bom momento.

(+) Castro. Estupenda assistência para o golo de Defour, mas acima de tudo é aquela atitude de “never say die” que coloca em todos os lances (apesar de insistir na postura de gajo perenemente atrasado para o autocarro que enerva mas nunca aborrece) que faz com que a malta consiga gostar de o ver a jogar e acredite que pode ser uma opção válida, talvez não a titular mas sempre pronto para entrar para ajudar. Numa época em que todos parecem mais lentos que o seu adversário, esse modo de viver o jogo ainda é mais importante. Mais um bom jogo.

(+) Fernando, SÓ na segunda parte. Quando queres, Reges, mostras o porquê de seres titular no FC Porto e porque é que serias titular em muitas equipas. Porque és rápido, elástico, lesto na intercepção e cada vez melhor no passe. E quando queres, Reges…consegues fazer em três ou quatro toques o que outros demoram horas, quando roubas a bola ao adversário e insistes em arrastar o jogo para a frente com passes na diagonal para o teu colega do lado, aparecendo depois em zonas perigosas para marcar, sorris e fazes-nos sorrir. Bom jogo, nas alturas que quiseste. (ver abaixo o contra-ponto)

(-) Fernando, quando desliga o cérebro. Enervas-me, Reges. Enervas-me tanto que quando estou nessas mesmas bancadas que hoje te rodearam apetece-me dar dois pontapés na cadeira da frente quando te vejo a facilitar dessa maneira. Fizeste-o já vezes demais este ano e não sei se estás a tentar mostrar que és um jogador tecnicamente evoluído para ver se chegas à selecção do teu país, mas deixa-me que te diga que não é assim que lá chegas. Acredita que não é assim.

(-) A expulsão de Izmailov. Concedo que o cartão até possa ter sido exagerado. Mas não consigo entender o que raio passa pela cabeça de um jogador profissional para ter uma atitude daquelas quando está já nos descontos de uma meia-final, com o apuramento para a final completamente garantido, arriscando-se a perder o direito de participar nessa mesma final. Nem que o adversário tivesse insinuado que lhe tinha papado a mulher, mãe e irmã na cama dele e procedido a limpar a pila aos cortinados. Não faz o menor sentido.


É sempre estranho ver um jogo no Dragão através da televisão. Reconheço os pontos familiares do relvado, as zonas habituais para onde recuam os avançados e sobem os defesas, as linhas para os foras-de-jogo, as melhores posições de remate e as posições dos jogadores nas bolas paradas. Mas continua a ser estranho. Passada mais uma etapa nesta atribulada época, todos os olhos se viram para segunda-feira, neste mesmo Dragão. Ninguém se vai lembrar deste jogo nessa altura.

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Ouve lá ó Mister – Rio Ave


Amigo Vítor,

Deve haver qualquer tipo de interferência cósmica que me tem vindo a impedir a visualização em directo de jogos do meu clube. Já aconteceu no sábado, onde um casamento, uma animada festa de família com uma das minhas pessoas preferidas neste mundo a dar o nó com uma miúda que, devo admitir, lhe chega bem acima dos calcanhares, fez com que não visse a partida de Coimbra. E hoje, o clube decide satisfazer os desejos de tantos adeptos que imploraram a todos os santos azuis-e-brancos para termos jogos à tarde…e escolhe uma merda duma quarta-feira para saciar a sede do povo por um bocadinho de sol nas beiças enquanto vê o FC Porto a jogar à bola. Até compreendo que há muita malta desempregada, mas os que ainda têm um emprego não vão ver a vida facilitada sequer para VER O JOGO NA TELEVISÃO, QUANTO MAIS AO VIVO!!! SIM, ESTOU A BERRAR PORQUE ESTE FILHO DA PUTA DE HORÁRIO NÃO LEMBRA ÀS HEMORRÓIDAS DE SATANÁS!

Por isso não vou ver o jogo em directo. Bela tarde que se me apresenta, já viste? Enfim. Ah, quanto ao jogo, quatro coisas: põe o Liedson em campo nem que seja por meia dúzia de minutos; dá uma chance ao Sebá para ver se vale mesmo a pena largar um milhão de contos pela carcaça dele; deixa o Lucho descansar uns minutos e aproveita a moral do Castro que deve estar mais alta que o Monte Crasto (ele sabe o que é, acredita); e ganha o jogo para irmos a mais uma final. Já que chegámos a este ponto, não faz mal chegar um bocadinho mais longe, não é verdade?

É o costume. Se ganhas, ninguém vai ligar pêva. Se perderes, cai a Trindade, o Carmo e qualquer outra igreja que te lembres. Os Congregados, pronto.

Sou quem sabes,
Jorge

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Baías e Baronis – Académica 0 vs 3 FC Porto

Só vi o jogo depois de chegar a casa, com a recta alcoólica a descer abruptamente depois de um dia em que andou a flutuar por valores bastante mais altos que o expectável para o final de Março. Assisti ao jogo já sabendo o resultado, porque é impossível tentar esconder tudo de toda a gente e há sempre alguém que está pouco interessado no diferido mesmo que não possa ver o directo, por isso a forma como o vi foi mais relaxada, com muito menos stress que o normal e deu para perceber melhor o estado anímico da equipa e a forma como isso influencia o desenrolar de jogadas ofensivas, a concentração nas defensivas e, acima de todas estas teorias…é tão fácil perceber como anda a cabeça de Danilo quando o homem acaba de marcar um bom golo e não festeja. Vamos a notas:

(+) A facilidade da vitória. Foi tão simples, tão fácil, que me deixa sempre a questionar porque raio não se consegue fazer isto todas as semanas, ou pelo menos partir de uma base tão simples como esta. Jogo prático, sem inventar muito, com facilidade de troca de bola mesmo contra um adversário ultra-defensivo. É a imagem de marca de 80% do nosso campeonato e não conseguir contrariar este estilo só nos deixa na mão dos nossos oponentes directos, como aconteceu este ano, especialmente quando perdemos pontos frente a este tipo de equipas. Jogámos bem, sem brilho mas com eficácia, sentido prático e facilidades criadas por nós e não cedidas pelo adversário. Safámo-nos bem.

(+) Castro, pelo golo e pelo seu significado. É irresistível elogiar o rapaz pelo golo, mas acima de tudo pela celebração. Depois de Danilo, no segundo golo, ter mostrado que nem sempre um golo chega para arrebitar a moral de um jogador que sabe que pode fazer muito mais e não corresponde às expectativas dos adeptos, temos no outro extremo o golo de Castro. Foi o terceiro, o ponto final de um jogo banal, sem grandes motivos para excitações, com uma exibição à imagem da equipa. E mesmo esse terceiro golo aparecendo quase aos noventa minutos, em final de festa, foi celebrado por Castro como se fosse um game-winning goal na final da Taça de Portugal. Castro sorria e os adeptos sorriam com ele, porque representou o que tantos portistas estão a ver desaparecer jogo após jogo: o portismo dos jogadores, que para lá do profissionalismo, é um desejo de todos. Parabéns, puto. Podes não participar tanto quanto querias, mas sempre que o fazes a malta sorri.

(+) Moutinho. Há ali um passe na segunda parte em que Moutinho recebe a bola de Fernando ou Danilo, esqueço-me agora quem foi o remetente. João, com meio segundo de tempo disponível para olhar à sua volta e descobrir uma linha de passe antes que Wilson Eduardo (ou Edinho, mais uma vez não posso garantir…mas também não interessa muito à questão, acreditem) lhe caia em cima e lhe tire a bola dos pés, faz um passe de trinta metros direitinho para o caminho de Alex Sandro, que tem o corredor à sua mercê para atacar a área adversária pelo lado esquerdo. E o número oito faz isto repetidamente durante um jogo, de uma forma natural, como se nada o abanasse, com uma confiança que parece estar sempre em alta. Excelente.

(-) O ricochete do desânimo. Vou abordar este tema daqui a uns dias, mas parece-me evidente que nem o apoio das claques (até elas resistentes ao futebol que adormece tanta gente mas que os parece conseguir manter em força no apoio à equipa…e ainda bem!) pode esconder alguma desilusão dos jogadores para com a equipa. Parece fácil pensar que os rapazes vão entrar em campo com a confiança de Thor com o martelo nas mãos, mas a verdade é que se nota que há uma tristeza latente na forma de jogar, no passe, até no festejo dos golos e dos lances mais bem conseguidos. Os jogadores parecem unidos e se há alguma divisão no plantel, não creio que passe cá para fora. O que passa é uma espécie de infelicidade exteriorizada que consigo entender na perfeição, mas que mais uma vez não compreendo o porquê de se terem deixado chegar a este ponto. Danilo foi o expoente máximo dessa tristeza. No final de um excelente lance de ataque, onde Lucho aproveita a subida do lateral para rasgar a defesa, contrariar o movimento de quatro adversários e coloca a bola direitinha nos pés do brasileiro que só precisa de encostar para marcar, o que faz na perfeição pelo meio das pernas de Ricardo. A celebração deste banquete futebolístico? Um punho levantado, a cabeça caída, os abraços dos colegas, que compreendem o desânimo do companheiro e continuam a festejar sem chama, sem entusiasmo. Se não conseguirmos ser campeões, esta é uma das imagens que me vai ficar na memória.


Preparem-se para mais umas semanas de sofrimento, meus caros. Os jogos continuarão a ser vencidos (ou assim esperamos), e os três pontos não parecem falhar aos moços de vermelho. A culpa de todo este desterro é total e completamente alocada a nosotros, por isso não nos podemos queixar do destino ou da performance de terceiros. Insisto que se tivéssemos marcado dois penalties, estaríamos em primeiro lugar com um jogo no bolso se conseguíssemos vencer o Benfas em casa daqui a uns tempos. Enfim, assim vão as glórias por-agora-adiadas do nosso mundo…

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