Uma semana inteira sem ver o FC Porto a jogar no meio da temporada é uma tristeza. Especialmente quando estamos tão perto do final e apenas envolvidos numa única competição que está a apenas quatro jogos de completar a sequência permanentemente interrompida por partidas europeias, taças nacionais e fins-de-semana festivos. Assim, quando o meu pai me telefonou a perguntar se me apetecia ir com ele “matar as saudades” de ver o clube da sua antiga terra numa disputa cerrada contra o emblema da sua actual morada, aceitei imediatamente. Por ele mas também por mim.
O tempo, invernoso, ameaçava chuva a cada segundo que o sol se escondia por detrás de grandes nuvens que pairavam sobre o Parque Silva Matos, em Santa Marinha, Vila Nova de Gaia. Entramos, com bilhetes a exagerados 8,50€ que nos deu lugar na bancada central. Amigos revisitados, colegas reencontrados, até família lá estava, sócios, convictos gaienses e adeptos convictos da sorte dos verdes e negros do Coimbrões. É um clube a oito anos do centenário, que acolhe os seus com o carinho do seio familiar, em que a reunião se faz no bar, no pavilhão, na bancada, em todo o lado onde vive a alma da agremiação. Convidam-nos então para nos sentarmos perto do centro do terreno, quatro filas acima da relva sintética que já foi um dia visitada pela Juventus na altura que foi colocada, por tempos do nosso Euro. E as equipas já se vêem a entrar para o campo, Coimbrões e Gondomar lado a lado, com o público a aplaudir. Tudo tranquilo, terreno, sem bailarinas nem bandeiras enormes em campo, low-tech, expectativas normais para um Domingo agradável.
É tão diferente ver futebol assim. A proximidade do relvado permite-nos uma perspectiva diferente do espectáculo, uma visão focada do desenrolar do jogo. As centenas de adeptos, um conjunto de amigos, conhecidos e amantes da bola que se juntam na plateia renovada do Parque que sempre foi deles. Há poucas caras estranhas nas cadeiras, há conversa, pouca exaltação e um espírito ameno de convivência salutar enquanto se debatem os problemas dos jogadores, das ausências, dos pontos, da inusitada quantidade de empates durante a época, do avançado que já foi melhor marcador no ano passado, do talento do Rui e da raça do Bruno, dos pés do Fábio e da força do Nando. São miúdos feitos homens, alguns que cresceram na casa e outros que agora da casa se tornaram. Vejo que muitos têm talento, noção de espaço, critério no toque e na desmarcação, esperteza no arranque e destreza na recepção. Há bons jogadores, formados em boas escolas, rapazes que pisaram os relvados de treino dos grandes deste país, vestiram as suas camisolas enquanto pirralhos, saídos do Benfica, do Porto, do Boavista…e não fosse a falta de oportunidade para jogar a um nível superior, decerto estariam a alinhar em frente a públicos maiores com condições mais imponentes. Mas o Coimbrões paga os ordenados, parcos em numerário mas vitais na construção de uma vida, e são pagos com a consistência de uma parede de cimento. “Pagam pouco, mas pagam”, ouço vindo das cadeiras ao lado, “enquanto que outros prometem tudo e andam com meses de atraso!”. A II Divisão tem os mesmos problemas das grandes Ligas mas com menos holofotes.
O jogo termina. Um empate a zero que nada teve de tristonho, com várias bolas ao poste e uma excelente exibição do keeper gondomarense. A construção de jogo pausada e pensada do Coimbrões embateu quase sempre num muro defensivo bem formado, ao passo que o Gondomar, em contra-golpe, com lançamentos mais directos, conseguiu o objectivo do ponto que o aproxima da manutenção matemática. Outras contas, outros mundos, tão perto e no entanto tão longe. Aqui não se pensa nas conferências de imprensa antes dos jogos, nos coeficientes uefeiros, nas transferências de milhões e no número de títulos que cada um tem de acordo com um ou outro jornal. Aqui há mais futebol, mais alma, mais pureza.
Ainda me lembro quando a bola era assim, quando eu a via só assim. Estou cínico, ficamos todos um pouco mais cínicos com a idade, raramente podemos optar para que não aconteça. O meu pai gostou do jogo, gostou do ambiente, gosto de rever o que há quarenta anos não via. E eu só posso pensar em aproveitar mais e cada vez mais o futebol pela componente mais pura.
O jogo pelo jogo, se quiserem ser finos.