Pára tudo! Hoje há sorteio!


Faço um pequeno parêntesis nesta semana de conspirações, notícias especulativas, propostas milionárias, transferências em pausa, convocatórias surpreendentes, treinos intensos e ansiedade pela Supertaça. Vem aí o sorteio da Champions.

Vai fazer agora dois anos que não temos o prazer de assistir a um sorteio destes como participantes. Ano passado doeu que se fartou ver as bolas da Liga Europa, que pareciam brindes brancos e ovóides saídos de uma qualquer máquina de feira, com a bola da Adidas estampada na face exterior. Mas sentia falta das estrelinhas, aquelas pequenas formas com cinco pontas que fazem toda a diferença. E vai ser bom vê-las hoje de novo, oh se vai.

E é sempre a mesma coisa. Não queremos jogar com X porque é longe, com Y porque é forte e com Z porque é o Arsenal e já estamos fartos de levar no focinho. Este ano, para compôr o ramalhete, estamos no grupo dos cabeças de série. É um orgulho, minha gente, ver o nosso clube ali no meio de Reais Madrids e Bayerns, a apertar ombros ali como uma barreira mal-formada, prontos para devorar os outros adversários dos grupos abaixo, esses humildes mortais, plebe desgarrada e sequiosa, gado pronto para o abate. Até olharmos para os nomes que lá estão, e o engolir em seco torna-se mais que uma metáfora.

Vamos então a um pequeno exercício. As boas e as más sortes. Ou, visto de outra forma, o melhor e o pior das possibilidades. Sigam-me:

Melhor sorteio possível, abrem-se garrafas de espumante e marca-se hotel em Genebra para o sorteio dos oitavos:

FC PORTO
CSKA Moscovo
Basileia
Trabzonspor


É que nem é preciso pensar muito. O CSKA despachamos sempre que os apanhamos pela frente e de todos os clubes que nos podem calhar a partir do pote 2, é o mais acessível. Mais que o Marselha, com ou sem Lucho. E tínhamos sempre a oportunidade de ver a vedeta principal do MoscovoFashion, o trançudo do Vágner Love, que havia de levar uma cabeçada do Mangala que o deixava com a guedelha toda vermelha.

Do terceiro pote ainda podia optar pelo BATE Borisov, uma equipa que admito simpatizar porque quem se chama BATE e não tem jogadores expulsos logo nos primeiros 15 minutos, é digno de ter o David Luiz no plantel. Mas ainda assim escolhia o Basileia, por vários motivos: são suíços, é gente civilizada que não parte cadeiras e porque adorava ouvir os comentadores a sacarem do dicionário para pronunciar nomes como “Kwang-Ryong”, “Joo-Ho” ou “Shiqiri”. Para além disso já íamos ter de passear na Rússia e ter de andar pelas ruas de Minsk com as mesmas botas duas semanas depois dava cabo dos ossos dos nossos rapazes.

Acabava com o Tranzaspor. O último pote é acessível sem contar com os alemães e os italianos, por isso vou pelo que conheço. Vi estes fulanos a jogar contra o Benfica e foi como ver uma mosca mirolha à cabeçada contra um rinoceronte no cio. São fraquinhos e em condições normais estariam ao nosso alcance.

Pior sorteio possível, com direito ao nosso representante lá no Mónaco dizer em directo e em voz bem alta: “Oh que caralho!”:

FC PORTO
AC Milan
Manchester City
Borússia Dortmund

O Milan porque são italianos e jogam muito. Ainda para mais vinha para aí o Ibrahimovic cheio de paneleirices com o puxinho no cabelo que só apetece arrancar ao estalo e já mandamos o Sereno para a Alemanha por isso não dá jeito. Para além disso temos um histórico com eles que mete medo e já não há Jardel para enfiarmos aquelas batatadas em San Siro. Ainda acordo de noite a suar e a pensar no Gattuso e nem quero imaginar o mal que isso me traria a longo prazo. Big no-no.

O City. Claro, os mais recentes novos ricos em Inglaterra, a versão futebolística do empreiteiro (empresário da construção civil para quem não fôr do Norte) que compra um Mercedes novo e encharca a mulher de ouro, que por muito que reluza continua a não conseguir dizer uma palavra que não soe a labreguice. Quem compra Nasri e Aguero de uma só vez, para além da quantidade absurda de talento que tem do meio-campo para a frente, mete medo a qualquer um. Em contrapartida a camisola é azul-ciano, o que não é de homem, e podíamos sempre ver o Balotelli a passar-se e enfiar uma cotovelada no Mancini ao vivo e a cores. Ainda assim dispenso.

E para acabar o Dortmund. Eu sei que são alemães e que o futebol é chato e previsível. Mas o Lineker tinha razão quando dizia que jogavam 11 contra 11 e no final ganham os boches (não foi bem assim mas eu percebi-te, Gary…eu percebi) e estes não são diferentes. Está bem, perderam o Sahin. Pronto, lá se foi o velhote do Dedê. Não interessa, continuam a ser gajos que sabem jogar à bola, são duros como cornos de titânio, saltam como a Isinbayeva com a vara e não tem problema e Javiar (ou Katsouranizar) o jogo à cotovelada e ao chuto prá frente. Não quero.

 

É hoje o sorteio. 16h45. Com a minha sorte calham mesmo estes últimos três. Vá lá, ao menos não podemos jogar contra o Artmedia.

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Como ganhar ao Barcelona? (II)


Segunda parte do manual táctico para conseguir ganhar ao Barcelona. Acaba aqui porque a terceira parte vai ser dada por Vítor Pereira na 6ª feira à noite, em pleno Estádio Louis II no Mónaco. Foi aqui que leram pela primeira vez, lembrem-se disso!

  • Esquecer marcações individuais e só pressionar a zona

Marcar Messi homem-a-génio não é fácil, para não dizer possível. Com aqueles passos rápidos e pequeninos, correrias loucas, drible curto e controlo de bola perfeito, ou se traz de volta o Paulinho Santos com um jarro de esteróides ou a tarefa está ao nível de um bom cruzamento do Folha: não é impossível, mas é incrivelmente difícil. Ainda por cima não vejo nenhum jogador no nosso plantel com as características para marcar Messi em cima (o Castro era capaz de o fazer, tinha pulmão para isso…mas talvez fosse rapidamente expulso, é melhor não arriscar). O mesmo funciona com as marcações a Xavi ou Iniesta, pelo que temos de esquecer qualquer tipo de marcação ao homem. A zona criada tem de ser pressionante ao ponto de os obrigar a recuar com a bola para os centrais e impedir o overlap dos laterais.

  • Dar o litro

Fomos muito compactos e lutámos por cada metro, demos tudo. Fomos aquilo que tínhamos combinado antes do jogo.
Wesley Sneijder
Vitória pelo Inter na Champions’ League em duas mãos, Abril de 2010

Pois é, custa. Ainda por cima em início de época, quando os joelhos ainda rangem, os gémeos puxam e o pulmão ainda não aguenta tudo. Mas é a única hipótese. Relaxar frente a uma equipa como o Barcelona é a morte do proverbial artista, porque se há um grupo de jogadores peritos em encontrar espaços nas paliçadas adversárias, são estes que vamos encontrar na sexta-feira à noite. E é um estupor duma vergonha perder o jogo porque não estavam com vontade de jogar à bola. Se perdermos, que seja pela diferença de talento que é inegável, mas nunca por falta de empenho. Mas não vamos perder, pois não? Não!

  • Controlar o ritmo de jogo

É conhecida a capacidade fantástica do Barcelona para controlar a dinâmica do jogo através da posse de bola. Basta olhar para as estatísticas e observar os passes laterais e os já famosos triângulos a meio-campo e perceber que essa estratégia faz com que os jogadores adversários passem o jogo todo atrás da bola quase sem a ver ao perto, o que enerva qualquer equipa. É natural que a bola terá de ser mantida durante tanto tempo quanto possível por forma a impedir que o Barcelona fique com ela, porque a partir daí torna-se muito mais complicado gerir o jogo. Enquanto tiverem a bola, é muito difícil jogar porque a atitude se torna reactiva e raramente criativa.

  • Segurar as emoções

Os catalães não têm problema nenhum em exagerar na reacção ao contacto físico e a jogar como putos com o pai a ver. Fazem muita fita, provocam o adversário, agem como se uma entrada banalíssima fosse um ataque com ICBMs e pressionam mais o árbitro que o Fernando Couto fez ao José Pratas. Jogadores como Dani Alves e Villa são peritos nesta arte e conhecendo os nossos meninos, já sei que é muito provável que se deixem cair na esparrela e isso não pode acontecer.

  • Rezar ao Deus da Latrina para dar uma enorme diarreia aos jogadores do Barcelona na sexta-feira de manhã

Já tentaram? Eu ainda não por isso não sei se funciona. Dava muito jeito e tenho fé no fulano.

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Como ganhar ao Barcelona? (I)

Há qualquer frase sobre o Rossio e um beco lá perto, que o povo usa para metaforizar uma grande dificuldade. Esta sexta-feira, contra o Barcelona, adequa-se qualquer tipo de comparação que espelhe a tarefa que está pela nossa frente. Depois de alguma pesquisa sobre os adversários que conseguiram vencer o Barça, somei a minha própria opinião e compilei um pequeno guia em duas partes para quem quiser ganhar aqueles gajos. Não é garantia de sucesso, mas pode ser uma ajuda. Aqui vai a parte I:

  • Criar uma estrutura compacta em campo

Tivemos de construir a nossa estrutura de uma forma curta e estreita para lhes dificultar a tarefa de encontrar jogadores entre as linhas.
Quique Flores, treinador do Atlético Madrid
Atlético Madrid 2-1 Barcelona, 14/Fevereiro/2010

A estratégia primária é a de fechar a equipa no terreno. A zona entre o meio-campo da área tem de ser compacta como uma centúria romana em formação de tartaruga, deslizando o suficiente para cortar as linhas de passe e impedir que a bola chegue aos pontos mais avançados do campo. “Float like a butterfly, sting like a bee”, dizia Cassius Clay. É isso que temos de fazer, com menos ênfase na metáfora entomológica e mais na tradução dessa frase para o relvado: quando estivermos a defender, não pode passar nada. A teoria é a mesma, por muito que nos custe a todos assumir o papel do underdog, que a grande maioria das equipas que aparecem no Dragão para sacar um pontinho. Duas linhas defensivas, uma mais próxima da área e a outra aí uns 15/20 metros mais à frente, que funcionam como um harmónico, subindo e descendo à medida que o jogo vai fluindo. E depois…é aguentar, com paciência, com MUITA paciência, basculando a formação à medida que vai sendo necessário, com a linha mais subida a procurar a bola e a pressionar o que a tem, ao passo que a mais recuada tem de estar muito atenta às movimentações de Villa e Pedro pelas alas.

  • Limitar subidas de Busquets ou Piqué

A nossa ideia principal foi a de pressionar os defesas deles e não permitir que trouxessem a bola de trás para a frente.
Manolo Jiménez, treinador do Sevilha
Barcelona 1-2 Sevilha, 5/Janeiro/2010

É uma das armas mais fortes que o Barcelona usa quando não sabe mais o que há-de fazer para furar uma defesa bem organizada. Piqué ou Busquets pegam na bola vindos de trás e zarpam por ali fora como uma carga de cavalaria mongol, destroçam os médios criativos e agitam os defensivos. Não se podem permitir esses avanços sob risco de fazer desmoronar a solidez da equipa. E levar uma carrada de amarelos.

  • Tentar remates de longe

Xavi e Iniesta, peças-chave na equipa, raramente descaem para perto da sua própria área. Este estilo de jogo no meio-campo abre espaços para remates de meia-distância.
Kurban Berdyev, treinador do Rubin Kazan
Rubin Kazan 2-1 Barcelona, 20/Outubro/2009

Não será propriamente a nossa maior arma de ataque, mas é inegável que temos (pelo menos) dois bons rematadores: Hulk e Guarín. Associados à capacidade recuperadora de Moutinho e que lhes pode colocar bolas em boas situações, ambos jogam em zonas que lhes permitirá aproveitar espaços perdidos, particularmente em contra-ataques, porque com a passada larga de Guarín e a velocidade de Hulk podemos criar uma ranhura onde pode sair um “prego” daqueles que de vez em quando correm bem…e a bola pode ir lá para dentro. Há que tentar, pelo menos.

  • Aproveitar espaço deixado pelas subidas dos laterais

Os laterais deles, Dani Alves e Eric Abidal, tendem a jogar subidos e ao longo da linha e deixam algum espaço no centro.
Kurban Berdyev, treinador do Rubin Kazan
Rubin Kazan 2-1 Barcelona, 20/Outubro/2009

Dani Alves e Abidal, ou qualquer um que jogue nas mesmas posições nas laterais, gostam mais de subir que um elevador bem-disposto. A tarefa mais difícil deste encontro, especialmente tendo em conta as características dos nossos rapazes que jogam directamente à frente deles (Hulk e Varela, previsivelmente), não são os melhores defesas do mundo. Até se podem esforçar, mas a maior parte das vezes não tapam a linha como deviam. O médio-defensivo não vai estar lá para os ajudar porque tem de se ver com Messi, Xavi e Iniesta, por isso os dois rapazes que estão em frente às setas das alas…tem de fazer o jogo da vida deles.

 

Amanhã segue a parte II, para não encherem muito a cabeça com tácticas e estratégias.

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Mudei de revista

Ano após ano, em todos os inícios de temporada, o ritual era o mesmo. Podia estar de férias ou a trabalhar, em casa ou em passeio, na praia ou no escritório, qualquer local servia, desde que houvesse uma papelaria próxima que me pudesse albergar durante os minutos que necessitava para comprar o tradicional guia da época. E durante muitos, anos, esse guia foi o d’A Bola.

Lembro-me das versões mais antigas, em formato A3 com enormes folhas de cores mal impressas, onde os nomes, idades, alturas, pesos, posições e feições dos novos e velhos surgiam em listas intermináveis, do FC Porto ao Elvas, do Varzim ao Farense, do Chaves ao Louletano, todos eles estavam ali naquelas enormes “páginas brancas” do futebol português. Nas semanas que se seguiam folheava avidamente a informação sobre jogadores, equipas, estádios e história daqueles que iam fazer parte do meu dia-a-dia nas dezenas de jornadas do campeonato que ia então começar. Era ver-me na praia, nos intervalos de me refrescar nas ondas de um qualquer mar, a perceber se o Cacioli ia ficar no Gil e o Yekini no Setúbal, e quem era o novo brasileiro que a Académica ou o Covilhã tinha comprado. Uma alegria.

Ainda agora, numa época em que a web domina a nossa forma de pensar, quando a necessidade de termos algo impresso e assim tornado permanentemente arcaico em minutos, quando uma transferência de um jogador altera os cabeçalhos de qualquer página de um jornal online, a tinta da revista permanece como uma homenagem ao passado, uma corda que nos prende a um mundo mais puro, mais lento e mais concreto. Em que a verdade era mais autêntica e a mentira mais profana, os heróis mais coerentes e os inimigos mais visíveis.

Hoje mudei, mas não em tudo. Continuo a comprar a revista mas optei por outra versão, a d’O Jogo. Faço isto porque não perco em qualidade (pelo contrário, tem excelente grafismo e informação detalhada) mas ainda que ficasse com um produto menos atraente ou perfeito, recuso-me a dar o meu dinheiro a um jornal que parece determinado em enfiar numa gaveta os méritos do meu clube enquanto enaltece semi-méritos de outros num misto de agenda comercial e hubris pessoal. Quoth the raven: “Nevermore!”.

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