Eu, lusitano, confesso-me

Há muitos anos que falo com a minha mãe sobre futebol. Reformulo. Falo para a minha mãe sobre futebol. Assim está melhor. No decurso desses minutos em que lhe tento explicar o intrincado sistema de coeficientes para a qualificação para a Champions League (ou, em alternativa, o porquê da existência de uma regra de fora-de-jogo), há sempre qualquer coisa que menciono sobre o FC Porto, sejam jogadores para exemplificar o ataque à baliza ou situações passadas em eliminatórias europeias em épocas distantes. Coisas minhas, de quem gosta do clube e tem tanta informação ao dispôr. E a minha mãe, que gosta tanto de futebol como de roer vigas de cimento, perguntou-me outro dia: “Ouve lá, mas tu continuas como antigamente, em que primeiro és português e só depois portista?”. Não soube responder. Diria que já não sou tanto assim, especialmente durante a época desportiva, em que visto a camisola do clube acima da nacional, mas quando chegam Europeus e Mundiais, transformo-me em lusitano quase a 100% e ponho o portismo de lado. De outra forma não conseguiria aplaudir o João Pereira ou o Coentrão.

Mas desta vez pensei que as coisas fossem diferentes. Não me entusiasmei tanto no arranque, não me tremiam tanto as pernas a ver os moços em campo, não estremecia com o hino. Durou pouco a indiferença.

É como um vício, sabem. A imagem do alcoólico encostado ao balcão da taberna, com um copo de tinto à frente, a vociferar contra a parede, os azulejos, as garrafas vazias. O janado, sentado na rua com um resto de erva enrolada num papel sujo e queimado, untado com cem gotas de saliva meia seca, a procurar mais uma passa, só mais uma pequena, curta, eterna passa. O jogador, em frente à roleta num qualquer casino vendo vermelho mudar para preto, para vermelho, para preto, para zero, para nada. Ou o jogador 2.0, sentado com a cara colada numa pantalha a olhar para um qualquer mesa virtual num qualquer Partypoker ou a salivar perante as odds numa de tantas Dhozes. Metáforas mil deslizam pela minha mente quando Portugal arranca o jogo e acabo inevitavelmente por regressar às raízes.

E assim sendo, aproveito para responder a alguns amigos que me perguntam o porquê de não ter feito crónicas aos jogos da Selecção. Não tem sido fácil ver as partidas e não tive outra hipótese senão abraçar na totalidade o lusitanismo que se apoderou de mim nestas alturas. Eu, que chorei depois do Portugal-França em 2006, que andei cabisbaixo depois da final de 2004, que gritei até ficar rouco no Portugal-Inglaterra de 2000, assumo-me.

Não consigo ficar indiferente. Perdemos? Sofro. Ganhámos? Vibro. Crítico nas derrotas, sempre. Entusiasta nas vitórias, sempre. Mas indiferente…não dá.

E acreditem que tentei.

13 comentários

  1. Engraçado que no unico “Ouve la oh Selecionador” q fizeste perdemos, e nos outros dois jogos em q nao fizeste, ganhamos… ;))))

    Mas na minha humilde opiniao de mais um avido leitor entre muitos deste blog que me entretém, gosto dessa rubrica e por mim podes recomeça-la contra os checos. Keep it up!

    1. já me chamaram isso à atenção…carago, eu que sou daqueles que dou um beijo no emblema do FCP antes dos cantos e dos livres directos, é melhor mesmo não fazer um artigo novo, pode dar azar. no me credo em brujas e tal… :)

      um abraço e obrigado!
      Jorge

  2. Revejo-me no teu post de hoje quase a 100% (incluindo nas “conversas” com a mãe :x ). A excepção será a meia final de 2006 em que a desilusão de 2004 ainda estava tão presente que não consegui sentir nada…
    Ficamos à espera do “ouve lá Oh seleccionador” e do posterior “futres e qq coisa” ou “figos e qq coisa” (já lá vai há tanto tempo o ultimo a nem me lembro bem como lhe chamas :)

    Cumprimentos da Caparica

    1. Caro Jorge,

      Ainda bem que sentes assim a selecção.
      Eu também sinto isso nestes momentos.

      Mas não tentei ficar indiferente. Nalgumas fases de qualificação, talvez. Em fase finais não dá. O sentimento apodera-se de nós e não há nada a fazer. É ir no turbilhão de emoções que, normalmente, acaba numa decepção enorme (esse é que é o problema).

      Mas desta é que é. Sem decepções.

      Mas, pelo sim pelo não, será melhor não fazeres o Futres e Folhas (?).

      Abraço,
      PeLiFe
      BASEL84.BLOGSPOT.PT

  3. (desculpe a correcção – a viga – não será de cimento, mas sim de betão! eu entendo que estivesse a pensar nos dentes da sua mami, mas, por outro lado já só escreveria do meio dos escombros…)

    Ok! sou mais portista (e portuense), que qualquer outra coisa, mas não deixo de torcer e sofrer pela seleção, e tivesse neste momento na diáspora, então, é que sofria!. Não é dependência. É pertença. É estarmos um grupo de gente que tem muita merda em comum a gritar e a sentir…
    A diferença está, que o Porto eu amo sempre. E a seleção só assim a espaços. Não é a mesma coisa.

    1. Imperdoável… Eu que sou engenheiro civil deixei passar essa em claro :x

      Xô Jorge, nada de pressões, mas já são 16h45 e ainda não há “ouve lá oh seleccionador” ;)

  4. Jorge,

    Ainda bem que admites o lusitano que há em ti e que o extravasas cada vez que joga a selecção, só te fica bem!
    Faço o mesmo! Ainda no jogo contra a Holanda gritei golo seguido de um “Chupa filho da #&$a” quando apareceu na imagem um holandês que nunca me fez mal na vida… Já fiz claque em jogos da selecção… na rua e não no estádio, não interessa se era verão e tinha copos de cerveja à volta, o facto é que fiz.. Mas sendo que se isto não chegasse para evidenciar o patriotismo que há em mim, admito que já festejei golos do lagartos nas competições europeias (aquele do Patrício em cima dos 90 minutos!!!).
    Dito isto resta-me apenas terminar com um “Força Portugal” e um “Campeões, Campeões, nós somos Campeões” referente ao nosso amado FC PORTO como é óbvio!!

  5. Já experimentaste explicar à tua mãe o que é uma “jogada de bola parada”. Quando falei nisso à minha mulher, ela olhou-me com um ar incrédulo…

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