Ouve lá ó Mister – Setúbal

Mister Paulo,

Que puto de tempo que nos molha o corpo e infecta a alma com o ruído do trovão e a inclemente fúria da chuva persistente! Se o temporal que caiu no Dragão na passada quarta-feira lhe apetecer dar mais um salto a esse tão nobre recinto hoje pelo início da noite, vamos ter um espectáculo daqueles à antiga, dos que me lembro tão bem ter apanhado nas velhinhas Antas, com aguaceiros assassinos, saraivadas agressivas e noites em que só se via a Lua a partir dos topos das montanhas. O Norte é fodido, pá, até nisto.

Mas mais fodido que o Norte é o povo do Norte. Ui, Paulo, que esses, os meus, são piores que uma noite de trovoada e mais incisivos que um par de dentes da frente. E tu, meu caro, não estás a fazer amigos com muita facilidade cá pelo burgo. É verdade que o Presidente te veio defender e que acredita no teu trabalho (óspois falo sobre a entrevista do homem, que ainda não vi nem ouvi por completo), mas até ele vai começar a pensar duas vezes se o futebol não melhorar. Sim, melhorar, porque chegar a um nível condizente com o que a malta está à espera daquelas camisolas azuis-e-brancas…acho que é um pipe-dream, pelo menos este ano. Estou certo? Não achas? Ainda é possível?

Acredito em ti, Paulo. Não tenho tido grandes motivos para isso e tu certamente não me tens dado a moral que precisava para chegar a esse ponto, mas hoje, no início da segunda volta, podes começar a mostrar que estamos no caminho certo. Atrasado, é verdade, mas ainda a tempo de fazer boa figura. Mais ou menos. Ganha lá o jogo, dá uma boa prenda de aniversário ao Lucho e deixa-nos sonhar um bocadinho.

Sou quem sabes,
Jorge

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Baías e Baronis – Benfica 2 vs 0 FC Porto

foto retirada de MaisFutebol

Estou há quarenta minutos com esta página aberta num tab separada das outras enquanto vou pesquisando livros usados sobre a guerra civil americana na Amazon. Estou por isso oficialmente deprimido. Foi uma tarde dura, com um jogo do FC Porto que esteve abaixo do que esperava e que mostrou pela enésima vez este ano que não conseguimos ter um andamento que sirva para mais que vitórias mais ou menos sofridas contra equipas de meio da tabela em Portugal e alguns confrontos europeus contra rapazinhos nórdicos ou moldavos. O Benfica não fez um jogo extraordinário, longe disso. O FC Porto é que não jogou nada. Nadinha. Vamos a notas:

(+) Fernando. Pode ser questionável dar a melhor nota do FC Porto a Fernando, ele que esteve tantas vezes fora da posição, chegando inclusive a ser um dos que pressionou Oblak quando mais ninguém lá saía. E foi esse o problema, porque Fernando quis ser três jogadores ao mesmo tempo: um trinco, um médio box-to-box e um organizador de jogo. E só leva a melhor nota porque tentou por tudo fazer com que o meio-campo do FC Porto não se desfizesse como uma folha de papel vegetal na Foz durante a semana que passou. Tentou e falhou, mas tentou com aquele fogo nas ventas e a atitude de fúria que tanta falta faz nesta equipa (quase que sorria quando se dirigiu a Soares Dias, como de costume, para reclamar de costas e braços bem erguidos)…mas teve poucos que o acompanhassem.

(+) Varela. Foi dos poucos que pareceu que queria tentar qualquer tipo de entendimento com o lateral e correu imenso durante o jogo, apesar de ter estado sempre com pouco apoio da parte dos colegas. Depois da expulsão de Danilo foi vê-lo a tentar fazer o flanco na maneira habitual, tosca e trapalhona, mas com uma pitada extra de esforço que merecia ter tido outra ajuda do resto da equipa.

(+) O respeito a Eusébio. Acho que posso falar por todos os portistas quando digo que só nos lembrámos do Eusébio durante o jogo porque o vimos sem cessar nas costas das camisolas do Benfica. Aliás, vimos demasiadas vezes as costas dos jogadores deles, tantas foram as oportunidades em que nos ultrapassaram em velocidade…mas adiante. O minuto de silêncio foi isso mesmo. Um minuto. De silêncio. Como devia sempre ser (e que cumpro sem falar quando o vivo num estádio), antes da imbecilidade das palmas tirar a solenidade toda de tantos momentos similares. Gostei.

(-) Mas nós temos meio-campo? E defesa? Ataque, talvez? Foda-se, temos uma equipa?! É uma constante de 2013/2014: o FC Porto parece entrar em campo em inferioridade numérica. Muitas vezes dou por mim a olhar para o relvado e a tentar perceber quem é que falta ali no meio e que está a tornar a equipa numa amálgama de jogadores que andam a correr (nos dias bons) de um lado para o outro sem saber onde serão as posições certas para os jogadores certos. É uma espécie de grande jogo de Mastermind, onde o jogador certo está na posição errada (Fernando com alguém ao lado, Josué na ala, Lucho a segundo avançado…), o jogador errado está na posição certa (Defour quando era preciso Lucho, Otamendi em vez de Maicon…) ou ambos (Licá. Só isso). Há uma extraordinária falta de entrosamento, sequências imensas com passes falhados que nos juvenis daria direito a volta ao campo e vinte flexões só com um braço, desmarcações com força a mais ou a menos mas nunca a força certa e remates ao lado, ao poste ou direitinhos ao guarda-redes. Hoje o FC Porto não jogou futebol. Foi uma equipinha banal que não conseguiu e tampouco tentou mudar a sorte de um jogo que tantos querem jogar e que tão poucos têm a sorte de o conseguir. Fomos fracos, de pernas e de espírito, e esta derrota custa ainda mais porque não a tentamos evitar.

(-) Otamendi. Há vários jogos que não andava bem e tinha sido encostado por Fonseca. Na altura, Maicon calçou as botas e fez um ou dois bons jogos, fazendo que todos pensássemos que os dois Ms seriam a solução defensiva que iria formar o eixo da zona recuada nos próximos tempos. Hélas. O argentino voltou à equipa e voltou às borradas. Às vezes dá a ideia que está totalmente desconcentrado em jogo, tais são as constantes falhas de discernimento posicional que mostra, ocupando vezes demais o espaço de Mangala e falhando nas subidas parvas a tentar pressionar o segundo avançado, deixando um buraco enorme que foi (bem) aproveitado por Markovic e Rodrigo. Somem-se a quantidade ridícula de passes curtos falhados e temos um caldinho de proporções épicas a tramar-lhe a boa imagem que recuperado no ano passado. Já foi o melhor defesa do FC Porto. Neste momento, nem no banco o quero.

(-) Lucho. Completamente engolido pelos três Eusébios que estiveram no meio-campo do Benfica (não resisti à piada, sorry), conseguiu perder a bola várias vezes pelo simples facto de não ter actualmente uma velocidade mínima de execução para poder ser titular. A braçadeira está a agarrá-lo ao lugar mas pela forma como a equipa se tem vindo a exibir, questiono a utilidade do actual capitão. Ou são todos otários e não sabem fazer o que ele manda…ou ninguém lhe liga. E a segunda é muito mais grave.


Perder três pontos é mau, mas podia ter sido pior. Da forma como a equipa estava a jogar, ainda por cima com apenas dez jogadores em campo, só um Benfica incapaz e desinteressado falhou o que poderia ser uma goleada para lhes saciar a sede. Perder três pontos é mau mas a nível da resolução do campeonato…são “apenas” três. Custou-me mais empatar em Belém e no Estoril, porque jogámos sensivelmente o mesmo que hoje mas o adversário tinha uma valia várias ordens de magnitude abaixo da nossa. Perder três pontos é mau. Perder um único ponto com o Benfica é só depressivo.

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Ouve lá ó Mister – Benfica

Mister Paulo,

Este é um grande dia para ti, Paulo, tu é que não sabes disso. Imaginas que é um papão enorme que te vai apanhar pelas costas e te vai empalar com um mastro Holmesiano do qual ninguém consegue escapar, muito menos tu. Sinto-te com vontade de jogar esta partida, mas ao mesmo tempo presumo que deves estar com o xixi tão apertadinho que um saltinho no banco faz com que o roupeiro te tenha de ir buscar outras calças. Isto é um clássico e não há maiores que este, pelo menos em Portugal.

Vais entrar em campo com força. Tens de entrar em campo com força, com o espírito bem vincado na vitória e a alma entregue às mãos de qualquer Deus em que acredites e que te dá a garra que eu sei que tens. E é nestes jogos que mostras o que vales, não só nos confrontos de treta contra os Olhanenses desta vida. É nestas batalhas com setenta mil nas bancadas a gritarem pelos seus enquanto insultam os teus, é nestas micro-guerras que os nomes dos treinadores se fazem ou se desfazem. E os rapazes que vais mandar para o campo com um discurso de conquista já sabem ao que vão, pelo menos a grande maioria deles. Muitos sabem o que é ganhar naquele estádio e garanto-te que outros tantos também já de lá saíram vergados pelo peso inconfundível de uma derrota amarga nesse campo. Um clássico é isto, Paulo, é uma luta titânica de gigantescos ogres que se enfrentam e disputam o direito de passarem uns meses a poder cantar os cânticos de um triunfo que conquistaram com o suor do próprio corpo. Fala com o Maicon, ele que marcou o golo aqui há dois anos, naquele 3-2 que nos pôs a todos loucos e que nos entusiasmou até ao final do campeonato. Pergunta ao Helton, que defendeu com a ponta das unhas aquele remate do Cardozo no ano passado, e ele vai-te dizer que este é um dos jogos da tua vida.

E eu, que já me esqueci de mais clássicos que tu alguma vez disputaste, já sei o que vou sentir. Num café, rodeado por amigos todos da mesma cor, vou estar a morder os lábios, a beber uns finos, a tremer com cada posse de bola do inimigo e a erguer-me sempre que ela estiver do nosso lado. Um clássico, Paulo, é isto. São nervos, emoção, angústia, êxtase. E tu, hoje, podes dar-me toda essa panóplia de sentimentos. Para te ser sincero, prefiro o último.

Força, rapaz.

Sou quem sabes,
Jorge

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Baías e Baronis – FC Porto 4 vs 0 Olhanense

Foi talvez o jogo mais fácil do ano, pelo menos do campeonato. E foi fácil não só pela inepta participação do Olhanense, digno representante da segunda Liga do próximo ano se mantiver este nível de qualidade que mostrou hoje, mas também porque o soubemos tornar fácil. Sem um futebol extraordinário, a equipa foi prática e ofensiva nos momentos necessários, com várias peças em sub-rendimento mas acima de tudo com um rapaz que está a cair bem no goto dos adeptos pela capacidade criativa, desenrascada e inteligente com que tem vindo a jogar e a fazer jogar o FC Porto. Carlos Eduardo é o homem do jogo e é um bom exemplo da forma como podemos aproveitar a equipa B para ir construindo a imagem de um jogador para que ele próprio saiba aproveitar as oportunidades quando lhe são dadas. Vitória grande que podia (e devia, não fosse o guarda-redes do Olhanense defender montes de lances de golo feito) ter sido bem maior. Vamos a notas:

(+) Carlos Eduardo. É diferente de tudo que tinha visto este ano, o que se torna ainda mais importante quando percebo que o faz a partir de uma posição que estava tão necessitada de um jogador mais irreverente que Lucho, perdido em teias defensivas que o faziam perder-se em campo e obrigavam o FC Porto a jogar quase com menos um jogador. Carlos Eduardo, que até começa a fazer lembrar Deco pelo estilo de controlo da bola e pelo remate fácil (e que grande golo marcou hoje), pode ser uma peça importante para a contínua evolução da equipa e acima de tudo para conseguir fazer o que nenhum colega até agora tinha conseguido: um meio-campo ofensivo que desiquilibre quando chega perto da área. Gostei de o ver mais uma vez e estou certo que só perde o lugar que ganhou a pulso se baixar muito de produção.

(+) Fernando. Com Lucho “a seu lado” mas não literalmente na horizontal do agora luso-brasileiro, Fernando solta-se. Há mais espaço, menos Defour, menos Herrera, menos Josué, menos factores que atrapalham a progressão do 25 em campo e essa liberdade, por muitos reclamada desde o início da temporada, nota-se na perfeição quando recebe a bola em balanceamento ofensivo e procura um colega na lateral, levando o jogo mais para a frente, cada vez mais para a frente. Esteve bem na intercepção mas particularmente bem na rotação da bola em posse.

(+) Olha, golos! Já não sabia o que isto era, para vos ser sincero. Sair do Dragão com quatro golos marcados já parecia uma memória antiga que se ia esfumando enquanto o tempo alegremente passa para mim, como o faz para todos, esse cabrãozinho. E ver golos a aparecerem a partir de cantos (mais uma vez, Carlos Eduardo a assistir), ou em remates espontâneos de fora da área, dão um alento extra a um futebol que já foi extremamente pobre mas que parece, a espaços, dar alguma confiança aos jogadores e mostrar que eles são capazes disto e de muito mais. É só quererem e, com alguma sorte, a bola lá vai acabar por entrar.

(-) Lucho. Aí pela metade da temporada de 2007/2008 houve um intenso abaixamento de forma de Lucho, que parecia locomover-se à velocidade de uma vela pousada numa mesa. Hoje, tal como em Vila do Conde e em Madrid, Lucho mostrou-se com muito pouca rapidez de execução, estranhíssimas falhas técnicas e uma quase total inoperância no pautar do jogo ofensivo da equipa. Questiono-me se é um abaixamento momentâneo, se está finalmente a ceder à pressão do PDI ou se ainda se está a adaptar a uma nova posição, mas é neste momento um elemento com produção nula.

(-) Licá. Insisto: o rapaz não é extremo e não me parece uma postura sã insistir em colocar o rapaz a jogar numa ala onde nunca terá o rendimento que procuramos a não ser em jogos que exijam contra-ataques em vez de um ataque permanente e persistente à baliza adversária. Continua esforçado mas as falhas técnicas e a incapacidade de driblar um defesa paralítico fazem dele mais uma peça que está desadequada à posição e que não produz pelo simples facto de não saber como o fazer. Estamos a queimar um rapaz que pode ser útil num futuro próximo, mas nunca a partir da ala.

(-) A opção por Mangala na esquerda. Sou talvez um bocado suspeito, especialmente olhando para a miríade de adaptações que se fazem no futebol actual e pelos louvores divinos que Ferguson recebeu no Manunaite, muito embora tenha sido um dos principais responsáveis por alinhar com defesas compostas por quatro centrais, que me faz uma comichão que nem imaginam. Chamem-me redutor, parvo, leigo, pouco instruído, mas prefiro ver um central a jogar como central e um lateral na lateral. Fonseca, talvez com um enorme cagaço de introduzir ainda mais entropia numa defesa propensa à falha fácil, optou pela “segurança” do francês à esquerda em vez de promvoer Quiño ou Rafa da equipa B. Discordo da opção, a equipa fica manca numa das alas e é triste ver o pobre do Eliaquim a fazer o que podia, com arrancadas tão subtis como uma divisão de Panzers numa loja da Vista Alegre, que só consegue fazer porque é mais forte e tem uma passada mais larga que os adversários. Até pode funcionar, mas nunca funcionará sempre e é uma falta de confiança também nos rapazes que trabalham para conseguirem um lugar quando a “sua” vaga está livre. Assim…mais vale não trabalharem.


A equipa parece estar numa rampa ascendente de forma e especialmente Fonseca parece começar a perceber a melhor forma de colocar as peças em campo. É verdade que Lucho está em baixo e que falta um extremo em condições para poder equilibrar uma formação que age de uma forma mais débil do que pode fazer em campo, mas os erros defensivos vão sendo corrigidos e o meio-campo, apesar de ainda não ter a rotação que é exigida, parece mais intenso na recuperação e mais prático na criação de lances ofensivos. Conseguiremos continuar a jogar decentemente até irmos à Luz? Espero que sim.

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Ouve lá ó Mister – Olhanense

Mister Paulo,

Ouço Pink Floyd enquanto te escrevo estas palavras. Há tanta pequena coisa que te podia escrever, sobre a qualidade do nosso futebol, a facilidade com que a nossa defesa parece abrir brechas do tamanho das trincheiras dos campos cinzentos de Verdun ou pela ineficácia do nosso ataque, qual nerf gun defensiva apontada ao lombo de um elefante em investida perante o teu indefeso corpo. Não me apetece forçar o pensamento triste, Paulo, a constatação que a época não está a correr como todos desejávamos e a involuntária vontade que todos temos de olhar para o que temos vindo a fazer e perceber que não temos estado à altura do clube que amamos e que tu aceitaste defender desde que assinaste contrato. Não vou alinhar por esse caminho, hoje não vou chorar as nossas tristezas. Ouço a voz do Gilmour e a sibilante melodia que ecoa da guitarra do Waters e descanso, como sempre faço quando os ouço.

E vou para o estádio, a sonhar com tempos melhores. Vou para lá como tantos outros, numa fria noite de sexta-feira em que findo uma semana de trabalho intenso, cansativo, pesado para os olhos e para a mente, e imagino que vou ver um jogaço. Que vou entrar no estádio e verei um equipa de azul-e-branco a brilhar na verde relva que ocupa a zona central do Dragão. Vejo um pseudo-Milan do outro lado. Vejo um Balogun, um Diakhité e um Dionisi e penso que vejo Gullit, Rijkaard e Van Basten a praticar do melhor futebol que os automatismos de Sacchi trouxeram ao mundo. Vejo um ogre de preto e vermelho a ameaçar o nosso destino, mas olho para as nossas cores e imagino-os a triunfar com genialidade, garra, querer, raça. Vejo um Porto à Porto, vejo vitória e audácia. Quero sair do Dragão a ouvir cânticos de glória, um regresso a um passado tão recente em que cantei, gritei, vibrei.

E a voz de Gilmour continua a cantar o Fearless, com a guitarra do Waters em fundo a soar tão bela nos meus ouvidos. E só penso que o último jogo do ano tem de ser em grande. Anda lá, Paulo, ouve comigo, canta comigo e vence para mim.

Sou quem sabes,
Jorge

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