Ouve lá ó Mister – Olhanense

Estimado Professor,

Escrevo-lhe estas palavras quando as vozes dos nobres cantores do fado de Coimbra estão a ecoar nas paredes da Sé (ou da Relação, já nem sei onde é este ano…), enquanto milhares de estudantes, trajados até ao osso e metade já semi-alcoolizados vão ouvindo em silêncio (os que conseguem) alguns dos acordes que sinalizam o início do fim da sua vida académica. E estabelecendo um paralelismo com a sua carreira no FC Porto, presumo que acredite que mais garrafa, menos garrafa de tinto, os sinais são os mesmos e a rampa será idêntica. Ainda assim, não sabendo o que se irá passar nas próximas semanas, acredito que vai tentar fazer o melhor possível no tempo que resta.

Assim sendo, mesmo considerando que a equipa que gere está numa forma semelhante à que se encontrava quando pegou nas rédeas da mesma aqui há uns meses, não deixo de ficar surpreendido pela presença de vários Bs nos convocados. Tozé e Kayembe (mais o primeiro que o segundo) já fizeram o suficiente para merecer uma chamada, mas talvez houvesse espaço para mais um ou dois. Pedro Moreira, por exemplo, que não sendo um génio do futebol é lutador e tem sido um líder da equipa secundária; Ivo, um extremo como poucos que temos, que vai para cima dos defesas sem medo; Victor Garcia, para continuar a mostrar que pode ser alternativa a Danilo; Quiño, que nem está a fazer uma época extraordinária mas fazia com que não precisasse de inventar na lateral esquerda; ou Mikel, para jogar em vez de Fernando e dar descanso ao nosso guerreiro. Havia muitas alterações mais a fazer mas a opção é sua, será sempre sua e nós, que estamos de fora, é que gostamos de as analisar sem saber o que por aí anda na sua cabeça.

Muito bem. Faltam apenas 180 minutos para o fim do desterro e é mais que tempo para sacar duas vitórias. Acima de tudo vamos sair disto com a pouca honra que nos resta. É que perder com o último classificado, francamente, não lembra nem ao adepto mais pessimista.

Sou quem sabes,
Jorge

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Plano B

Em Olhão, gostava que entrasse em campo a seguinte equipa:

Kadu; Victor Garcia, Quiño, Maicon, Tiago Ferreira; Mikel, Pedro Moreira, Quintero; Kelvin, Tozé, Gonçalo Paciência. No banco pode ficar o Ivo e o Leandro, mais o Tomás e o Fréderic, sem esquecer o André e o Kayembe. E o Fabiano, pronto.

E perguntam vocês: “Mas tu estás doido, Jorge, então isso é uma equipa com uma média de idades ao nível do QI da malta da Casa dos Segredos!”

And. So. What? Está tudo decidido, os As estão todos com a cabeça no Brasil ou em qualquer outra praia e a malta está farta de ver sempre os mesmos mortos que já não sabem o que fazer. Ergo, avancem os putos.

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Fibra

Nos primeiros anos que comecei a ver o FC Porto ao vivo, na altura atravessando aquele caminho para o idílio desportivo que era a subida por Fernão de Magalhães acima, para lá da Velásquez, cortando pelo meio dos campos de treino e continuando até à entrada da Sul ou da Bancada (havendo mais ou menos dinheiro no bolso, contra-respectivamente), altura em que a alegria e o entusiasmo me inundavam com a fresca sensação de juventude e devil-may-care que faziam de mim feliz. E em vários jogos saí do Estádio a lamentar ter-me lá deslocado, algo que raramente faço hoje em dia, talvez por ter ganho um estofo um bocadinho mais espesso do que nessa altura me poderia gabar.

Lembro-me de um jogo que propiciaria um desses desterros, qualquer empate em casa contra o Paços ou o Famalicão (não a famosa derrota dos noventa remates contra um…que deu a vitória aos gajos), enquanto Ivic passava pela segunda vez pela cidade que tanto tinha engrandecido com as vitórias na Intercontinental e na Supertaça Europeia. Estava eu na bancada central, num belo dia de sol, quando a equipa engonhava em campo, falhava remates, jogava com pouca vontade e não assumia uma postura digna perante um adversário lutador e pouco dado a parvoíces. À medida que o jogo ia avançando e o resultado se mantinha a zeros, o povo começava a ficar cada vez mais tenso, menos propenso a apoios e incentivos, com a tradicional onda de indignação a subir a cada minuto que o FC Porto não conseguia nem tentava com grande afinco atingir as redes do oponente. Eu, um puto, cheio de optimismo e joie de vivre, ainda acreditava que era possível vencer, bastava apenas que os rapazes mostrassem um bocadinho de esforço, mais uma corrida, mais um lance fortuito ou trabalhado, queria lá saber, que pusesse o resultado a nosso favor e acalmasse as hostes. Ao meu lado, um dos meus companheiros de todos os jogos, muito menos tranquilo, enervava-se a cada passe falhado, gritava com os consecutivos pontapés de baliza oferecidos ao inimigo, insultava um e outro e ainda outro e nem conseguia ficar sentado no cimento que na altura coloria com aquele tom cinzento que se igualava à alma dele naquele momento.

Terminado o jogo, zero-zero, voa o meu amigo para o corredor no fundo da bancada. Um bom salto depois e está nas redes, agarrado ao alumínio forrado a pvc com uma fúria que endoidece o espírito e corrói o âmago de qualquer adepto que acaba de perder um jogo, porque um empate em casa era uma derrota, o desperdício de pontos perante seres inferiores era um valente murro no estômago de qualquer portista digno do seu nome. E gritou, diatribes múltiplas saíam da sua boca como tivesse acabado de levar com um balde de estrume na nuca, amaldiçoando treinador, jogadores, médicos, dirigentes, todos os que lhe passavam pela frente sentiam a força da sua voz e o volume da sua infelicidade. Os stewards…havia stewards nos 90s? nem me lembro, para ser sincero…mas fossem seguranças, polícias, cães, guardas, o exército e a marinha inglesa não o conseguiam tirar dali e o túnel, ali tão perto, sofreu com os gritos de um adolescente que não acreditava no que tinha acabado de acontecer. Eu, de pé mas longe das vedações, olhava para ele, despreocupado. Hás-de sair daí a bem ou a mal e nada te vai acontecer, pensei, mas o resultado, aquele teimoso zero-zero, fica marcado nas nossas almas até à eternidade.

Lembro-me tão bem desse episódio e não deixo de pensar nele de cada vez que saio do Dragão depois de um jogo como o de Domingo. Já passei pela idade da irreverência e raramente fui dado a episódios desse género. Sou nervoso a ver o jogo e chateio-me, grito, mas pouco mais. Mas às vezes olho ainda para essa imagem na minha mente e imagino que quase vinte anos depois, a ideia mantém-se: há jogos e há jogadores dentro desses jogos que não merecem o aplauso. O que merecem são os gritos de um adepto que não pode fazer mais do que vê-los sem chama, sem alma, sem fibra para sequer tentar dar a volta a situações que estão ao alcance deles.

Domingo foi um dia negro e pior do que o resultado foi a forma como ele surgiu. Ou não surgiu. Take your pick.

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Baías e Baronis – FC Porto 0 vs 0 Benfica (2-3 em penalties)

Jogo futsal aos sábados de manhã há mais de treze anos com o mesmo grupo de amigos. As equipas são feitas na hora porque nem sempre os jogadores são os mesmos. Às vezes, quando só estamos nove porque um caramelo lhe apeteceu ficar a dormir e se esqueceu de avisar ou porque alguém se lesionou a meio do jogo, uma das equipas fica em inferioridade e luta mais que a outra, a entre-ajuda cresce, o espírito de sacrifício é mais alto e a vida dos que estão com mais um elemento fica mais complicada. Mesmo assim, é raríssimo haver um jogo em que os 4 vençam os 5 e costumamos dizer que não há desculpa para que tal aconteça. Hoje, no nosso estádio, os cinco perderam contra os quatro. E é fácil perceber porquê: os cinco não têm pernas nem cabeça para vencer quatro que estão bem mais organizados, lutam mais e querem vencer. Os cinco perderam antes de começar. E perderam também o respeito de muita gente, porque pior que perder contra quatro é deixar que os quatro queiram ganhar mais que os cinco. Enfim, dói, mais uma vez. A notas:

(-) O FC Porto na máxima força perdeu contra as reservas do Benfica a jogar com 10. Cheguei a casa destruído e nem consigo ficar chateado com isto. Há apenas uma indolente sensação de cansaço mental, de incapacidade de compreender como é que chegamos a este ponto. O Benfica, sem qualquer exagero, foi melhor que nós em tudo e tem sido essa a imagem da temporada. Foi melhor a defender, melhor no meio-campo e melhor a atacar (mesmo com 10). Foi mais lutador, mais inteligente e mais astuto. Foi melhor tecnicamente, tacticamente e moralmente. E o Benfica jogou sem seis ou sete titulares, só para termos uma ideia do nível a que o FC Porto chegou em 2013/2014. É um bola de neve que se foi formando desde o início da época, com má gestão física (Herrera, Defour, Fernando, Varela, Jackson, Danilo e Alex Sandro acabaram o jogo de rastos), pobre gestão de pessoal (o meio-campo em constante mudança, avançados como alas, duplas de centrais em permanente mutação, diferença enorme entre sectores, pouca alternância de jogadores-chave), fraco talento em campo (inúmeros passes falhados, golos desperdiçados, cruzamentos mal efectuados, bolas paradas ineficazes) e uma inexistente estratégia de jogo que me faz pensar que se passou o ano todo em treinos que consistiram num total vazio. Ainda por cima, hoje o Benfica não foi nada de especial, como já não tinha sido em Lisboa no jogo da Taça. Foi simples, directo e prático, com as segundas linhas a lutarem mais que as nossas primeiras, sem que as nossas primeiras tivessem um pouco de brio para perceber o que raio haveriam de fazer para contrariar o que estava ali tão perto e ao mesmo tempo tão longínquo. Sucedem-se os passes ridículos, curtos e longos, os cruzamentos sem nexo, os golos falhados à boca da baliza, as perdas de bola em progressão e a tradicional borrada nos penalties que todo o estádio adivinhou mas ficou a ver se o destino nos mudava as sortes. Passamos noventa minutos a atirar o equivalente a bolas de algodão a uma carapaça de ferro, cheia de brechas mas que fomos incapazes de descobrir no tempo certo e com a intensidade certa. Fracos de espírito, sem ideias concretas, sem concepção de um fio de jogo que passe por mais que endossar a bola a Quaresma ou a Varela e esperar que dali saia algo de produtivo. Um meio-campo sem elasticidade, sem força, sem tino. Todos incapazes de se agarrarem a uma fugaz bóia de salvação de uma época miserável, esta merda desta Taça da Liga que todos os anos desdenhamos e que este ano podia ser algo que nos desse algum (pouco) alento. Não há cabeça, nem para isso. E continua a ser isso, acima de tudo, que vejo ausente da equipa há tantas semanas e que me leva a desistir de acreditar em quase todos os jogadores do FC Porto que vejo com a bola nos pés: cabeça. Continuo a insistir que é a cabeça que mais falha e as pernas vão atrás, mas atrevo-me a fazer uma matriz rapidinha: com cabeça e com pernas, como na época de Mourinho, tudo parece fácil; sem pernas mas com cabeça, como no ano de Adriaanse, o esforço é máximo e nenhuma bola é dada por perdida e o talento eventualmente dá frutos; com pernas e sem cabeça, como no ano passado, lá se vai dando uma para a caixa de vez em quando com mais força, mais um bocadinho de garra e com um bocadinho de sorte chegamos lá; sem pernas e sem cabeça…eis o FC Porto 2013/2014, a pior equipa do meu clube que me lembro de ver jogar desde que comecei a gostar de futebol.


Faltam dois jogos para terminar este pesadelo. Dois jogos em que vamos entrar em campo cada vez mais vergados ao peso de uma mentalidade fraca, sem espírito vencedor, que esmaga a alma e derrota o espírito. O FC Porto é um estado de alma, dizia Bitaites. Oh, Professor, e agora como é que nos vemos livre desta?

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