Procurem a calma depois da tempestade, não busquem outra tempestade

Devo ser dos poucos portistas que depois do jogo da Luz não começou a estrebuchar em todas as direcções contra jogadores, treinador, tácticas, bloqueios, arbitragens, foras-de-jogo, presidentes, treinadores, jornalistas, uruguaios, professores e outras personagens variadas. Porque qualquer alvo serve para despachar a ira depois de uma derrota, ainda mais quando a derrota acontece no estádio do principal rival.

Faço um apelo à calma. Ninguém está mais chateado com a derrota que os próprios jogadores. Ninguém está mais enervado que o treinador quando vê a equipa a definhar fisicamente e não consegue inverter o rumo dos eventos. E os adeptos, com todo o direito mas nem sempre com o sangue frio que se exige nestas circunstâncias, parecem enlouquecer com todo e qualquer pormenor que transformam em pormaior depois de perceberem que foram lesados, na cabeça deles ou de facto no campo. E tudo isto numa altura em que é vital…o apoio dos mesmos adeptos.

Frentes? Uma. A nossa e a que procuramos. São sete jogos, meus amigos, sete míseras sequências de noventa minutos em que se pede sangue e suor para podermos acabar em lágrimas de alegria. Não nos percamos na soberba de acusar os outros de actos que nós próprios seríamos os primeiros a enaltecer se as cores fossem diferentes. Lembrem-se do Barcelona de 1994 contra o Milan, o Bayern de 1999 contra o Manchester United ou então, mais perto de nós, lembrem-se do FC Porto de Fernando Santos de 1999/2000 que perdeu o título quando tinha tudo na mão para conseguirmos o hexa. Lembrem-se dessa soberba. É que parece que uma grande parte de todos os portistas começou a considerar um jogo contra o Benfica (ainda por cima em Lisboa, sacrilégio!) como um jogo de “must-win”. Esquecem-se que é um jogo de tripla, quando muito inclinado mais para o 1 que para o X ou o 2. Oh, hubris, thy name is Porto, indeed.

Notem as declarações de Moutinho logo na flash-interview, à saída do relvado:

“Sofremos três golos e só conseguimos marcar dois. Fizemos um excelente jogo, criámos oportunidades que podiam ter dado a vitória, mas no futebol passam-se outras coisas e o adversário também está a jogar. Era uma competição que queríamos ganhar, apesar de não ser prioritária. A prioridade é o campeonato, mas viemos para vencer. Infelizmente, às vezes as coisas não são como queremos”

Simples. Prático. Objectivo. Sem querelas, sem insinuações, sem provocações. Como precisamos. Como todos devemos fazer enquanto estamos na luta pelo campeonato.

O tempo para balanços não é agora. É mais tarde, lá para o meio de Maio. Até lá, exige-se apoio. O clube exige apoio. O nosso coração devia dizer o mesmo.

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Another time, the same place

25 de Setembro de 1994.

Estava uma tarde amena mas pouco solarenga na Invicta. Estava sentado na Superior Sul do Estádio das Antas, ao lado do meu amigo daquelas andanças, pronto para mais um espectáculo que se esperava épico, como todos os eventos a que se assiste quando se é adolescente e nada cínico, onde o mundo é uma ostra pronta para ser aberta pelas delicadas mãos de um rapaz que anseia viver, conhecer, sentir. Que lírico que eu era, meu Deus. Entre conversas, anedotas recorrentes e mais uma mijadela antes de entrar para o campo, espera-se pelo início da partida. A equipa da casa, com as belas camisolas azuis-e-brancas, irrompe do túnel com a tradicional pujança do Dragão (o animal mitológico, entenda-se), acompanhados pelos suplentes e pelo treinador, um amável e entusiasta do futebol, “sir” em título e “mister” de profissão, Robert William Robson. Bobby para todos, não só para os amigos. João Pinto, tocado e poupado, juntamente com Aloísio. Tinha havido jogo contra os polacos do Lodz durante a semana e íamos à Polónia defender a vantagem de dois golos a meio da próxima, antes de jogarmos contra o Benfica na Luz passados oito dias. Semana difícil, dura, rija, com Rui Filipe ainda na cabeça e o calendário sem misericórdia para lamentos.

Mesmo com todas estas condicionantes, no onze havia grandes nomes, grandes vultos do nosso então presente. Baía na baliza, com a camisola garrida do costume. O “Bicho” na defesa, ao lado de José Carlos, o reserva que seria titular em qualquer equipa menos na que tinha Aloísio para o seu lugar cativo. Secretário substituía o capitão e Rui Jorge cobria o flanco esquerdo. No centro, Kulkov construía e Paulinho Santos destruía. Brahma e Shiva, lado a lado. Pela direita seguia Jorge Couto, à esquerda Drulovic. Talento, tanto talento. E na frente, a dupla improvável: Rui Barros e Yuran, com a velocidade do lusitano a complementar a força do soviético. E no banco ainda estavam Cândido, Domingos, Emerson, Latapy e…Baroni. O não-tão-saudoso peruano que já na altura me fazia pensar: “Hei-de te imortalizar, Ronald, vais ver!”.

O jogo começou, lento, chato. A produção era pouca, parcos remates, o tempo ia passando e os doze mil nas bancadas lançavam um enorme bocejo entre eles. E eu, ali sentado, temia que perder pontos tão cedo na época (afinal íamos apenas na quinta jornada) nos podiam começar a atrasar na luta pelo campeonato que na altura não era nosso. Era deles. Era do Benfica. Havia de ser nosso novamente, mas naquele momento tinha fome de títulos. Robson, gritando a partir do banco, dilacerando a lusa língua antes de quaisquer acordos, inventando palavras que só ele sabia pronunciar, tentava animar a equipa. Mas nada feito. O intervalo chegava e o nulo era óbvio, entediante, aborrecido, justo. Sir Bobby, dinâmico nas substituições como raramente o fazia, faz sair Jorge Couto e entrar Domingos para a segunda parte. Nem um minuto foi preciso para que o “nove” que na altura foi “quinze” (porque os números ainda não eram fixos) enfiar a bola na baliza de Álvaro e erguesse o estádio numa onda de alegria. Dois minutos depois e Rui Barros, pequeno em estatura mas gigante em alma e querer, lá fizesse subir o marcador mais uma vez. Don Pasolini nos altifalantes, pneus Kleber para meio mundo, Dancing Queen a tocar e siga a rusga. E o jogo morreu de novo. Os jogadores pararam de jogar, de correr, de suar, porque noventa minutos é tempo para cansar um pedaço e ainda temos uma viagem ao leste e depois à Luz, oh mister, aguente lá os horses.

Acaba o jogo. A malta, satisfeita com o resultado mas desgostosa com a exibição, começa a sair para o final de tarde domingueiro, a caminho das suas famílias, dos carros, dos restaurantes. Mas…que se passa no relvado? Olho para o relvado e vejo que o Zé, o adjunto/tradutor do “mister”, está a chamar os moços todos porque o treinador quer falar com eles. “Então o jogo já não acabou?!”, perguntam alguns a meu lado. “Sei lá, amigo, parece que não!”. Entram as bolas, juntam-se os moços ao centro, uma conversa rápida com Robson aos gritos, e começa tudo a correr em formação. Treino físico, parecia. Mas como?! Depois de um jogo? Se houvesse uma altura em que pudesse ter ficado qual figura de cartoon com o lábio inferior a cair para me bater nos joelhos, esse era o momento certo.

Mas o que vi foi muito simples: o treinador da minha equipa, quando viu que os seus rapazes não se esforçaram o suficiente durante o jogo, não gostou. O público não merecia e ele muito menos, por isso puniu-os, à vista de todos. Mostrou a toda a gente que quis ver e que ficou a olhar boquiaberta para o que se estava a passar, que com ele aquilo não podia acontecer. O esforço tem de ser máximo, os “cento e vinte percent” que Robson tantas vezes gostava de dizer, era essa a percentagem que queria ver em campo.

No passado Domingo o estádio era outro. O tempo era outro. As pessoas são outras. Mas se ainda tivéssemos a mentalidade de Robson, ter-se-ia passado o mesmo. Robson foi campeão à custa de talento, força e muito suor. Quando os jogadores não queriam, Robson obrigava-os a querer. Vitor Pereira ainda não fez o mesmo. Não sei se terá tempo de o conseguir.

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Nestes dias, o ponta-de-lança que não é ponta-de-lança não é ala quando é ala

Ontem, lá para o meio do último terço do jogo, Vitor Pereira decidiu mais uma vez pela entrada de Kleber para a zona central, retirando Rodriguez e fazendo Hulk descair para a linha. Aliás, aposto que ontem as três substituições foram adivinhadas pela grande maioria dos portistas, não por terem sido fracas e previsíveis mas porque pareceram adaptadas, pelo menos no papel, ao jogo em questão. O ponto que gostava de focar é a necessidade da introdução de um elemento ofensivo central numa altura em que o jogador que estava a ocupar aquela posição está numa condição física que já não lhe permite efectuar a transição para a lateral de uma forma eficiente. Tornando o discurso mais coloquial e menos formal, meter o Kleber ao meio e encostar o Hulk na ala quando o moço está cansado não rende.

A ideia é interessante, especialmente quando a equipa está a precisar de transformar o jogo numa sequência de passes mais directos e incisivos, abdicando da troca de bola a meio-campo. Com a colocação de um corpo extra na área, capaz de receber cruzamentos e servir como parede para tabelas entre ele e os extremos que fazem diagonais ou médios mais subidos para remates frontais, a capacidade ofensiva e a pressão são aumentadas para carregar nos últimos cinco minutos como um elefante do exército de Aníbal. O de Cartago, não o de Boliqueime, entenda-se.

Mas o que vi em Alvalade foi a entrada de Kleber que pouco cheirou a bola, alimentado por um James desacompanhado, um Álvaro esforçado e um Hulk francamente cansado. Foram apenas 15 minutos mas tanta falta fazem esses novecentos segundos de intensa pressão, quando o adversário está a começar a duvidar das próprias capacidades físicas e técnicas, naquele período em que ataque após ataque começa a gerar no pontual inimigo uma descida de auto-confiança como a de um adolescente borbulhento quando se olha ao espelho. E Hulk, quando é encostado à linha para finalmente poder pautar o jogo com os arranques, as fintas em progressão e os remates de longe, já está cansado de umas largas dezenas de minutos a pressionar centrais e a perseguir as bolas perdidas sozinho com os colegas a 20 ou 30 metros atrás no terreno.

É algo que deve ser revisto por Vitor Pereira por forma a rentabilizar melhor o nosso Givanildo. Ou então é colocar o rapaz na ala onde é mais produtivo…e esperar até chegar o tal messiânico ponta-de-lança que possa entrar direitinho para titular e Falconizar o nosso ataque. Ou não.

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A rotação – parte III

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Aqui é que a suína dobra a vértebra flexível da rectaguarda. A aposta num ponta-de-lança com pouca experiência parece estar a rebentar na cara dos decisores e o risco que parecia evidente mas controlável aparenta estar a tornar-se num problema. É evidente que Hulk pode render ao meio, mas valerá a pena sacrificar um jogador que traz mais-valias tremendas quando joga na ala e transformá-lo num ponta-de-lança sem o apoio que necessita, depositando grande parte da esperança ofensiva nos seus ombros? É fácil dizer que não mas os númeors recentes tornam o sim numa prova irrefutável: o FC Porto tem rendido mais com Hulk ao meio. Nem Kleber nem Walter mostraram até agora ser soluções de curto prazo que garantam golos e por muito que tenham sofrido com o efeito “ai-que-falta-faz-o-Falcao”, a verdade é que os números não mentem. Será uma aposta a manter? Se não houver movimentações no mercado em Janeiro, presumo que sim.

Já em termos dos dois alas, tanto antes como depois de Hulk ser colocado numa posição mais central, para além do brasileiro houve uma aposta clara em James. Varela tem sido uma sombra dos anos anteriores (sem piadas racistas, atenção!) e Cristian Rodriguez é o costume: esforçado mas pouco produtivo. Iturbe teve o azar de se lesionar e só agora começa a regressar à competição e a grande surpresa tem mesmo sido Djalma, que poucos achariam ter hipótese sequer de calçar bota no banco, já vai no quarto jogo consecutivo como titular e tem servido como um elemento útil para acelerar o jogo pelo flanco. É um trapalhão, mas esforça-se, tal como o Rodriguez, com a vantagem de ganhar 140 vezes menos. No entanto, como em Janeiro deverá zarpar para o Gabão com a selecção de Angola para disputar a CAN, abre-se uma vaga para um extremo…será Hulk?

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