E que tal voltarmos a ser arrogantes?

Há uma incongruência latente nos últimos três jogos do FC Porto, curiosamente todos disputados em diferentes competições. Uma espécie de contradição entre o que se diz e o que vejo ser feito que me está a pôr a cabecinha toda comidinha por dentro. Logo eu, que faço por preferir a lógica em detrimento da paixão sempre que posso, não consigo perceber o que se tem vindo a passar. Então não é suposto termos uma equipa que joga em posse? Que tenta dar o privilégio a manter o controlo da bola, rodando-a entre os nossos jogadores até que seja encontrada uma brecha nas linhas do adversário para conseguir subir de uma forma sustentada pelo terreno, pressionando entre toques atrás de curtos toques, como um exército da era moderna a avançar em passo contínuo pelos terrenos de um campo de batalha? Pensava que sim, mas não é o que tenho visto em tempos recentes.

Desde Santa Eulália, passando no Dragão contra o Dínamo e agora no Estoril, houve largos períodos do jogo em que a bola foi entregue ao adversário com uma facilidade absurda, como se os princípios de jogo tivessem sido atirados abaixo de um penhasco e amarrados com um fio de norte para poderem ser puxados para cima caso fosse necessário. E foi também evidente que bastaria uma pequena aceleração dos processos, uma recuperação moral que faz com que cada jogo tenha de ser nosso desde o início, um regresso à base tão simples como ver o David Luiz a jogar com os braços, bastaria esse pequenino empurrão de velocidade, garra e inteligência competitiva, e o mundo regressaria aos seus eixos e as forças da física e do futebol modernos voltariam a fazer sentido. Mas porque raio temos deixado que os adversários peguem no facho do jogo e nos empurrem para a nossa defesa?

Não entendo, palavra. Parece que estamos a perder a arrogância positiva que devíamos impôr em cada confronto em que estamos envolvidos, aquela exclamação que todos os portistas têm em todos os jogos: “É para ganhar, carago!”. E nos últimos tempos não tenho visto isso. Não apregoo que nos lancemos por cima do adversário como elefantes depois de umas snifadelas de coca, até porque aprovo o estilo e agrada-me ver a construção de trás para a frente com calma e com um jogo pausado e pensado. Mas preciso de mais. Preciso de ver os jogos ganhos com autoridade, sem a tremideira que inevitavelmente se tem sucedido à conquista de um resultado positivo, em que o adversário tem a bola mais tempo do que devia e onde a nossa defesa fica exposta a um lance fortuito, um remate de longe, um ressalto ou uma jogada de inspiração que nos faça perder pontos, para lá do cagaço com que fico sempre que a bola é enviada para a nossa área e tenho de depender que Helton ou Maicon não estejam distraídos a pensar no Batman ou no arroz de pato que vão comer mais tarde.

Preciso de mais. Precisamos todos de um bocadinho mais.

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A incerteza das substituições

No jogo contra o Paris Saint-Germain houve dois pormenores que me ficaram guardados na memória. Aos 73 minutos, Vitor Pereira tira Varela e faz entrar Atsu. Nada de estranho, de extraordinário ou questionável. As pernas do português estavam a ceder depois de muita correria e de uma intensa pressão sobre ambos os flancos onde alinhou, ajudando a carregar sobre o adversário e a tapar o flanco para as eventuais subidas de Alex Sandro ou para proteger contra o eventual overlap dos franceses. O ganês entrou, cheio de garra e vivacidade, desfez várias vezes os rins a Jallet, então o seu adversário directo, arrancou dois remates e vários cruzamentos perigosos e ajudou o FC Porto a empurrar o inimigo para dentro da sua área até que James se lembrou de dar aquele toque na bola que nos deu três pontos e saciou a sede de uma vitória que demorava a chegar. A substituição tinha sido óbvia, esperada e correu muito bem.

Oito minutos depois, ainda com o resultado a zeros, Vitor Pereira manda sair Lucho e entrar Defour. O argentino, esgotado depois de correr por ele e pelo que James não conseguia, ajudando a pressionar o adversário pelo chão e pelo ar, com intercepções valiosas e uma mão-cheia de passes brilhantes, sai de campo para dar lugar a um belga voluntarioso, bom tecnicamente, com uma visão de jogo prática, simples, de posse. Defour entrou…e o meio-campo ressentiu-se. Sofreu porque nada corria bem a Steven, nem um passe calmo ou uma desmarcação tranquila antes ou depois da obra-prima de James. A bola parecia queimar e as corridas saíam sempre para o lado errado, deixando o centro do terreno entregue ao mini-mega-Moutinho ou ao Rochedo de Goiás, Fernando, que já cansados ainda tiveram de cobrir as falhas de Defour, que até vinha de uma série de boas exibições com a nossa camisola. O meu colega do lado gritava: “Se foi para esta merda que o meteste mais valia o Lucho cansado, pá!“, dirigindo-se a Vitor Pereira como o principal responsável pelo mini-terramoto que abalou o nosso meio-campo e ajudou a somar ao sofrimento do resto das bancadas, felizmente por pouco tempo. E, no entanto, a substituição fez todo o sentido e só não terá sido feita mais cedo porque o jogo não estava ainda ganho.

É ingrato seleccionar um jogador para sair quando estão todos a jogar bem. Ainda mais quando a equipa, até aí estável emocional e estruturalmente, pode vir a desagregar-se fruto de uma opção menos acertada do treinador que vê o jogo como nós vemos, mas a uma altitude bem mais baixa. E é difícil compreender o porquê de uma ou outra substituição, por muito que seja uma tradição acontecer sempre por volta dos mesmos minutos com quase sempre os mesmos intervenientes (lembrem-se das trocas de Meireles por Tomás Costa, de Tarik por Mariano ou McCarthy por Jankauskas, entre muitas outras), ser oscilante no efeito que traz a uma equipa.

A cabeça do treinador está sempre no cepo durante um jogo. Mas nunca está mais em xeque como depois de uma substituição que não lhe corre bem, especialmente quando a culpa não é dele, nem dos jogadores. It just is.

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Firmeza

Entrevista  a Pedro Baptista, em 2006:

“Nós observamos os adversários, o maior nº de vezes possível, e em função da dificuldade de construção de jogo em determinada zona, em função da dinâmica que o adversário promove, nós trabalhamos sobre isso, o principio de jogo para jogo, a intenção de… não muda, mas estrategicamente fazemos de uma forma ou de outra em função daquilo que nós julgamos ser o mais adequado para aquele jogo, para o ganharmos.”

Conferência de imprensa depois da vitória sobre o Braga, ano passado:

“Se Hulk vai continuar a jogar ao centro? Vamos ver. Para já estou satisfeito com a produção dele, não só com os golos, estou satisfeito com a produção da equipa e com o que nos deu.”

Conferência de imprensa depois da vitória sobre o Beira-Mar, no passado sábado:

“Haverá jogos em que precisaremos disso, mas não estou muito inclinado a mexer no miolo e satisfazer aqueles que acham que o James, jogando a 10, é muito mais jogador. A dinâmica do meio está muito bem assimilada e dá-me gosto de ver o meio-campo assim”

Ao ler as declarações de Vitor Pereira, só fico com uma certeza: cada jogo é um jogo e as opções tácticas dependem do adversário e da melhor forma de o bater. E esteja certo ou não, tenho a certeza que a convicção não muda com o vento. Gosto disso.

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Um apelo à calma

Começo por citar algumas palavras que escrevi aqui há uns anos, na altura que Villas-Boas arrancou como treinador principal do FC Porto:

“Naquele que será talvez o início de época mais importante dos últimos anos, em que precisamos de estabilidade e tempo para maturar, para evoluir positivamente, para solidificar ideias e estratégias, para crescer como colectivo numa altura de indefinição…numa época onde temos muitos novos jogadores todos eles bastante jovens, com o período de adaptação que todos atravessam numa fase de mudança de hábitos, ritmo e vida…e é nessa altura que esta corja de adeptos aparece para se congratularem com o que para eles é o óbvio, eles que provavelmente eram os primeiros a contestar Jesualdo quando as coisas corriam menos bem.”

Parece-me lógico que as coisas mudaram um pouco desde então. É verdade que não estamos no arranque de uma nova era. Não há passagem de testemunho de um treinador cansado com uma equipa cansada e adeptos cansados. Não acabamos de sair de uma temporada em que a Taça de Portugal pouco serviu para limpar a imagem de uma temporada fraca com um pecúlio limitado. Não tivemos duas derrotas consecutivas num torneio fora de Portugal contra adversários de calibre igual ou até um pouco inferior ao nosso. Mas houve algumas coisas que não mudaram.

Continuamos com a desconfiança natural num treinador que era jovem, inexperiente e olhado de lado por ter passado um naco da carreira dele ao lado de um dos homens que se tornou um vencedor a nível europeu da forma mais rápida que há memória triunfadores do futebol mundial. Continuamos com o plantel instabilizado com notícias diárias de putativas saídas de membros fulcrais (Bruno Alves e Raul Meireles em 2010, Álvaro Pereira e Hulk em 2012). Mas acima de tudo continuamos com adeptos a reclamar por tudo, com tudo e de tudo, antes mesmo de vermos a bola a rolar num ambiente diferente, onde os pitões podem rasgar e a competição já magoa. Continuamos numa espécie de limbo virtual, como se nos colocássemos num qualquer football manager ou casino online em que os jogadores e apostadores se lançam numa demanda doentia pelo cinismo do botabaixo e ficam chateados quando vencem porque não vencem como queriam vencer. Onde se compram e vendem nomes e números pelo prazer do jogo e da competição pessoal em detrimento da causa maior: o FC Porto.

Por isso, meus caros, vamos lá ter um bocado de calma. Ao menos esperem até haver algo que possam criticar, se é que vai aparecer. Villas-Boas, depois do fraco Torneio de Paris, surgiu na Supertaça em grande e venceu o Benfica por 2-0. Dêem o benefício da dúvida a Vitor Pereira. Sim, mais uma vez. Deixem o homem fazer o trabalho dele. Depois, se as coisas não resultarem, critiquem. Mas façam-no com factos, não com conjecturas. Vocês, os portistas, são melhores que isso.

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Baías e Baronis 2011/2012 – O treinador

Como corolário lógico, a análise ao treinador:


VÍTOR PEREIRA

A primeira temporada de Vitor Pereira ao comando do FC Porto foi cheia, foi longa, foi dura. Parecia impossível um defeso começar tão rijo, continuar tão tranquilo até terminar tão anti-climático. Afinal saem dois jogadores, um vital, outro nem por isso. E Vitor, ex-segunda liga, ex-segundo, ex-subalterno, é empurrado para a frente com a confiança da direcção e a desconfiança dos adeptos. E as coisas começaram mal por culpa de todos. Jogadores, apoiantes, o próprio Vitor incapaz de lidar com um plantel gordo de conquistas e obeso de ego. Desconfiava-se de tudo e de todos, porque os rapazes não corriam, a alma não era a mesma e a vontade não estava ali. Não me juntei à turba com as forquilhas em riste. Critiquei e muito, como acho ser o meu dever. Mas nunca recorri à humilhação pública que tanto portista ousou fazer passar das goelas para fora e hoje orgulho-me disso. “O problema que Vitor Pereira enfrenta é complicado e estes últimos dois jogos serviram para perder mais algum capital de confiança perante muitos sócios que ainda aqui há uns meses viram a equipa a jogar como raramente tinham visto nos últimos anos e só pensam: “Mas só saiu o Falcao e o Villas-boas, que mais pode ter mudado?”…e vão-lhe começar a apontar o dedo. É um selo difícil de tirar e as vitórias terão de começar a aparecer rapidamente, caso contrário a vida pode começar a ser muito difícil para o treinador do FC Porto.“, disse contra o Benfica. Porque Vitor Pereira era exactamente aquilo que se via: trabalhador, honesto, pouco mediático, sem pachorra para holofotes, para homilias em frente ao microfone da sala de imprensa. Não era um Mourinho que ali via de fato-de-treino na relva do Olival. Era um homem simples, sem hábitos caros, sem vida pública e exposta, sem chama mas sem falsidade. E a equipa sentiu isso, os jogadores sentiram isso e perderam a fé durante meses. Vitor foi incapaz de pegar na amálgama de nações e feitios e convertê-los na máquina que há poucos meses se via a calcorrear os estádios da Europa e a humilhar equipa atrás de boa equipa. Falhou. E eu, ainda desaminado, quis acreditar do alto da minha eterna e ingénua fé à Padre Américo que não há rapazes maus e que Luke vencerá sempre Vader mesmo que Vader esteja dentro de portas. E Vitor Pereira levantou-se. Num épico e eterno jogo na Luz, quando arranca uma vitória que poucos esperavam mas sustentada numa exibição de garra, de força, de vida portista como há tanto tempo não se via. Porque levou adeptos a pontapear cadeiras em restaurantes, a gritar até as vozes fugirem para longe, a viver o clube que amam e do qual nunca desistem. Como Vitor fez. Um amigo disse-me que a partir daquele jogo na Luz nunca mais perdíamos para o campeonato. Acertou. Nessa incrível partida disse: “Cinquenta e oito minutos de jogo. Olho para a televisão e não acredito: sai Rolando, entra James. Em conversa com um amigo disse-lhe repetidamente que James não era a melhor escolha, que ainda não me parecia que tivesse fibra para estes jogos, que não ia resultar. E o demente do nosso treinador, quiçá possuído do espírito Adriaansiano, toca de enfiar Djalma a defesa-direito e James na frente por trás de Janko. Loucura, pensei. O homem está a arriscar a carreira em dois números que enviou ao quarto árbitro. E fê-lo, com uma coragem tão férrea como a Ponte D.Luiz, e ganhou. E a substituição de Moutinho, que adivinhei por ser mais que esperada, ainda mais risco trouxe, porque mostrou ao Benfica: “Estão a ver isto? É para ganhar, amigos, nós estamos aqui para ganhar o jogo!”. E o golo aparece. Vitor Pereira grita. Eu também. E respeito a força de vontade, a resolução granítica de pugnar pela vitória. Eu não teria tido a coragem de fazer a primeira substituição, quanto mais a segunda. Ele teve. E é por isso que lá está. Parabéns, Vitor.“. E Vitor Pereira soube aprender com os erros, mantendo-se firme na convicção e pondo a mão por baixo dos jogadores tal como a direcção soube pôr a mão por baixo dele, ajudando-o em Janeiro a reequilibrar as contas da casa com saídas exigidas e necessárias (se bem que a ausência de alternativas no meio-campo podia ter sido mais penalizadora) e a chegada de alguns elementos fundamentais como Lucho, Janko e…Paulinho para o banco. Vitor agarrou a equipa e fez dela o que teve de ser: trabalhadora e empenhada quando desinspirada e acima de tudo eficaz. Com todo o mérito.

Não podia haver melhor altura para fazer esta análise. Mesmo no dia seguinte a uma das melhores entrevistas que me lembro de ler de um corrente treinador do FC Porto (Zé Luís lembrou Jesualdo e Villas-Boas pela negativa mas eu recordo uma excelente conversa de Fernando Santos, creio que ao JN, na altura da polémica segunda temporada), com uma honestidade invulgar e uma candura sem vícios, sem as prepotências tão alvissaradas pelos media deste país, ávidos pelo sangue do diz-que-disse e do nojento bate-boca. Vitor Pereira, campeão na primeira temporada, falou de tudo que quis e de todos pelo todo, com poucos nomes e muitos conceitos, a dar o braço ao torno sem esquecer os méritos que o grupo lhe deu e que ele próprio soube retribuir. Porque esta primeira temporada foi cheia, foi longa, foi dura. E no fim, foi dele.

Momento Baía: Sem a mais pequeníssima das pequeníssimas dúvidas: a vitória na Luz. Não só pelo que significou para a equipa e para os adeptos pelo resultado obtido em casa do então líder do campeonato, mas principalmente pela forma como lá chegou e pela influência que Vitor Pereira teve a partir do banco. A atitude “winner takes it all” foi essencial e foi o fim do mito que o treinador não aguentava até ao final da temporada. Até podia não ter sido campeão, mas tinha vincado uma imagem perante os adeptos que era mais do que até lá tinha mostrado ser. Com tomates de ferro.

Momento Baroni: Houve vários momentos bastante maus. Muito, muito maus, e Vitor Pereira tem a noção perfeita disso. A derrota em Coimbra para a Taça foi humilhante. A derrota em Manchester foi muito má, especialmente pelos números, bem como a derrota em Barcelos apesar das condicionantes da arbitragem. Empates contra Feirenese e Olhanense…frustrantes. Mas dois desses momentos foram particularmente baronizantes na época de Vitor Pereira: a derrota com o APOEL em Chipre e com o Zenit em São Petersburgo. Ambos deixaram evidentes lacunas de organização em campo, de solidariedade entre colegas e um espírito de desunião a que foi penoso assistir.

Nota final 2011/2012: BAÍA

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