Pressão

A pressão é uma meretriz. Dá cabo de uma pessoa, rói as entranhas como a segunda cabeça do Alien e pode transformar o maior candidato a beato num poço de fúria descontrolada. É difícil de lidar com ela, como uma amante exigente ou um filho desgovernado, e só os muito fortes a conseguem olhar nos olhos e dizer: “Hoje não. Hoje quem manda sou eu e não me vais mandar abaixo. Nem que me rasgue todinho, hoje eu é que fico por cima, ouviste, Odete?”. Às vezes dá jeito dar nomes à pressão, quanto mais não seja para personificar uma imagem etérea num ente físico, como um saco de areia. Isso. Odete pareceu-me um bom nome. Adiante.

Vitor Pereira está neste momento a meio da escada para o fosso. Com um arranque de temporada abaixo das expectativas criadas pelo próprio clube, gerindo o maior orçamento da nossa história e pegando numa equipa que jogava bom futebol, dominava a relva em Portugal e no estrangeiro, o inexplicável afundamento está à vista de todos e não podemos negar que a fase que atravessamos é complicada. A gestão destes momentos é crucial e o futuro próximo é difícil de prever, mas há no entanto que tentar perceber como é que se chegou a este ponto que não sendo irreversível começa a ganhar contornos de pré-catástrofe na cabeça dos adeptos e da comunicação social, sequiosa por sangue como um vampiro a fazer dieta de pescoços carnudos.

Lembremo-nos do ano transacto. Chegado ao clube, Villas-Boas recebeu pouca pressão a não ser a que trazia já na bagagem. O discípulo de Mourinho, o seguidor de Robson, o informático e estudioso do Football Manager. Todos estes epítetos gozões foram lançados à cara do nosso treinador que, estoicamente, apanhou com todas as canas e voltou para mais. A equipa da altura, desagregada e acabada de sair de uma época que não sendo abismal a nível de resultados (dois troféus, outro perdido na final, um terceiro lugar no campeonato e a eliminação da Champions com uma humilhante derrota por cincazero em Londres perante o Arsenal), tinha ficado bastante longe do que o então tetra-campeão deveria ter feito. Elementos-chave da equipa estavam desagradados e manifestavam desejo de sair, que lhes foi concedido. Líderes de balneário foram vendidos e os adeptos, resignados, esperavam um ano de transição para novos métodos, novas ideias e acima de tudo parecia haver um clima de quase-serenidade principalmente após a vitória na Supertaça frente ao todo-poderoso Benfica que vinha exactamente de um ano em que tudo lhes tinha corrido bem. Villas-Boas conseguiu pegar neste grupo e transformá-lo numa formação dominadora, que impunha o futebol com força e talento, que pé ante pé conseguiu vencer consistentemente e sem contestação até se tornar rei por mérito próprio. A pressão que então existia era nula. A liberdade que os jogadores tinham, os excelentes jogadores que agora são insultados por tanta gente de azul-e-branco, permitia-lhes desenvolver o seu futebol, a sua melhor arma era a simplicidade e a maior valia era inquestionável. A pressão, repito, não existia. Começou a aparecer apenas quando chegámos a um ponto em que a semente foi gerada no fundinho do coração do maior pessimista, que germinava dizendo suavemente: “Este ano vamos ganhar tudo.”. E ganhámos. Com maior ou menor dificuldade, mais ou menos golos, melhores ou piores exibições, mas ganhámos.

Este ano, a pressão disparou. E aqui, minha gente, é que a curva foi feita para o poço. Porque no papel, tudo parece funcionar. Mas no campo, ali onde as coisas acontecem, nada está a acontecer.

Vitor Pereira está a ceder e rapidamente demais para o que algum de nós estivesse à espera. Como Fernando Santos em 1999 (que perdeu o balneário para as figuras principais e foi incapaz de lhes dar a volta) e Jesualdo em 2009 (idem), Vitor está a fazer desmoronar a confiança que todos tínhamos na nova temporada em meia dúzia de jogos. A pressão, baixa e fraca em 2010, cresceu este ano para níveis estratosféricos. Quando vemos uma exibição como a de quarta-feira, em que dez jogadores são os mesmos que no ano passado e apenas um foi trocado, só podemos questionar que uma grande parte do problema está a vir do topo. Os jogos parecem arrastar-se numa espiral descendente, onde os jogadores alinham com medo de jogar, com receio de falhar, com uma intensa falta de confiança nas suas capacidades (que existem porque já as vimos e eles já as mostraram tantas e tantas vezes) e a desagregação em campo é notória. Vemos Moutinho a forçar passes fracos quando nos habituámos a vê-lo a parar e escolher o melhor caminho para a bola; assistimos a um pobre Guarín que não consegue acertar uma bola em condições e se enerva à mínima contrariedade; presenciamos Álvaro, aquela flecha que raspava pelo flanco esquerdo em alta velocidade, transformado numa pobre desculpa para um Esquerdinha sem ritmo; até James ou Otamendi, peças que se esperavam fossem fundamentais na equipa este ano, parecem absortos, medrosos, tristes, infelizes. O próprio discurso de Vitor, que não tem a inspiração e a verve do seu antecessor (porque a personalidade não se compra e a seriedade por vezes é erradamente confundida com inépcia), não parece conseguir desligar-se dos eternos clichés da bola, traz uma imagem de resignação a que não estamos nem podemos estar habituados. E enquanto esta pressão vai aumentando, menores hipóteses têm os jogadores de se redimirem aos olhos dos adeptos, porque é muito mais penoso cair depois se estar lá em cima do que quando ainda se está a subir.

À medida que o tempo passa e nem os resultados nem as exibições melhoram, fico preocupado. Porque como tantos treinadores antes dele, Vitor Pereira está a entrar na espiral que leva ao desemprego. A pressão que está colocada em cima destes jogadores é altíssima e é algo que poucos deles estão habituados a enfrentar: provar que são tão bons quanto todos sabemos que são. E se o carvão demora uns bons milhões de anos até se transformar em diamante, estes nossos nacos de carbono, que já são diamantes por mérito próprio, estão lentamente a fazer o percurso inverso.

E é tão fácil passar de bestial a besta. O contrário é que é complicado.

Link:

Tempestade depois da tempestade

I’ve learned that periods of darkness can overcome at any time. But I’ve also found I’m able to endure. Overcome. And in the process grow stronger. Smarter. Better.

Michael C.Hall as Dexter Morgan, Season 6, Episode 1

 

Ser treinador do FC Porto é um emprego fantástico.

Todas as semanas saber que se sai de manhã para um treino com alguns dos melhores jogadores que alinham no campeonato, rodeado de rapazes talentosos, que fazem da bola o que querem e que deambulam pelo campo em brincadeiras de genuína genialidade, com remates fortes que levantam multidões, golos que nascem de jogadas perfeitas e desmarcações que fazem o Riquelme parecer o Amoreirinha. Com este grupo pode-se criar, pode-se adaptar o jogo ao que se quer fazer, com cambiantes tácticas, assimetrias esquematizadas e movimentações astutas. É um sonho, como se diz, poder estudar futebol, perceber o desporto como poucos…e conseguir transmitir essa sapiência para o campo onde vai ser traduzida por onze Mozarts da bola.

Mas, às vezes, ser treinador do FC Porto é um emprego de merda.

Aturar imprensa que procura qualquer brecha para agredir e insinuar falhas e criar histórias falaciosas, abaixamentos de forma, adversários que têm talento e colocam dificuldades, lesões aos principais jogadores, falhas inconcebíveis em rapazes que são habitualmente gente de confiança e a inclemência da metereologia que os lixa no inverno e nas viagens aos países de leste. Não se riam, olhem que ter um treinador doente é mau e só pode trazer chatices. Adiante.

Vitor Pereira tem hoje em dia uma tarefa complicada nas mãos. Como se já não bastasse ter começado o campeonato com a tarefa complicada de gerir a equipa que herdou depois de uma época notável, tem de se aguentar com milhentas complicações entre lesões, baixa de forma de elementos-chave e o que parece ser uma condição física em geral débil da maioria dos jogadores principais do plantel, ao fim de meia-dúzia de jogos já começa a sentir o que é a pressão intensa do que é de facto ser o treinador do FC Porto. E já se começa a falar de rotação desajustada do plantel, do Princípio de Peter ou de substituições inadequadas e a verdade é que não está a ajudar a manter a confiança que os adeptos tinham em alta desde a época passada. A perda dos “bragging rights” para o Benfica depois do clássico de sexta-feira é uma derrota que os Portistas levam a peito e que dá moral aos adversários e apesar das falhas individuais que ocorreram no curso do jogo e alguma falta de sorte explicarem um pouco do que aconteceu, a verdade é que a imagem que foi passada para o exterior não foi a melhor, por motivos que podem ser imputados ao treinador.

Mas creio que ainda é cedo para o nível de críticas que tenho visto e lido por essa bluegosfera fora. A grande maioria da malta que escreve e opina são sócios pagantes, visitantes regulares do Dragão e em alguns saudáveis e importantes casos até de estádios por esse país fora. O rastilho é curto, como acontece sempre neste tipo de situações, e produz declarações exageradas que só podem ajudar a desestabilizar o que é um grupo de trabalho que devemos respeitar até que haja matéria suficiente para fazer uma análise correcta, concisa e com fundamento. Para o bem ou para o mal. Por isso até lá fica o apelo: vamos ter calma, malta. Deixemos que as pessoas continuem a trabalhar para vermos o que vai dar, porque opiniões a quente não ajudam ninguém e nenhum de nós quer ver o nosso clube a entrar na desarmonia que tanto criticamos noutros lados. Critiquem o que acham que devem criticar mas mantenham o respeito pelas pessoas e acima de tudo pela instituição.

Vitor, tens a palavra. E estou tão preocupado como tu com o que tenho visto, mas tens o meu apoio para ultrapassar estas situações. Faz como o Dexter, homem! Mas usa menos facas, por favor.

Link:

They're like peas in a pod!

André Villas-Boas, 1 de Agosto de 2010, após a derrota com o Bordeaux no Torneio de Paris:

“Normalmente criamos muitas oportunidades de bola parada, hoje não fomos nós, foram eles. Mas o árbitro também ajudou, pois marcou muitas faltas. Nas bolas paradas é uma questão de detalhe e temos de analisar os golos sofridos.”

Vítor Pereira, 16 de Julho de 2011, após o empate no amigável com o Borússia Mönchengladbach:

Jogo interessante até à expulsão de Hulk, estávamos a evoluir e a procurar espaços e situações de golo. A partir desse momento, tivemos de nos reorganizar e não me lembro de nenhuma ocasião flagrante de golo deles. Podíamos ter marcado mesmo com dez. Lamento uma arbitragem desastrada. Mesmo perto do final da partida, há um penalty que o árbitro não viu ou não quis ver. Temos de analisar a expulsão do Hulk, mas houve inconsciência do árbitro.

 

Até agora, os estilos são idênticos. Quem aprecia o discurso está a gostar. O resto da malta espera pelos resultados nos jogos a sério.

Link:

Entrevista a Vítor Pereira – Parte III

Terceira e última parte da entrevista do Pedro Batista a Vítor Pereira. Vale bem a pena.

 

P.B: – Quais os princípios defensivos que considera mais importantes no tipo de organização defensiva escolhido para a sua equipa?

V.P: Eu devo-lhe dizer que trabalhamos, sempre em todos os nossos microciclos, a contenção, as coberturas e os equilíbrios defensivos. Mas existem coisas fundamentais para além destas, como por exemplo a identificação de referenciais de “pressing”, existe o atacar o adversário pelo “lado cego”, promover a organização de uma zona pressing inteligente e organizada, no sentido de levar o adversário a sair a jogar de determinada forma na 1 fase de construção, retirarmos espaço e tempo de execução ao adversário, é importantíssimo saber defender por linhas, e estas são as nossas principais preocupações que temos no nosso trabalho semanal.

P.B: Fala em pressionar o adversário pelo “lado cego”, explique-nos o que é isso.

V.P: Pressionar o adversário pelo lado cego é o aproveitamento dum mau posicionamento do adversário, dum deficiente ajustamento dos apoios na recepção da bola que normalmente “fecha” o campo. O que é que eu quero dizer com isto, imaginemos o adversário a sair a jogar pelo corredor lateral direito com o médio centro ou o pivot defensivo a receber passe interior com os apoios virados para esse corredor, voltados para essa lateral, portanto está-nos a dar o “lado cego” e normalmente isso acontece sempre, acontece na linha defensiva ou na linha média. Recebem quase sempre a bola dando “lado cego” e é isto que temos de aproveitar com uma aceleração, com uma acção pressionante sobre o “lado cego”, mas para isso temos de convidar o adversário a entrar na “zona pressing” que estamos a organizar, para depois acelerarmos sobre o adversário e recuperar a posse de bola.

P.B: – Na sua equipa, pretende esperar pelo erro do adversário para recuperar a posse de bola, ou pelo contrário, procura que a sua equipa provoque esse mesmo erro, isto é, que a sua equipa tenha um papel passivo ou activo na recuperação da posse de bola?

V.P: Nós obviamente queremos promover o erro, para isso temos de ser inteligentes, por isso a nossa organização defensiva baseia-se numa organização por linhas, hoje em dia e com razão fala-se em muitas linhas, em função do lado estratégico que é preciso integra-lo no treino, em função da forma que queremos provocar o erro no adversário organizamo-nos nas linhas que achamos necessárias para criar as nossas zonas “pressing”, e esse trabalho é feito desde o nosso primeiro dia de treinos.

P.B: – Gostava agora que me falasse um pouco sobre os princípios defensivos que acha mais importante em cada sector da sua equipa.

V.P: Nós trabalhamos em todos os sectores, as coberturas, as contenções, e os equilíbrios. Dou-lhe um exemplo, no ataque neste momento estou a jogar com 2 avançados, estes 2 jogadores podem não executar muito bem as acções de cobertura, ao nível da contenção podem não ter a agressividade que eu pretendo, apesar de trabalhar estes aspectos, mas se eles em termos posicionais não estiverem bem, se eles não identificarem os referenciais de “pressing”, se eles não acelerarem no momento certo sobre o adversário, vai originar um desgaste dos restantes jogadores, vai originar ineficácia na zona “pressing”, logo vai abortar o plano colectivo defensivo.  Vamos imaginar isto, o nosso adversário joga com um homem entre linhas, entre a nossa linha defensiva e do meio campo, isto apesar de não alterar o nosso trabalho geral de coberturas e equilíbrios, isto exige que para eu ser eficaz em termos defensivos, preciso de um homem que vá jogar nesse espaço entre linhas para controlar esse mesmo espaço. Se pelo contrário o adversário não tem esse jogador entre linhas eu posso não precisar de controlar esse espaço, se calhar vou promover o jogo de coberturas de forma diferente. Eu posso ter um jogador forte, como pivot defensivo, a jogar entre linhas, que no jogo aéreo é forte, eu promovo o seu “encaixe” com a cobertura do meu defesa central ou defesa lateral, onde este homem em situações de finalização do adversário pode “entrar” na minha linha defensiva para me dar mais segurança e equilibrar-me a equipa. O importante é os jogadores saberem o jogo de coberturas, e nós treinamos estes aspectos para que os jogadores entendam o que têm de fazer. Mas o estratégico é fundamental, sem adulterar o trabalho que é feito semana após semana.

P.B: – Gostava que me explicasse os papeis defensivos mais importantes que dá ao médio(s) defensivo(s)/pivot, aos centrais, ao libero se ele existe e aos laterais.

V.P: Vamos imaginar que a minha equipa báscula do lado da bola, primeiro é preciso controlar o espaço, a bola e o adversário, na zona há uma responsabilização, existe um domínio do controlo do espaço, do controlo da bola, do espaço para o adversário e do espaço para o colega, é importante não existirem espaços inter-linhas e intra-linhas, é importante que todos os jogadores saibam controlar esses espaços, é importante os jogadores não “fecharem” o campo, o que é que eu quero dizer com isto, eu vejo equipas de nível com os jogadores a serem sistematicamente surpreendidos por estarem a “fechar” o campo, imaginemos que o meu lateral do lado contrario báscula do lado da bola, tem uma referencia de espaço, mas se tiver os apoios virados para o lado da bola está a “fechar” o campo, existe uma zona enorme de campo que ele não está a ver, se o adversário lhe aparecer com o campo fechado, vai surpreende-lo, isto parece um pormenor menor mais tem muita importância. Nós quando basculamos do lado da bola, eu estou sempre a dizer aos jogadores “abre o campo”, porque com o campo aberto consigo controlar o espaço, a bola e o adversário. Se eu virar os apoios para o lado da bola, basta uma entrada a um metro para não conseguir controlar. Outro aspecto que os jogadores devem dominar perfeitamente são os referenciais de pressing, devem também perceber quando a equipa deve ganhar espaços à largura e à profundidade, quando é que a equipa deve retirar espaços à largura e à profundidade. Imaginemos que temos um adversário de frente para nós, que está em boas condições de dar profundidade ofensiva ao seu jogo, todos os jogadores têm de perceber quando se deve retirar profundidade ofensiva ao adversário e quando não se deve. E como se trabalha isto? Trabalha-se identificando comportamentos, identificando momentos, quando a minha equipa está perante determinada situação tem que ter um comportamento adequado, o que nos trabalhamos é que para a identificação do momento devemos ter o comportamento adequado, isto não é um trabalho simples, mas é um trabalho que se consegue.

P.B: Fala várias vezes em referenciais de pressão. Dê-nos exemplos desses referenciais que dá à sua equipa.

V.P: Passe devolvido entre central e lateral, passe longo do adversário, passe devolvido pivot defensivo central, são momentos que nós queremos aproveitar colectivamente para “saltarmos” em cima do adversário. Nós no fundo tentamos promover determinada forma de construção de jogo do adversário e posicionamo-nos para que esses momentos que são referenciais de pressão para nós surjam, para nos aproveitarmos colectivamente, através de uma identificação colectiva. Não queremos pressões individuais, porque isso desgasta e abre o nosso bloco defensivo. Nós pretendemos que momentos como passes devolvidos, receber de costas, passes longos lateralizados sejam identificados como referenciais de pressing colectivos, sejam identificados como momentos em que temos de “saltar” em cima do adversário. Não queremos um tipo de pressão constante, se pressionarmos constantemente o adversário, ele não sai a jogar, o adversário bate a bola na frente, não nos permite criar condições para..então nós temos que diferenciar ritmos defensivos, ou seja, nós temos de lhes dar a ideia de um momento calmo para um momento rápido.

P.B: – De acordo com o que investiguei, a forma como se interpreta o conceito de “marcação” influencia claramente o tipo de organização defensiva. Para si o que é “marcar”? Quais as referências de marcação que dá a sua equipa?

V.P: – Fundamentalmente preocupo-me com espaços, o que eu procuro é que os meus jogadores percebam claramente como defender espaços, adversários nos espaços. No nosso caso para trabalharmos bem zona, devemos controlar os espaços, controlar a zona, controlar o adversário e a bola, controlar o espaço relativamente ao adversário e o espaço relativamente à bola. Nós defendemos da mesma forma em todas as zonas do terreno, quando a bola entra nos corredores laterais defendemos de determinada forma, quando a bola entre no corredor central já defendemos de outra forma, se o adversário nos obriga a juntar linhas e a reduzir o espaço à profundidade já defendemos de outra forma. O que eu acho importante e nós percebermos o momento em que estamos e termos o comportamento adequado em relação a esse momento. Temos de perceber claramente quando passamos de transição defensiva para organização defensiva, se uns jogadores tiverem comportamentos de transição e outros tiverem comportamentos de organização defensiva, então a confusão é total. Para tentar responder à sua questão aquilo que eu acho mesmo importante e nós sabermos claramente em que momento do jogo estamos, perceber claramente quais os espaços que devemos dominar, devemos também dominar o adversário e a bola.

P.B: – Podemos concluir que para si “marcar” é conquistar espaços vitais para o ataque do adversário.

V.P: – Sim, sem duvida nenhuma.

P.B: – Nunca um referencial individual do adversário?

V.P: – Nunca na minha vida entendi a organização defensiva dessa forma, se o adversário se apresentar com dois avançados, eu nunca na minha vida pedirei a um membro do sector intermédio para marcar um desses avançados, porque não faz sentido absolutamente nenhum para mim.

P.B: – Muda a sua forma de organização defensiva em função da organização estrutural do adversário? Por exemplo, se este joga com um ou dois avançados.

V.P: – O princípio organizacional não muda, esse não. Agora estrategicamente o tal controlo do espaço, o tal conquistar os espaços é muito importante. E muito importante estudar bem o adversário e operacionalizar sobre ele, e isso eu faço-o. Eu durante muitos anos joguei na 3 divisão, neste nível o referencial defensivo é o homem, então eu sendo pivot defensivo, sempre que o adversário jogava com dois pontas de lança, eu tinha que pegar num dos pontas de lança e andar atrás dele para todo o lado, o que me provocava um desgaste terrível, que me tirava discernimento e lucidez para o processo ofensivo, o meu único objectivo era claramente não deixar jogar, esta foi a minha formação, mas uma formação com a qual nunca me identifiquei, que me fazia confusão, durante anos e anos sentia que aquilo não fazia sentido absolutamente nenhum.

P.B: – A sua equipa é uma equipa que “encaixa” no adversário, isto é, preocupa-se num jogo de pares em função do adversário, ou pelo contrário, aquilo que pretende é conquistar espaços?

V.P: – Aquilo que eu lhe digo é que ando sistematicamente à procura de desadaptações, o que eu procuro é promover a minha organização defensiva de determinada forma, no sentido de a minha transição ofensiva e da minha passagem para posse de bola, desadaptar e desequilibrar o adversário. Eu quando penso na forma de como nos vamos organizar estou a pensar na forma de como vamos passar para os momentos seguintes, eu estou na minha organização defensiva a pensar de como vou passar para organização ofensiva e integro o estratégico neste trabalho.

P.B: – Então jamais pretende encaixar no que quer que seja.Por mais que o adversário mude, nunca quer o “encaixe”.

V.P: – Se o adversário tem 3 eu não procuro também meter 3, se o adversário mete 4 eu não quero meter 4, eu acima de tudo tento controlar e ganhar espaços, procuro reduzir espaço e tempo de execução ao adversário.

P.B: – Então tenta sempre uma “sobreposição” ao adversário?

V.P: – Fundamentalmente procuro trabalhar nos desequilíbrios e no erro do adversário, eu quando mando observar procuro sempre que sejam descobertas formas de surpreender o adversário. Tento sempre anular o melhor que eles têm e aproveitar o pior que eles apresentam.

Link:

Entrevista a Vítor Pereira – Parte II

Continuando a entrevista a Vítor Pereira feita pelo Pedro Batista, segue a segunda parte:

 

P.B: Como caracteriza a sua intervenção no treino?

V.P: A minha intervenção no treino é mais activa ou menos activa em função do momento, em função dos problemas que estão a incidir, em função de eu ter de explicar a importância de determinados comportamentos, se os comportamentos estão a aparecer ou não, no sentido de eu fazer evoluir o entendimento do jogo, isto é, cultura táctica. Se os jogadores estão a falhar muitas vezes eu tenho de intervir mais,
se eles estão a falhar pouco eu intervenho menos e reforço positivamente, não sou é de forma nenhuma um treinador passivo, mas já fui mais activo do que sou hoje. Já cai no erro de conduzir sistematicamente o exercício, isto é quase como tomar decisões pelos jogadores, e isso eu não posso fazer.

P.B: Mas a intervenção é específica em função do princípio ou sub-princípio que quer ver implementado?

V.P: Sim, claro. Quando eu comecei a treinar as vezes dava por mim a fazer isto. Tinha um exercício preparado para comportamentos defensivos, mas quando dava por mim, os meus feedbacks eram para comportamentos ofensivos. Do meu ponto de vista isto é um erro, porque descentraliza o objectivo do exercício. Por exemplo, se eu tenho um exercício de confronto eu digo aos jogadores que vou colocar o meu feedback sobre este ou aquele aspecto. Vamos imaginar que eu direcciono o exercício para a organização defensiva, para a outra equipa não deixa de haver preocupações ofensivas de posse de bola e transição defensiva, mas eu digo-lhes isso, que em posse
quero determinadas coisas e na transição quero que ela seja feita desta ou daquela forma. Eles sabem o que eu quero mas eu não direcciono os meus feedbacks para eles. Para a outra equipa sim, eu direcciono o exercício, neste caso direcciono para os aspectos defensivos que quero trabalhar, neste caso apenas intervenho para a equipa que estou focalizado.

P.B: – De que forma a sua equipa se comporta no equilíbrio defensivo no ataque? Quais as suas principais preocupações?

V.P: Eu pretendo que a minha equipa em posse prepare a transição defensiva, com um bom jogo posicional, com uma sub-estrutura mais dinâmica desenvolvida no processo ofensivo, e uma sub-estrutura mais “fixa” a preparar a nossa transição defensiva. Existe sempre uma sub-estrutura que prepara sempre o momento da perda de posse de bola.

P.B: Mas tem alguma preocupação com o nº de jogadores que devem estar sempre atrás da linha da bola no momento da perda?

V.P: Fundamentalmente temos como principio uma reacção forte à perda da posse de bola, e impedir o adversário de realizar o primeiro passe e a primeira recepção, queremos criar uma zona de pressão e para isso eu tenho determinado nº de jogadores definidos, normalmente tenho a equipa basculada do lado da bola. Nos estamos a jogar com 3 defesas, logo quem prepara a transição defensiva são duas linhas de 2 + 2, em que a primeira linha e constituída pelo defensor do lado da bola, que normalmente está subido e o pivot defensivo e a segunda linha está por trás e é constituída pelo outros dois defensores, quando o adversário é forte em transição ofensiva a primeira linha em vez de ser apenas de dois jogadores é feita por três jogadores.

P.B: – De acordo com princípios defensivos que preconiza para a sua equipa, qual a zona do terreno que pretende para recuperar a possede bola? Pretende que a equipa recupere a posse de bola numa zona mais central do terreno ou nas zonas laterais? Pretende que a sua equipa recupere a posse de bola no seu terço ofensivo ou defensivo?

V.P: Essa questão está directamente relacionada com a estratégia, o que é que eu quero dizer com isto, eu trabalho a minha equipa para uma transição forte à perda que nos permitam recuperar a bola o mais à frente possível para chegarmos mais rapidamente à baliza do adversário. No entanto estrategicamente, eu dou-lhe o exemplo do Marco que foi observado 3 vezes é uma equipa com dificuldades, com desequilíbrios defensivos quando está em posse de bola, é uma equipa com dificuldades perante transições rápidas. Então estrategicamente eu quis que o meu bloco defensivo baixasse um pouco mais que o habitual, para dar um pouco de espaço nas costas para conseguir essas transições ofensivas mais rápidas, em que o Marco na minha opinião é mais fraco, e foi desta forma que marcamos os dois golos no Domingo. Então acho que a sua questão é mais do que uma só, relativamente ao eu querer recuperar a bola no corredor central ou no corredor lateral. Aquilo que lhe posso dizer é que procuro, e que temos como principio, que os jogadores tenham referenciais de “pressing” e diferenciação de ritmos a defender, ou seja, os jogadores quando identificam determinados referenciais de pressing, procuramos criar “zona pressing”, com uma acelaração sobre o adversário provocando-o a ir para essa zona pressionante que estamos a organizar. Maior parte das vezes a pressão é no sentido de fechar o corredor lateral para obrigar o adversário a centralizar o passe para o “lado cego”, e então a bola entra nessa “zona pressing” que estamos a organizar para atacarmos o adversário pelo lado cego, para ganhar a bola, para depois partirmos se possível para uma transição ofensiva rápida, nós defendemos de forma a preparar a nossa transição ofensiva, se não for possível, circular a bola, tirá-la da zona de pressão e entrar em posse de bola.

P.B: Então podemos dizer que não existe uma forma rígida de ver as coisas, o Professor então define o lado estratégico mas trabalha-o durante a semana para a equipa estar preparada?

V.P: Exacto, o princípio é o mesmo, agora se é mais à frente ou mais atrás, se é nas laterais ou no corredor central, depende da estratégia e do adversário, nós aqui integramos a estratégia no processo de treino, do meu ponto de vista é fundamental. Nós observamos os adversários, o maior nº de vezes possível, e em função da dificuldade de construção de jogo em determinada zona, em função da dinâmica que o adversário promove, nós trabalhamos sobre isso, o principio de jogo para jogo, a intenção de… não muda, mas estrategicamente fazemos de uma forma ou de outra em função daquilo que nós julgamos ser o mais adequado para aquele jogo, para o ganharmos.

P.B: – Qual o tipo de organização defensiva aplicado na sua equipa? Defesa individual, homem a homem, zona mista, zona passiva ou zona pressionante?

V.P: O que eu posso dizer é que, o que pretendo na minha equipa, é uma equipa com uma organização defensiva inteligente, inteligente no sentido de diferenciar ritmos, ou seja, às vezes parece passiva mas quando identifica os referenciais de pressão, acelera e torna-se imediatamente pressionante e agressiva, eu não quero uma equipa que pressione constantemente, eu quero uma equipa que espera pelo momento certo para acelerar sobre o adversário em bloco, de perceber o momento colectivo de pressão, e não uma equipa que a cada passe pressiona o adversário. É uma organização zonal, que se torna pressionante nos momentos que eu acho que ela deve ser pressionante, porque quem pressiona sem cérebro, quem pressiona as bolas todas morre a meio do campo, perde discernimento, eu não quero esse tipo de organização defensiva, eu quero uma organização em que os 11 jogadores do campo entendam o momento em que temos de ser agressivos, quando temos de acelerar sobre o adversário, quando de facto funcionamos em bloco, devemos identificar os momentos de pressão colectivamente, e ai sim, quando o adversário não está á espera nós aceleramos, porque se o adversário tiver á espera bate a bola na frente, e eu por vezes quero que ele jogue, quero que ele jogue em determinadas zonas, quero dar-lhe o “engodo”. Eu dou-lhe um exemplo, se eu pressionar cada saída de bola do adversário, ele chega a um ponto que começa sempre a bater a bola na frente e assim nunca mais poderei exercer uma “zona pressing”, portanto eu quero que ele saia a jogar, a jogar de determinada forma, então tenho que criar condições para que ele saia dessa forma, para lhe dar o “engodo”, e nós temos que prever colectivamente o momento certo de acelerar sobre o adversário.

Link: