
A partir do meio da segunda parte, um jogo que até então tinha sido no mínimo sofrível transformou-se em algo ainda mais estranho: o FC Porto esteve a defender uma vantagem de um golo, em casa, contra o Brugge. Repito: estivemos a defender uma anorética vantagem contra uma equipa que tem pouco mais que boa vontade e gente alta e forte que corre bastante. Longe vão os tempos de jogos fáceis na Champions, mas nós temos a estranhíssima tentação de os tornarmos ainda mais complicados. Vamos a notas:

(+) André Silva. Não sei que tipo de dieta os jogadores fazem hoje em dia, mas se alguém não enfiou qualquer coisa cheia de calorias no rapaz depois do jogo, receio que possa ter uma quebra de tensão ou desmaie mesmo de cansaço. Correu como um demente, lutou contra defesas, guarda-redes, mais defesas e até com os próprios colegas (metaforicamente, já que os passes que lhe faziam eram poucos e quase sempre pelo ar) para conseguir tirar alguma coisa do jogo. E se o FC Porto conseguiu vencer o Brugge, deve-o a André Silva em ambos os jogos, pelo penalty no anterior e pela cabeçada neste. Por favor descansa, rapaz, que no Domingo tens tudo para poderes brilhar ainda mais alto!
(+) Os centrais. Uma boa surpresa ver o entendimento de Felipe e Marcano, eles que estarão a ser uma dupla quase impossível de ultrapassar no Dragão e que espero se mantenha durante muito tempo. A filosofia “bola com as meretrizes” é algo que tenho vindo a pedir aos defesas do meu clube desde que comecei a ver futebol e aquela imbecilidade do defesa central ser o primeiro construtor de jogo não entra no meu livro de filosofias práticas. Um central serve para destruir. Ponto. Daí estar a gostar de os ver a complementarem-se bem nas dobras e a agirem como Homens (maiusculização propositada) em frente aos adversários. Bom entendimento também com Danilo, que hoje não esteve tão em destaque como de costume, com aquela cavalgada louca a não esconder a falha tremenda perto do fim do jogo que podia ter dado o empate aos belgas.
(+) Ruben. Fez em dois minutos o que Herrera não conseguiu em sessenta. Parece fácil, não?

(-) Herrera. O homem do momento. Um jogo abnegado, recheado de momentos ímpares entre jogadas de finíssimo recorte técnico, avanços centrais de inspiração Maradoniana e flanqueamentos ao milímetro que mostram que Hector está de volta e a brilhar no zénite das suas capacidades! Seria isto que gostava de ter escrito mas não é possível porque o homem que usa a braçadeira de capitão é um homem apenas no sentido de parecer um manequim na montra de uma loja e garanto que o manequim acertava mais passes e movimentava-se melhor no meio-campo. Herrera é actualmente uma espécie de Rei Midas ao contrário, porque sempre que toca na bola transforma uma jogada com potencial num monte de esterco fumegante com larvas mutantes a procurar carne humana para devorar. Herrera é, portanto, o nosso anti-Midas. Impossível de perceber se está sem condições físicas ou se parece apenas ter acordado meio minuto antes de escolher campo ou bola, porque é atroz ver que quase todo o meio-campo, já de si pouco dinâmico, trava ainda mais quando a bola lhe chega aos pés. Saiu tarde (se dependesse de mim, aos vinte minutos já não estaria em campo) e safou-se porque a claque aplaudi-o com um cântico, contagiando o resto da assembleia e fazendo com que mudassem o assobio para palmas, caso contrário teria levado uma assobiadela geral do estádio. Horrível. Herrível, pronto.
(-) Otávio. Tal como no jogo contra esta mesma equipa na Bélgica, foi uma nódoa. Lento, a complicar o que deveria ser fácil, não parece estar em grandes condições para ser titular e se Nuno quer tanto ter dois interiores a funcionar como falsos-alas, talvez tenha de repensar a utilização de Otávio enquanto não estiver prontinho e direitinho para jogar noventa minutos. Até lá, teremos a equipa manca.
(-) Oito a fazerem o trabalho de dez dá em estouro fisico. Herrera esteve noutro lado porque o 16 que perdeu a moeda ao ar não esteve em campo ou pelo menos não pareceu estar. Otávio, do outro lado, idem quase aspas. Ou seja, sobraram oito homens que tiveram de fazer o trabalho de dez, com a agravante de jogarem contra uma equipa que usou as armas que tinha e abriu o jogo pelas alas para poder aproveitar a pouca cobertura que é natural na táctica de Nuno. O 4-1-3-2 pode funcionar muito bem contra equipas fortes e usando as transições rápidas e desmarcações na frente, é muito interessante e dá-nos agilidade ofensiva, mas todos têm de trabalhar. Jogar sem extremos implica colocar o ónus de criatividade no meio-campo e obriga a que os dois avançados recuem bastante no terreno em trabalho ofensivo e pressionem o centro em tarefas defensivas, cansando-se mais. Obriga também a que os laterais tenham setas à Football Manager a começarem na zona recuada e a subirem até à área contrária, cansando-se mais. Obriga a que o médio que joga no centro procure espaços para receber a bola e a passar rapidamente pelos espaços que conseguir vislumbrar, libertando-se da pressão defensiva. E tudo isto envolve um jogo apoiado em que cada jogador tem de fazer o seu papel. Quando dois deles não fazem, o resto da equipa desmorona-se e rebenta fisicamente, daí a entrada de Ruben e Corona ter sido importante mas tardia, porque por aquela altura já a equipa estava a cuspir sangue e a respirar pela boca…
(-) Uma equipa que pensa pequeno. Não é piada à altura do Óliver ou do Otávio, ou do Corona ou do André², ou do Evandro (ainda existes, homem?) ou do Brahimi. Já sei que não temos um plantel alto. Mas não sabia que iríamos ser tão pequenos a pensar no jogo. É isto que vamos ter até ao fim da época em jogos mais complicados? Para lá do aparente paradoxo de um jogo contra o Brugge ser um jogo complicado (sim, é Champions, mas até aí há níveis de cinzento e bem visíveis), é este jogo de receber a bola no meio-campo, ver as desmarcações dos dois avançados e enviar-lhes a bola em profundidade, pelo ar ou pela relva, para longe dos defesas que foram puxados para a frente e à procura de um desequilíbrio que permita ultrapassar o adversário em lances-chave rápidos e directos? Parece-me pouco, francamente. Até compreendo que a escolha de Nuno tenha tentado romper com o futebol de “posse pela posse” de Lopetegui mas esta parece uma aula de gestão de recursos humanos usando tudo menos os testículos. Estocadas rápidas e recuo imediato? Estrutura defensiva com permissividade assustadora e permeabilidade constante? Má cobertura dos espaços, distracção na saída de bola e passes falhados que a minha filha de três anos abanaria a cabeça e diria “eu faço miór, papá!” sem pestanejar? É nisto que estamos transformados? Numa equipa que defende uma vantagem de 1-0 em que, ao contrário do que acontecia com Mourinho, a segunda parte do resultado parece estar em permanente perigo de ser alterada? É enervante ver tão pouco nos ombros de tanto trabalho e ver os jogadores a cansarem-se (notas altas para esforço, não está em questão) para correrem mais do que devem porque não perceberam o que fazer em tantas situações de jogo corrido? Raios, em Agosto não podia pedir muito mas em Novembro já posso berrar e exigir mais do que isto!
O Leicester mostrou mais uma vez que as equipas inglesas só servem para atrapalhar e lixou-nos a vida, obrigando-nos a ir ganhar a Copenhaga. E da maneira que as coisas vão andando, não está nada fácil, especialmente se os dinamarqueses jogarem como sabem. Pouco mas suficiente, como na primeira volta aqui no Dragão. E pode chegar para nos tramar de vez.
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