Admito que o título parece tirado de uma fábula ou de um porno manhoso mas é uma simples experiência de proto-sociologia caseira. Melhorou? Nem por isso, eu sei.
Passei recentemente três dias no festival Super Bock Super Rock, no Meco. Ao contrário do que possam pensar, não fui lá para ver mamas inglesas nem de qualquer outra nacionalidade (saliento, porém, que um belo par das mesmas é totalmente apátrida e desprovido de qualquer sentimento de nacionalismo), mas sim devido a algumas bandas que iam lá tocar e que enchem os meus dias com a sua música e despoletam em mim as sensações que devem, da nostalgia à excitação, de uma melancolia sofrida a uma boa disposição que espero contagie os que vivem e trabalham próximos de mim. É isso que a música deve fazer naqueles que a ouvem e comigo funciona lindamente, como um golo de cabeça do Falcao, um passe bem medido do Moutinho ou, sejamos honestos, um tropeção sem bola do Mariano (bem-hajas, rapaz, pelos momentos de humor tão puramente slapstick que me proporcionaste!).
Ora acontece que nestes três dias em que tive a oportunidade (não, o privilégio!) de ver os concertos que queria, houve algumas situações que presenciei e que me deixaram a pensar que no fundo é fácil fazer um paralelismo quase perfeito entre o que se passou neste festival (e que presumo se passe cada vez mais em muitos eventos do género por aí fora) e o que se passa no Dragão em muitos jogos, onde as pessoas se abstraem do espectáculo que estão a ver e começam a falar para o lado ou ao telemóvel, a passear entre os magotes de gente à sua volta a beber ou a comer e em conversas altas, a pensar no que vão fazer a seguir, a discutir outros assuntos e a ignorar por completo o que deviam estar ali a fazer. Nalguns momentos tive uma vontade fortíssima de me virar para alguns deles e dizer: “Ouçam lá, mas vocês estão todos doidos?! Perderam a noção da realidade e do mérito próprio?! Então chegam aqui vindos da Santa Marta do Pescoço Gordo, pagam para ver um espectáculo, vêm até os quintos da chafra da mãe da Carolina Salgado onde passam três dias abafados numa poeirada que mais parece uma trincheira em Verdun enquanto pagam dois euros por um fino ou uma imperial ou lá que nome dão à cerveja na vossa terra…e viram-se de costas para o palco a falar sobre hedge funds, telemóveis, novelas ou vernizes de unhas?! Não há respeito pela arte, por aqueles que se estão a exibir para vocês, já para não falar da malta que está aqui para ver e ouvir a música que está a ser tocada no palco? Se não querem estar aqui a ver o concerto façam um favor a mim e ao mundo civilizado e PONHAM-SE NO REAL CARALHO!!! E para ti, ó ‘panhol, puedes IR PARA EL PENE DEL NOVIO DE TU INFANTA!!!”.
Não o fiz, porque como já devem saber sou pouco confrontacional e ainda menos com gente que não conheço. Mas que me deu vontade, lá isso deu e não sei que tipo de força me fez controlar os meus instintos primários, mas contive-me. E isto que aconteceu no Meco é quase igual ao que vejo no Dragão semana sim, semana não. É possível que esteja a ficar exageradamente purista e por consequência arrogante, não sei se pela idade ou apenas por convicção, mas comecei a perceber por empirismo através do contacto com muita desta malta que as pessoas estão desligadas dos valores e se interessam cada vez menos por aquilo que deviam. Talvez soe demais a velho-do-restelice, mas é o que sinto e custa-me muito pensar que tanta gente revela tal enfado que não têm o respeito que deviam ter por alguém que está a mostrar o que sabe, sejam cantores ou jogadores da bola, até porque o mínimo que se exige é que as pessoas estejam a ver o concerto/jogo com o interesse que o espectáculo merece. Ouvi alguns a perguntar quem eram os que estavam no palco mesmo depois dos gajos se apresentarem e de haver cartazes em todo o lado a dizer quem eram…o que me fez lembrar de uma história deliciosa (porque agora as histórias deliciosas é que vendem capas, essas e as horríveis) de um fulano que estava nas Antas a olhar para o relvado a partir da fila 9 da bancada central, suficientemente perto para ouvir os pitões do Paulinho Santos a raspar nos gémeos de qualquer adversário, e perguntava para o lado: “Oh amigo, quem é o capitão do Porto?”, ao que respondi: “É o Jorge Costa, não o vê ali com o número dois?”, para receber a seguinte bojarda: “Não é nada, o Jorge Costa é um gajo pequenito, não pode ser aquele!”. Fofo, não é?
Por isso deixo aqui um apelo, que espero seja brindado com o apoio de muito do povo portista que se desloca ao Dragão, pelo o homem que vai sozinho e se senta na sua cadeira de vários anos juntamente com os colegas de estádio que só encontra a cada quinze dias…pelo casal que leva o filho adolescente para o captivar pela febre da bancada…pelo grupo de amigos que partilham um amor, uma devoção, uma chama que brilha com uma única cor que é o mítico azul-e-branco…a todos esses e a qualquer outro estereótipo que queiram aqui incluir, peço-vos: quando forem ao Dragão para ver um jogo, fiquem a ver o jogo. Não peço que fiquem com a atenção de um bébé a ver os Teletubbies a olhar para o relvado, mas tentem alhear-se do que se passa à volta e das inúmeras discussões fúteis que possam querer ter entre vocês. Porque enquanto ali estiverem, tudo o resto é fútil e o que interessa mesmo é ver a vossa equipa a jogar. Não querem ver e preferem estar no paleio? Vão embora para outro lado, há cafés que chegue neste país.
Link: