Quinze dias de fome

Esta paragem para jogos de selecções é uma parvoíce. Anda um gajo meses a ver jogos da Copa América e do Mundial de Sub-20, com noites a dormir pouco porque quer ver um bocado de bola, só um bocadinho de futebol, uns minutos a assistir a dezenas de jogadores que conhecia só o nome, a posição e pouco mais, mas a fome é negra e uma pessoa não é feita de ferro e por isso liga o computador à televisão e abre o site da FIFA para ficar a ver a Colômbia contra o Benim todo contente, com um barril de pipocas no colo, um jarro de água mineral na mesa e os olhos raiados até às três da manhã. E depois desta treta começam os treinos, a equipa já faz amigáveis desinteressantes mas são os nossos gajos, com os equipamentos do ano passado mas são os NOSSOS meninos, e lá começa o campeonato e depois a Champions e a alegria volta aos nossos sorrisos que já torravam de ocre com o verão que inclemente se abateu sobre as nossas carecas…(respira)…só para meia-dúzia de jogos depois parar tudo durante duas semanas para vermos os gajos a fugir do Olival para se enfiarem na Quinta do Lago ou lá por que raio de campo de treinos anda o Uruguai ou a Roménia e desesperarmos para que nenhum volte magoado. Entretanto apanhamos quinze dias de aborrecimento, rumores de transferências com três meses de antecedência, declarações de empresários, putativos candidatos a federações chupistas, piadas de presidentes e análises tendenciosas do Rui Santos. Consta que sim, porque não o tenho ouvido, criei uma espécie de barreira invisível à idiotice e a porosidade desse obstáculo não deixa passar o estrume congelado que o Rui coloca no micro-ondas da SIC Notícias todos os Domingos à noite. Adiante.

E então foco-me em quê para escrever qualquer coisa de jeito? No Danny, por exemplo, que vai ter uma delicada operação (não querendo escarnecer no grau de importância da intervenção, terá esta alguma relação com o instinto canino da celebração do último golo? corrigir um desiquilíbrio na glândula bobíica? Dog…God only knows!)…mas que ainda há uns dias jogou connosco com a fúria de um touro no estádio da Luz, tal era a força que mostrava em frente aos seus adeptos e que agora lhe falta para vir até ao Dragão jogar uns minutos pela Selecção. Talvez. Até Mário Fernando, insuspeito nestes assuntos e homem que normalmente só fala nos assuntos quando tem tema para tal, saiu-se com esta:

“Afinal , as “incontornáveis razões de carácter pessoal” que impediram a vinda de Danny à selecção foram , finalmente , explicadas. O jogador do Zenit foi submetido a uma pequena intervenção cirúrgica que o obriga a ficar cinco dias em casa. Convém acrescentar que a explicação veio de S.Petersburgo , porque , deste lado , apenas a “compreensão” para as tais “incontornáveis razões de carácter pessoal”.
Claro que os responsáveis federativos entendem que a mais não são obrigados. Eu , que tenho certamente uma capacidade de análise mais limitada das coisas , não percebo bem por que razão não foi dito ontem aquilo que se soube hoje. Parece ser muito problemático dizer que Danny vai ser submetido a uma pequena intervenção , pelos vistos inadiável , e , portanto , “com grande pena nossa , não pode vir jogar”. A menos que a FPF tenha sido apanhada de surpresa na noite de domingo , a poucas horas da concentração dos jogadores , acabando colocada perante um facto consumado.
Não sou médico , nem pretendo meter-me em questões clínicas. Mas eu , como qualquer outra pessoa , não posso deixar de notar a coincidência desta operação , pelos vistos inadiável , com a interrupção no campeonato russo , depois de termos visto Danny jogar bem frente ao FC Porto , na quarta-feira , e outra vez bem perante o Spartak…no domingo. Que raio de azar o da selecção , não é?

in Jogo Jogado

Por cá ficamos, por cá vamos andando, como o luso gosta de dizer. Nunca pior, caros amigos, nunca pior. O plantel vai ser desfeito durante longos dias, com júniores a irem aos treinos como prenda para eles e recurso para os chefes, as estratégias não vão ser limadas, os problemas não vão ser resolvidos e os jogadores, os bons, os que vão para fora alguns para passear e outros para se magoarem, esses vão voltar a conta-gotas, cansados, macerados e menos atentos.

Até lá podemos ganhar algum consolo na genial publicidade a Ronaldos e Mourinhos que para lá da inegável qualidade que nos habituamos a ver continuam a ser expostos sem descanso nas nossas televisões, sempre dispostas a atirarem-nos com a sua fama, mais que o seu talento, aos cornos. Porque esses sim, pintam o nome de Portugal lá fora e só nos dão vitórias. O FC Porto, ao contrário desses colossos, nem por isso. Pelo menos para alguns.

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Rituais

É uma sensação estranha que se apodera de mim no início de cada jogo. Corrijo, começa bem antes do início de cada jogo. Sinto que há sempre algo que devo fazer para que os eventos se desenrolem com a virtude que lhes quero aplicar, como se uma força invisível estivesse qual Deus menor de um qualquer espectáculo de marionetas (ou Robertos, para os mais puros ou apenas para aqueles que querem fazer transbordar o enorme balde com as piadas ao agora ex-guarda-redes do Benfica) que, sádico e mal-intencionado, faz romper os cordéis e expõe os corpos de madeira na sua forma inerte e agora manca e incontrolável. É nessas alturas, quando vai ser marcado um canto ou quando um livre que pode resultar em golo espera pelo mítico pé forrado a pele do homem que foi indicado para o pontapear, que invoco o meu próprio Deus da bola e beijo o cachecol ou o emblema do meu clube na camisola que orgulhosamente ostento em toda a sua plenitude azul-e-branca (ou amarela, ou laranja, porque o marketing tem a sua própria divindade e parece que manda mais que o dude lá de cima), é nessas alturas que me benzo sem reflectir, sinalizando ao Big Barbas Brancas que há aqui um rapaz que precisa de duas horitas de atenção e que não volta a chatear durante meia-dúzia de dias, mais coisa menos coisa.

Não compreendo, nem tento compreender, a pura irracionalidade destes gestos tão eminentemente pessoais, que pratico com a involuntariedade de um simples soluço, mas sei que os faço e apercebo-me imediatamente depois do acto consumado que não consegui evitar o movimento. E se uma boa parte destas acções surge derivada de uma tradição por mim criada, como o café tomado sempre no mesmo local durante anos a fio apenas por ser o primeiro sítio que encontrava depois de estacionar o carro, ou até esse mesmo pormenor do local de estacionamento se manter desde o século passado (damn it, i’m getting old), muito embora o estádio tenha mudado para mais longe que antigamente, todos estes microscópicos pormenores ajudaram a moldar uma espécie de receita sagrada para um dia de jogo que se tenha tornado complicado abdicar.

Complicado, para não dizer arriscado, porque na minha retorcida cabecinha oscila perene o conceito de que se eu não parar no sítio A e não passar pelo sítio B para sorver uma dose de cafeína líquida enquanto crio a atmosfera adequada para o confronto de gigantes que se avizinha, seja o adversário o Barcelona ou a mais prosaica formação da primeira divisão nacional, quem me garante que a bola que se dirige para a baliza não vai ser interceptada pelas audazes luvas do guardião contrário ou o remate de cabeça não vai falhar o alvo por três centímetros, ou que o quasi-perfeito corte do defesa central não se vai dirigir para a própria rede?

É um ritual, admito. É o meu ritual. E vocês, têm um ritual semelhante ou sou só eu que gosto de ser louco?

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O Meco e o Dragão

Admito que o título parece tirado de uma fábula ou de um porno manhoso mas é uma simples experiência de proto-sociologia caseira. Melhorou? Nem por isso, eu sei.

Passei recentemente três dias no festival Super Bock Super Rock, no Meco. Ao contrário do que possam pensar, não fui lá para ver mamas inglesas nem de qualquer outra nacionalidade (saliento, porém, que um belo par das mesmas é totalmente apátrida e desprovido de qualquer sentimento de nacionalismo), mas sim devido a algumas bandas que iam lá tocar e que enchem os meus dias com a sua música e despoletam em mim as sensações que devem, da nostalgia à excitação, de uma melancolia sofrida a uma boa disposição que espero contagie os que vivem e trabalham próximos de mim. É isso que a música deve fazer naqueles que a ouvem e comigo funciona lindamente, como um golo de cabeça do Falcao, um passe bem medido do Moutinho ou, sejamos honestos, um tropeção sem bola do Mariano (bem-hajas, rapaz, pelos momentos de humor tão puramente slapstick que me proporcionaste!).

Ora acontece que nestes três dias em que tive a oportunidade (não, o privilégio!) de ver os concertos que queria, houve algumas situações que presenciei e que me deixaram a pensar que no fundo é fácil fazer um paralelismo quase perfeito entre o que se passou neste festival (e que presumo se passe cada vez mais em muitos eventos do género por aí fora) e o que se passa no Dragão em muitos jogos, onde as pessoas se abstraem do espectáculo que estão a ver e começam a falar para o lado ou ao telemóvel, a passear entre os magotes de gente à sua volta a beber ou a comer e em conversas altas, a pensar no que vão fazer a seguir, a discutir outros assuntos e a ignorar por completo o que deviam estar ali a fazer. Nalguns momentos tive uma vontade fortíssima de me virar para alguns deles e dizer: “Ouçam lá, mas vocês estão todos doidos?! Perderam a noção da realidade e do mérito próprio?! Então chegam aqui vindos da Santa Marta do Pescoço Gordo, pagam para ver um espectáculo, vêm até os quintos da chafra da mãe da Carolina Salgado onde passam três dias abafados numa poeirada que mais parece uma trincheira em Verdun enquanto pagam dois euros por um fino ou uma imperial ou lá que nome dão à cerveja na vossa terra…e viram-se de costas para o palco a falar sobre hedge funds, telemóveis, novelas ou vernizes de unhas?! Não há respeito pela arte, por aqueles que se estão a exibir para vocês, já para não falar da malta que está aqui para ver e ouvir a música que está a ser tocada no palco? Se não querem estar aqui a ver o concerto façam um favor a mim e ao mundo civilizado e PONHAM-SE NO REAL CARALHO!!! E para ti, ó ‘panhol, puedes IR PARA EL PENE DEL NOVIO DE TU INFANTA!!!”.

Não o fiz, porque como já devem saber sou pouco confrontacional e ainda menos com gente que não conheço. Mas que me deu vontade, lá isso deu e não sei que tipo de força me fez controlar os meus instintos primários, mas contive-me. E isto que aconteceu no Meco é quase igual ao que vejo no Dragão semana sim, semana não. É possível que esteja a ficar exageradamente purista e por consequência arrogante, não sei se pela idade ou apenas por convicção, mas comecei a perceber por empirismo através do contacto com muita desta malta que as pessoas estão desligadas dos valores e se interessam cada vez menos por aquilo que deviam. Talvez soe demais a velho-do-restelice, mas é o que sinto e custa-me muito pensar que tanta gente revela tal enfado que não têm o respeito que deviam ter por alguém que está a mostrar o que sabe, sejam cantores ou jogadores da bola, até porque o mínimo que se exige é que as pessoas estejam a ver o concerto/jogo com o interesse que o espectáculo merece. Ouvi alguns a perguntar quem eram os que estavam no palco mesmo depois dos gajos se apresentarem e de haver cartazes em todo o lado a dizer quem eram…o que me fez lembrar de uma história deliciosa (porque agora as histórias deliciosas é que vendem capas, essas e as horríveis) de um fulano que estava nas Antas a olhar para o relvado a partir da fila 9 da bancada central, suficientemente perto para ouvir os pitões do Paulinho Santos a raspar nos gémeos de qualquer adversário, e perguntava para o lado: “Oh amigo, quem é o capitão do Porto?”, ao que respondi: “É o Jorge Costa, não o vê ali com o número dois?”, para receber a seguinte bojarda: “Não é nada, o Jorge Costa é um gajo pequenito, não pode ser aquele!”. Fofo, não é?

Por isso deixo aqui um apelo, que espero seja brindado com o apoio de muito do povo portista que se desloca ao Dragão, pelo o homem que vai sozinho e se senta na sua cadeira de vários anos juntamente com os colegas de estádio que só encontra a cada quinze dias…pelo casal que leva o filho adolescente para o captivar pela febre da bancada…pelo grupo de amigos que partilham um amor, uma devoção, uma chama que brilha com uma única cor que é o mítico azul-e-branco…a todos esses e a qualquer outro estereótipo que queiram aqui incluir, peço-vos: quando forem ao Dragão para ver um jogo, fiquem a ver o jogo. Não peço que fiquem com a atenção de um bébé a ver os Teletubbies a olhar para o relvado, mas tentem alhear-se do que se passa à volta e das inúmeras discussões fúteis que possam querer ter entre vocês. Porque enquanto ali estiverem, tudo o resto é fútil e o que interessa mesmo é ver a vossa equipa a jogar. Não querem ver e preferem estar no paleio? Vão embora para outro lado, há cafés que chegue neste país.

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Gone André Gone

Longa vai a história e só se passaram dois dias. De rumor com muito fumo passamos para um incêndio de proporções bíblicas entre o treinador com a ascensão mais meteórica desde Mourinho e o público que o apoiou durante um ano. E que ano, minha gente!

André sai. Sai pela porta pequena na perspectiva dos adeptos, pelos portões do Taj Mahal quando visto pela imprensa. Entram quinze milhões para a nossa bolsa, com a perspectiva de mais alguns “trocos” caso siga Moutinho ou Falcao ou qualquer outro juntamente com o técnico. É um negócio incrível numa altura em que teoricamente as proverbiais vacas estão anoréticas e ajudará a aditivar o orçamento que estará à disposição do próximo treinador para reforçar a equipa, ou simplesmente para manter algumas das peças-chave que possam não querer sair imediatamente. Urge saber que elementos do plantel terão ficado chateados com esta saída e perdido a vontade de permanecer na Invicta para saber com quem é que podemos contar no arranque da temporada 2011/12.

Esta é a análise racional que podemos fazer desta situação. Abaixo, segue a parte mais emotiva. Estão prontos? Vamos a isso.

É uma desilusão. E ao mesmo tempo que continuo a afirmar que compreendo a saída tendo em conta o tamanho da oferta e das condições que terá ao seu dispôr, tanto económicas como a nível de projecto e de ambiente (a única coisa verdadeiramente em comum de jogar na Premier e jogar em Portugal é que ambos começam por “P”…), sinto-me como se tivesse sido abandonado por um amor de Verão depois de quatro quecas extremamente bem dadas. Porque durante toda a época, apesar de me manter alheado das frases bombásticas e focar-me mais nas conferências de imprensa sobre futebol e menos sobre individualidades, havia qualquer coisa em André Villas-Boas que me fazia acreditar que podíamos ter aqui um rapaz que podia ser “dos nossos”. As frases iam ficando lá no fundo…mas ficavam. A atitude era guerreira, nossa, vibrante, alegre, nervosa, portista. Era igual a nós, celebrava as vitórias e sofria as derrotas como nós, como comentei tantas vezes com amigos ou colegas lá no meu sector do estádio. Aquela pequena parte dentro de mim, por detrás de várias camadas de racionalidade e algumas de cinismo, guardavam essas frases para num futuro próximo poder aproveitar o elogio do homem e do treinador.

E…tudo caiu por terra. O timing é mau, muito mau, se bem que nunca se sabe quando é que uma proposta destas se pode repetir. Mas o que André escusava de ter feito e dito tanta coisa durante a temporada sabendo que a malta lhe ia atirar tudo à cara se chegasse ao ponto em que se contradissesse. E o problema neste tipo de coisas é que a malta normalmente não tem memória de peixe. As marcas ficam e muita gente lembrar-se-á de tudo o que se passou desde segunda-feira de manhã, não do que André fez nos onze meses anteriores. A Supertaça, o Campeonato, a Europa League, a Taça de Portugal, os 5-0 no Dragão e a reviravolta da Taça na Luz, os 5-1 ao Villarreal, a demolição dos russos, a facilidade de tantas vitórias, o crescimento de Moutinho, a velocidade de Hulk, o instinto apurado de Falcao…tudo isto teve o dedo de André Villas-Boas.

Não lhe podemos retirar o mérito destes triunfos, por muito que estejamos magoados com a aparente indiferença com que temos sido brindados. Mourinho fez o mesmo e 7 anos depois ainda há quem não lhe perdoe. Com ou sem razão. E é por isso que não fico furioso. Apenas desiludido. Mais comigo que com Villas-Boas. Porque até eu tinha a esperança que fosse um dos nossos e não é. É acima de tudo um treinador profissional de futebol e portista sempre que pode. No ano passado calharam de coincidir.

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