As conchas

Há uma passagem no famoso “Vinte Mil Léguas Submarinas” de Júlio Verne, em que o assistente do Professor Aronnax, de nome Conseil, está acompanhado de Ned Land (certeiro arpoador) a perscrutar a vastíssima colecção de conchas pertencente ao seu anfitrião no Nautilus, Capitão Nemo. Enquanto analisam o espólio, Conseil é capaz de identificar a grande maioria dos espécimens através da classe e do seu nome científico, ao passo que Ned, prosaico e com sentido prático apurado, identifica-os pela sua apetência para cair no bucho com agradabilidade. Ou seja, se se podem comer ou não. Ao longo desta discussão podemos perceber que o autor nos transmite a mesma verdade vista por dois lados: para cada situação há duas maneiras de o ver, duas formas de construir factos que ambos terão a sua verdade mas apenas através dos olhos de quem os vê, pois  as conchas eram objectos com valor científico para Conseil ao mesmo tempo que serviriam como aperitivo para Ned Land.

E agora, vamos ao Benfica.

Estou solidário com os adeptos benfiquistas, com Jesus e com os jogadores. É incrivelmente frustrante vermos a nossa equipa a jogar melhor, a produzir mais e a sermos incapazes de acertar nas redes por dentro da baliza por qualquer delírio dos Deuses que se lembraram naquele dia, naquela hora, naquele remate, de defecar nas caras dos rapazes de vermelho. É injusto e qualquer portista que esteja agora a gozar com isso sabe que um dia, não muito longínquo, pode apanhar com a mesma sina. Os mais novos de todos não se lembrarão, mas estive no Estádio das Antas no dia 7 de Março de 1993 num mítico FC Porto vs Famalicão, em que ao fim do que pareceram 1500 remates à baliza e uma cabeçada direitinha à baliza do famalicense Vieira, saí da bancada a pensar “podíamos estar aqui mais três horas a rematar que hoje não entrava nada”. Ninguém melhor que Carlos Manuel, comentador ontem do jogo de Telavive na SportTV (que por estar a jantar não ouvi patavina do que disse), se deverá lembrar desse Portugal vs Alemanha de 1985, em que o próprio marcou um golaço num jogo em que os alemães decerto se recordarão que se o jogo durasse até hoje, a bola ainda não tinha entrado na nossa baliza.

Há dias assim, todos sabemos. Mas…

  • Se a Direcção, a equipa, o treinador e os sócios não tivessem cavalgado a onda pseudo-vitoriosa que a imprensa lhes gerou, com promessas de vitória na Champions com uma equipa de pés de barro, em reestruturação e a precisar de alguma atenção e cuidado…
  • Se não assumissem como facto (ligação ao primeiro parágrafo, rebuscada mas correcta) que o Benfica é melhor e que afinal os outros não tem o nosso passado e mais um remate e a bola entra…
  • Se tivessem assentado ideias e acalmado os sócios sem prometer este mundo e o próximo com declarações como “o Barcelona e o Benfica são os maiores da Europa”…
  • Se tivesse havido uma mentalidade não de vencedor antecipado mas de vencedor em campo…se não jogassem com os mitos e a história e os louros de uma excelente vitória no ano passado…
  • Se os seus treinadores tivessem aprendido com o que se passou ano passado em Anfield…talvez se tivessem qualificado com maior ou menor dificuldade para a próxima ronda, até porque têm equipa para isso.

Assim…capitularam perante adversários que foram inteligentes e eficazes. O Benfica não saiu da Champions’ ontem à noite. O Benfica começou a sair da Champions’ mal lá entrou.

Link:

Baías e Baronis – FC Porto vs SL Benfica

Foto retirada de fcporto.pt

Demorei um pouco até escrever esta crónica. Cheguei a casa, estacionei o carro e fiquei sentado uns bons 20 segundos, a acalmar a respiração e a sorrir. A sorrir muito. Agora que estou sentado em frente ao computador, com uma chávena de chá e uma fatia de pão ao lado, vou revendo o jogo e percebendo que não havia necessidade de estar nervoso à chegada ao estádio. Era um clássico, porra, e em clássicos não há facilidades, por muito forte que a nossa equipa esteja, a outra também o é e pode-nos lixar a vida com um simples lance fortuito ou uma falha que, humanamente, acontece a qualqeur um. Hoje não foi um desses dias. Não houve falhas, não houve lances fortuitos. Houve uma equipa de azul-e-branco a demolir uma outra de vermelho, a mostrar que neste momento somos a melhor formação do país. Podemos vir a perder esta alegria de jogar, esta máquina de futebol em que se está a transformar a equipa do FC Porto, mas neste momento, neste singelo momento, somos os melhores. E ainda mais importante: provámo-lo em campo. Vamos a notas:

(+) FC Porto Todos os jogadores estão de parabéns, por um ou outro motivo. Da baliza até ao jogador mais avançado, a equipa do FC Porto hoje jogou com um entusiasmo, uma vontade férrea de ficar com os três pontos em disputa e conseguiu-o com todo o mérito. Desde a dupla de centrais, rijos e certos, passando pelos laterais, agressivos e implacáveis, continuando por Guarín, improvável esteio à frente da defesa e importante na rotação de bola, seguindo para Moutinho, esse trabalhador incansável e inteligente no passe, ou Belluschi, um misto de esforço e génio, com Varela e Hulk a romper pelas alas cheios de vigor e querer, ou Falcao, o rapaz que está no sítio certo mais vezes. Foi bonito, foi harmónico, foi futebol.

(+) Villas-Boas Quem saiu mais satisfeito deste jogo, para além dos adeptos e dos jogadores, é ele. A forma como conseguiu manter-se fiel aos princípios que advogou para a equipa, a rotação de bola constante no meio-campo, a marcação do tempo de jogo qual metrónomo, acelerando só quando é preciso e travando quando não adianta ir em correrias loucas, os lançamentos bem pensados e melhor efectuados, a troca constante de posição dos centro-campistas, a pressão constante mal a bola atravessa a linha que divide o ataque da defesa…tudo isto são conceitos de Villas-Boas que a equipa parece já ter interiorizado e que se vê em campo. Villas-Boas, para além de ter conseguido incutir estas ideias nos jogadores, conquista o público com as conferências de imprensa lúcidas, correctas, intensas, ricas, cheias de dialéctica correcta e ausentes de retórica barata. É bom treinador, o moço.

(+) Hulk Compreendo como se deve sentir David Luiz. E Fábio Coentrão. E Salvio. E Gaitán. Todos eles foram ultrapassados por Hulk em velocidades impróprias para um jogo de futebol. Hulk está em grande forma e conseguiu um feito “Capuchiano” que nem Quaresma tinha conseguido: a malta já lhe perdoa uma ou duas parvoíces por jogo. É que a produção no resto do tempo é muito, mas muito acima da média.

(+) Belluschi Já fez mais neste terço de temporada que em toda a época 2009/2010. É um jogador diferente, moralizado, empenhado, com génio no ataque e esforço na defesa. Dilacerou os rins a David Luíz e Sidnei no 2º e 3º golos respectivamente, mostrando que por vezes os bons jogadores precisam de se adaptar e de ganhar novos ritmos e rotinas. Precisam, portanto, do treinador certo.

(+) Sapunaru Já disse tão mal de Sapunaru que me tenho de penitenciar com galhos de uma qualquer árvore, desde que sejam rijos para marcar as costas. Que jogo fabuloso fez o romeno, sóbrio, simples, prático, imperial. Um herói na defesa ao corredor de David Luiz e Coentrão, Sapunaru hoje esteve perfeito.

(+) A galinha Ir ao Dragão com mais 50 mil pessoas? Entusiasmante. Estar lá a presenciar a destruição do Benfica às mãos do FC Porto com 5 secos no bucho? Utópico. Ver uma galinha a ser atirada para perto do guarda-redes do Benfica? Priceless.

(-) Jesus Se o FC Porto esteve forte porque se manteve fiel à estrutura que tem vindo a desenvolver e a implementar em campo, o Benfica foi fraco (não só mas também) por ter mudado radicalmente a sua filosofia de jogo. Qual Jesualdo em Londres ou Robson em Barcelona, Jesus mudou a equipa de uma forma que me surpreendeu, com David Luiz a defesa-esquerdo, Salvio em vez de Saviola e Sidnei no centro da defesa. As rotinas do Benfica rápido, prático e ofensivo perderam-se completamente, já que Coentrão nunca conseguiu o corredor para voar, David Luiz sem ritmo nem a garra do costume apanhou com Hulk e Belluschi com a confiança em alta, Salvio e Saviola só têm em comum uma certa semelhança no nome e Sidnei…é só fraquinho. Jesus, como se não bastasse o banho de bola que tinha levado, muito dele por culpa própria, deu uma conferência de imprensa a cuspir metaforicamente para o ar. Dizer que o FC Porto venceu porque teve um (sim, UM) jogador inspirado, é tão redutor como dizer que a Espanha venceu o Mundial porque Iniesta fez um ou dois bons passes. Jesus, que costuma ser bastante analítico e inteligente na análise aos lances, passou uma imagem de adepto ferrenho. Fica-lhe mal.

(-) Luisão Já na primeira parte, quando se pegou com Rolando, deu ar de quem estava excessivamente nervoso para um capitão de equipa num jogo destes. É inadmissível, à semelhança do que aconteceu com Bruno Alves no ano passado no Algarve, que um capitão de equipa tenha um comportamento como Luisão, agredindo um adversário que foi inteligente o suficiente para o pressionar até ao ponto de ruptura. A questão é que esse ponto não pode nem deve nunca ser atingido num jogo de tanta pressão, especialmente quando se é capitão de equipa. Cristian Rodríguez, na 5a feira, foi expulso contra o Besiktas. Hoje, Luisão, fez muito pior.

(-) O exército de polícias Quando cheguei à Alameda do Dragão, eram ainda perto das 17h, impressionei-me com a quantidade de polícias que estavam perto do estádio. Como assisti a quase todos os FC Porto vs Benfic
a desde 1992, já tenho alguma rodagem nestes clássicos e nunca vi nada como hoje. Um helicóptero a acompanhar em permanência o autocarro do Benfica, centenas de polícias a sair de dezenas de carrinhas e autocarros do corpo de intervenção, quase todas as passagens barradas e um ambiente de imponência a parecer uma zona de guerra em rescaldo. Tanta fachada…e não conseguiram evitar que dois ou três retardados atirassem bolas de golfe ou pedras ou sei lá o que raio atiraram ao autocarro do Benfica e partissem alguns vidros. Ah, e quem paga isto tudo? Pois, os mesmos que se queixam da crise. Carrega, lusitano.

Cheguei a casa rouco. Não me lembro de gritar muito durante o jogo, mas a minha garganta lembra-se. Este foi daqueles jogos que vai ficar na memória de tanta gente durante muito tempo. Ganhámos 5-0 ao Benfica. No Dragão. Com 50 mil almas a saltar, a exultar, a vibrar com um FC Porto demolidor, com jogadores cheios de confiança, seguros do que faziam e com uma garra, sentido de sacrifício e vontade de vencer como raramente se vê. Hoje, com a força toda que consegui reunir, gritei. Não me lembro. Só me recordo dos golos, da festa e da alegria de vencer um grande jogo a uma grande equipa que hoje não o foi. Por nossa culpa.

Link:

Ouve lá ó Mister – Benfica

André, timoneiro!

Ah, carago, chegou o dia!!!

Anda toda a gente à espera deste Domingo. Adeptos e televisões de todo o mundo vão estar com os olhos coladinhos no Dragão, com as garras afiadas, as gargantas afinadas e a emoção na ponta da língua e do cachecol. Toda a gente está na expectativa de um confronto épico.

Não sou desses. O que quero, pura e simplesmente, é uma vitória. Pode ser por meio-zero, pode ser um auto-golo, pode ser em tempo de descontos, pode ser marcado pelo Helton de baliza a baliza. Não me interessa, desde que ganhemos. É daqueles jogos de tripla, já sabes, mas poder agarrar os bragging rights e poder andar algum tempo a empunhar o facho da vitória na cara dos gajos não tem dinheiro que se pague. Priceless, portanto.

Quanto ao jogo, não tenho muito a dizer que já não tenha dito uns posts atrás. É para ganhar a qualquer custo (dentro da lei, claro, não quero andar a ter de desculpar o Proença, já viste a ignomínia?!) e acima de tudo jogar melhor que eles. Não há nada melhor que conseguir vencer um clássico destes e dizer: “Ganhámos e ainda por cima ganhámos sem espinhas!”, como pudeste dizer na Supertaça.

Só te peço uma coisa: acalma o Hulk e o Fucile já que o Fernando vai estar calminho a ver o jogo na bancada. Esses rapazolas gostam muito de discutir com o árbitro e cheira-me que à primeira: “Mais professô, foi ele que empurrô, cára!” ou “Mira, hombre, el ha intentado el penal, coño!”, pumba, amarelo. Estes não são o Besiktas. São mouros mas não tanto.

Força aí. Segunda-feira quero poder chegar ao trabalho com um sorriso estampado no focinho. E isso, a uma segunda-feira, não é fácil.

Sou quem sabes,
Jorge

Link:

Toca a tirar as camisolas do armário!

Este Domingo, pelas 20h15, o FC Porto joga em casa contra o Benfica, depois de 9 quase-todas-boas jornadas de campeonato. Vou tirar a camisola do armário, vesti-la com orgulho e deslocar-me até ao estádio. Ainda não sei se vou de carro até lá perto ou se estacione em qualquer lado e apanhe o metro. Mas vou estar lá.

Esqueçam lá a parvoíce de atirar calhaus ou de se meterem com os gajos à chegada, tanto com a equipa como com os adeptos. O jogo é lá dentro. É ridículo pensar que todo o barulho à volta deste espectáculo tão belo e artístico se pode reduzir a energumenices (isto existe?) por isso se a polícia começar a bater a torto e a direito, pisgo-me e vou por outro lado.

Tirem vocês também a vossa camisola ou cachecol para fora e preparem-se para o jogo.
Bebam um fino com um grupo de amigos e discutam as nuances no plantel, discordem de algumas escolhas de Villas-Boas e elogiem as que gostarem.
Ponham-se à conversa com um colega Portista a descer a Alameda ou a subir de S.Roque e exultem com o regresso deste grande clássico.
Entrem no Dragão orgulhosos, usando as vestes das nossas cores e ostentando triunfantes o símbolo que nos une.
Paguem mais de um euro por um café que sabe a adubo e questionem-se: “Mas porque é que não dei um salto ao Bom Dia, raio de condutores-de-fim-de-semana/gajos-que-entram-tão-devagar-para-o-metro que me fazem chegar tarde à bola, palavra de honra que para a próxima atropelo/empurro a velha.”

Retomem as vossas rotinas habituais, meus senhores e minhas senhoras. O espectáculo está quase a começar.

Link: