Baías e Baronis – FC Porto 2 vs 1 SL Benfica

Regressei por momentos a Novembro de mil novecentos e noventa e dois, o meu primeiro jogo como sócio naquela mítica noite de um intenso nevoeiro na Invicta. Quando Jorge Costa irrompe pela área e é atropelado por Helder, o penalty foi marcado e Timofte, esse genial romeno, marca o penalty que me fez dar um dos maiores saltos da minha vida. E este jogo trouxe-me sensações similares, com a adicional componente de ser um jogo que podia ajudar a decidir o campeonato. Foi um jogo vivido entre adeptos, entre portistas, rodeado que estive toda a tarde por dragões do Porto, de Santo Tirso, de Lisboa e de Castelo Branco. O portismo, por muito que nos queiram convencer do seu provincianismo, está em todo o lado. E hoje reuniu-se de alma e coração na Invicta, na sede física mas também moral, onde podemos ter pintado um dos mais belos quadros de sempre. Foi lindo, foi catártico, foi futebol. E foi nosso. Vamos a notas:

(+) FC Porto. Não tenho a certeza que tenhamos merecido ganhar o jogo. Mas tenho a certeza que o Benfica merecia perder, porque uma equipa que joga para não perder com o exageradíssimo anti-jogo que praticou durante toda a partida merece sair do estádio com as nádegas profundamente marcadas com vergastas de nós bem fechados. Diria o mesmo se a minha equipa fosse jogar à Luz da mesma maneira. Ainda assim, se havia uma equipa que merecia ganhar era o FC Porto, pelo suor que largou em campo, pela forma audaz como se lançou ao jogo, pela maneira como conseguiram manter-se firmes, com vontade férrea de nunca desistir, nunca baixar os braços, nunca abdicar de tentar o ataque sempre que fosse possível e acima de tudo pela resistência que mostraram à aparente vontade de Proença em permitir o ostensivo queimar de segundos após segundos por parte da equipa visitante. Lucho foi rijo, Moutinho foi estável, Otamendi controlou-se quase sempre atrás e Mangala, mais nervoso, não esteve mal. Varela foi sempre trabalhador e Fernando foi igual a sempre até se lesionar. Helton seguro, Alex confiante e até Danilo esteve menos medroso que o costume. Ainda que não tivéssemos conseguido vencer, a equipa estaria sempre de parabéns.

(+) Dragão. Lágrimas escorriam pelas faces do rapaz que se senta à minha frente. O estádio estava vivo, mais uma vez, depois de quarenta e cinco minutos dos mais frustrantes que vi em mais de vinte anos de futebol ao vivo. Kelvin conseguiu transformar as vozes de portistas pelo mundo fora num grito em uníssono de vitória, de reconquista, de enorme alegria e um alívio que ninguém conseguiu controlar. Nas bancadas há abraços, beijos, danças, saltos, cinquenta mil que suspendem a gravidade e o bater do coração durante minutos consecutivos, enquanto dois mil e dezoito estóicos adversários estáo petrificados como estátuas gregas, sem resposta, sem reacção. Grito e parece que o som fica preso na minha garganta. Agarro amigos, abraço desconhecidos, salto e beijo o emblema do FC Porto com força e sem qualquer pudor em perceber que se morresse naquele momento, pelo menos morria feliz. Não me dava jeito nenhum porque tenho coisas combinadas para os próximos tempos, mas estaria feliz. Naquele momento não existia mais nada no mundo para as almas que lá estavam. Era só aquilo, só aquele remate que vi a entrar na baliza de Artur e me fez parar de respirar durante meio segundo. Futebol é isto e o Dragão hoje foi futebol.

(+) Kelvin. O jogo foi rijo, frustrante, difícil, com um Benfica que jogou para empatar e que perdeu por um golpe de sorte com muita vontade de um puto que já é uma figura de culto entre os adeptos. Quem diria, minha gente, que seria Kelvin a dar vitórias contra Braga e agora Benfica?! É abençoado pelos deuses da bola, este rapaz…

(-) James. Foi o pior jogador do FC Porto, não pelo que fez de mal mas principalmente pelo que não fez. Não conseguiu entrar em jogo, raramente teve capacidade de ter a bola nos pés e funcionar como número dez, com uma marcação muito eficaz de Matic (muito bom, este rapaz) e/ou Enzo Perez. Teve um jogo fraquinho e nunca teve hipótese de manter a bola tempo suficiente para fazer a diferença e passou a segunda parte inteira sem ter influência na partida. E foi uma pena.

(-) O beneplácito de Proença. Não me parece que tenha havido casos que possam levar a discussões com o nível de estupidez que habitualmente grassa as nossas televisões, jornais ou mesas de café. Se há um erro que poderia ter sido marcante, ocorreu no fora-de-jogo não assinalado a James que felizmente não deu golo mas que não foi tão escandaloso como isso. Mas o que enervou todos os adeptos do FC Porto e acredito que ainda enervou mais os jogadores em campo, foi a forma como Proença permitiu o anti-jogo do Benfica. Não censuro o Benfica nem Jesus pelas opções que tomaram, longe disso, mas como as puseram em prática, de uma forma tão feia e ostensiva, foi enervante para todos e se alguém poderia ter feito alguma coisa, era o árbitro. Proença insistiu em permitir os lançamentos executados com a lentidão de um caracol de muletas, as consistentes quedas no relvado e principalmente Artur. Artur é o melhor exemplo que se pode dar, porque desde os dez minutos de jogo que estava deliberadamente a perder tempo sem que se visse algum aviso de Proença para deixar a teatralidade. Artur acabou por ver um amarelo por protestos na altura do offside de James. A meio da segunda parte. Helton, depois do segundo golo, foi buscar a bola e levantou os braços para os adeptos continuarem a gritar em apoio da equipa. Amarelo imediato. Ah, e quatro minutos de descontos no final do jogo é pouco. Muito pouco. Seis substituições, duas lesões com assistências em campo e saídas em maca, tudo isto somado aos desperdícios constantes de muitos segundos em lançamentos e marcações de livres…é pouco. É esta inconsistência que chateia, mais nada.


Ainda tenho a camisola vestida (a principal de 2008/09, azul-e-branca com debruado a laranja) enquanto escrevo estas palavras. Comecei a tarde com ela e só não durmo com ela no corpo porque seria certamente mal recebido no leito e prefiro manter o status-quo familiar. Mas tenho-a ainda perto do coração, até porque faz há alguns anos parte da colecção. É uma das que “dá sorte”. Se não era, passou a ser. E é uma camisola felizarda, porque esteve presente num dos jogos mais marcantes da minha vida. Inesquecível, diria. Mas atenção, porque se não vencermos em Paços na próxima semana, este jogo acaba por ser uma etapa inconsequente no objectivo de toda uma época. A Paços, amigos, a Paços!

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Ouve lá ó Mister – Benfica


Amigo Vítor,

Vais estar dentro do balneário com dezoito rapazes com o equipamento vestido. Sentados nos bancos de correr, esperam que fales, esperam que lhes dês as últimas palavras antes de um jogo que pode marcar mais uma etapa em grande na carreira de todos. As faces, já suadas do treino, viram-se para ti com a ansiedade de quem sabe não poder falhar, de quem atravessou vinte e oito jornadas de euforias, dores, alegrias, gritos, súplicas, ilusões e desilusões. E tu, que te manténs estóico à frente desse galeão com velas esburacadas mas vontade férrea de insistir a caminho de terra firme, voltas-te para eles nos cinco, talvez seis minutos que te restam até se encaminharem todos para o corredor.

Fala-lhes de Belluschi e da forma como levantou a bola para torpedear Quim. De Quaresma, que na Luz e no Dragão lhes marcou vários e de diferentes estilos, com o nível que sempre teve cá e nunca mais recuperou depois de sair. De Lisandro, com a força e a determinação de um gigante que não era em estatura mas em alma. De Hulk, esse louco que rebentou as redes de Roberto e Artur, esse mesmo que está do outro lado. Fala-lhes de Wetl, o austríaco dos cinco na Luz. De Jardel que deixou Preud’homme a olhar para a bola que entrou a rasgar a baliza. Fala-lhes do Capucho, que enfiou ao pobre do Enke um balão tão lindo. Do Deco, com aquele livre directo por cima do Moreira. Do Timofte e o penalty no nevoeiro. Do Falcao e o calcanhar no ar no meio da pequena-área. Fala da força do Emerson, da vida do André, dos sprints do João Pinto e da garra do Jorge Costa. Fala de todos estes nossos grandes jogadores dos últimos anos e explica-lhes que daqui a mais alguns, outros virão a falar deles pelos mesmos motivos.

O campeonato começa hoje, Vitor.

Sou quem sabes,
Jorge

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Ouve lá ó Portista

Amigo adepto,

Vai ser um dia daqueles e tu sabes disso. Nem falo do sol, que nos unirá a todos com camisolas mais curtas e um sorriso na face durante a tarde. Tarde essa que pretendo passar em grande parte já nas imediações do Dragão, com um fino na mão e ocasionalmente com uma bifana na outra, a ganhar lastro para o que promete ser uma noite para a história. Mas não era disso que hoje queria transmitir, neste início de ante-câmara para o jogo de amanhã. Falo-te do fundo do calhau com quatro compartimentos que bombeia continuamente aqui dentro.

Amanhã o jogo é grande. É claro que é grande e não há nada neste mundo que me vá convencer do contrário. A malta está com o metafórico pitinho aos saltos para ver a bola, especialmente porque passou vinte e oito jornadas nesta periclitância de nunca saber se vai à frente, atrás, ao lado ou às cavalitas. Saltamos de primeiro para segundo e de volta ao poleiro, errámos muito e aproveitamos erros dos outros. Fomos grandes na Luz, fraquinhos em Alvalade, displicentes em Vila do Conde e magnânimos em Guimarães. Mas amanhã, meu caro amigo, amanhã é o tira-teimas. Não se decide nada, pois está claro, mas é o jogo por quem toda a gente espera um ano inteiro e é exactamente por esta razão que sou sempre contra os alargamentos das Ligas. Mais que um FC Porto vs Benfica para o campeonato por ano é demais. Um, só um, já esfrangalha os nervos, eleva os ânimos, aquece os corações e esvazia os pulmões. Basta um destes jogos e temos o povo eufórico, centenas de polícia na rua, claques insultadas, jogadores nervosos, treinadores exaltados e colunistas à beira de doze ataques apopléticos. E aparecer logo nesta altura é de pôr um gajo maluco.

Vou lá estar amanhã e tu também. E só gostava de pedir uma pequena coisinha, uma coisiúncula tão merdissimamente pequena que nem sequer devia estar em questão, mas estará e sei que estará. Então cá vai: mesmo que as coisas corram mal…e não tenho dúvida que as coisas podem correr mal (se já me conheces já sabes que o pessimismo vive tão intensamente em mim como uma família de piolhos numa lixeira municipal), não deixes de apoiar a equipa. Se tudo correr bem nem preciso de dizer nada, porque a euforia vai ser tal que haverá completos estranhos a abraçarem-se nas bancadas, homens a beijar mulheres, mulheres a beijar outras mulheres, raios, até homens a beijar outros homens que isto da bola já não é o que era e ainda bem. Quando tudo corre bem não há mal que nos pegue, carago! Mas…e concebo mais uma vez a hipótese de alguma coisa não alinhar com o plano divino que certamente já estará gizado com a nossa vitória em mente…se tal acontecer, não desistas. Não desistas de apoiar a tua equipa em vez de a apupares. Não abdiques do dever como portista de estar atrás da equipa e do treinador até ao último segundo, a incentivar, sem mágoas, sem ódios, sem lamúrias públicas. Por muito que aches que devia jogar X em vez de Y e “porque é que aquela besta ainda está em campo e a outra besta no banco ainda não o tirou?!”, esquece isso durante noventa minutos. Depois do jogo, ou no Domingo ou até durante o resto da semana, podes disparar e disparatar em todas as direcções desde o cimo da Torre dos Clérigos. Ganha fôlego, sobe os degraus e grita tudo o que te apetecer. Mas durante o jogo tenta controlar a impaciência ou pelo menos dirige-a para quem não é dos nossos. Insulta os outros se quiseres, porque se há jogo para picar o adversário é este, mas esquece as vendettas pessoais contra os teus jogadores, os teus treinadores, os teus. Teus. Os de azul-e-branco.

Este não é um jogo de vitória certa. É um jogo para a conquista. Perdão, para a *reconquista* do lugar que tanto queremos. Deixa o assobio em casa e aparece no Dragão. E vais ter lá mais cinquenta mil almas a pensar o mesmo. Faz isso por nós. Por todos nós.

Sou quem sabes,
Jorge

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