Afonso de Melo.
O nome é digno. Honrado. Afonso. O nosso primeiro comandante, o líder destemido que espetou uma patada à Marco na mãe, disse qualquer coisa como “Esta merda agora é nossa, coños!” e partiu para conquistar Lisboa de espada em riste. Outros tempos, outro Afonso. Este de que falo é algo diferente. Um misto de F.Scott Fitzgerald com o Santarém, o bêbado que na minha juventude vagueava pelas ruelas lá da terra a apanhar beatas do chão e a dormir em dispersos montes de areia. Um boémio.
Brota fel por quantos poros possui, o Afonso. Graceja com um vómito de metáforas nem sempre bem conseguidas e procura a arte através da sátira, usando de todos os subterfúgios para insultar não insultando, para humilhar não humilhando, e termina sempre com uma frase curta, simples, sempre indirecta e com o pseudo-moralismo que gosta de injectar na pus que acabou de publicar.
Eis um pequeno exemplo:
“Anafado, de olhos protuberantes, cabeça calva, orelhas peludas, o Rei dos Palhaços baba-se de uma baba bovina.
Opado pelos comprimidos que lhe permitem disfarçar a impotência, rebola o olhar pelos estranhos mamíferos que o rodeiam. Há para a sua flausina do momento um dedicado vislumbre lúbrico. Repugnante mas ainda assim lúbrico. E ela, pobre tonta, cega, retribui. A qualquer momento teme-se que lhe expluda uma coronária, mas o animal é rijo e suporta o arremedo de fluxo sanguíneo.
À sua volta, encharcados por um salivar constante das suas gengivas descarnadas, os cães-palhaço esperam um gesto seu.”
Lindo. Reparem no criterioso uso de um dicionário de sinónimos rebuscados para poder orgulhar-se de usar palavras como lúbrico ou arremedo. Um génio, o Afonso. A prosa, nada suave e sempre como uma ponta de uma qualquer lança hirta e firmemente segura nas suas mãos, ataca o leitor com a arrogância de quem sabe mais que o seu próximo. Litros de álcool depois, Afonso está satisfeito. Produziu mais uma sagaz crítica da sociedade que o rodeia e ao mesmo tempo conseguiu dar mais algumas catanadas no inimigo. De notar a facilidade com que o insulto é produzido e como qualquer blogger que dá a cara, Afonso ataca, agride, massacra, destrói. Os palhaços, claro está, lêem e indignam-se, como eu, que sou tanto palhaço como indignado. E Afonso, decerto recuperado do emprego que lhe foi oferecido pelo nosso Estado, na altura com a necessidade imperiosa de descobrir um assessor de imprensa que fizesse João Gabriel parecer MLK, senta-se e descansa do esforço hercúleo que devotou a mais uma obra. Para quem não entendeu o alcance das palavras do aborto (perdão, do Afonso), os “palhaços” são os Portistas, o seu “Rei” será Pinto da Costa, os “cães-palhaço” talvez Antero ou Reinaldo Teles.
Encoberto por uma televisão que lhe dá guarida, um jornal que o convida, uma imprensa que o elogia e um país que o assalaria, que fazer perante este tipo de gente reles?
Estivesses agora cá, Afonso, o Conquistador. Tinhas visto Lisboa cair no impuro caos do centralismo e assistias ao clube da cidade a que te colaram a colar-se a eles. E que nojo terias tu deste teu homónimo.