Há um nível de exigência que colocamos nas expectativas e na qualidade de jogo de qualquer equipa do FC Porto, em qualquer vertente e arena. Foco-me no futebol porque apesar de me manter portista em todos os quadrantes, não tenho acompanhado as outras modalidades como gostaria e os tempos de ir ver os lançamentos do Jared Miller, os remates do Carlos Resende ou as stickadas do Tó Neves (enquanto jogador, claro) já lá vão sem que haja um regresso marcado a breve prazo.
O jogo da Madeira, que serviu para pouco mais que um regresso a terra firme no seguimento de muitos dias de euforia pós-sorteio da Champions, deu que pensar e passei o feriado todo com aquilo na mona, depois de me ter deitado tarde, chateado e com pouco sono graças ao infortúnio. E hoje, mais a frio, comecei a colocar-me no lugar de um jogador do plantel do FC Porto e podia pegar em qualquer um dos que esteve no relvado dos Barreiros, sentado no banco de suplentes ou em casa a ver o jogo pela televisão.
Ora esse rapaz há meses que ouve adeptos, jornalistas e pior, dirigentes, a falar sobre a Taça da Liga como se fosse um parente afastado que se vê no Natal e que não se gosta muito. Daqueles que aparece aos putos uma vez por ano e lhes aperta as bochechas e pergunta como vão na escola e avisam para se manterem longe das carrinhas com cortinas nas janelas, os que oferecem agendas ou meias como prenda. Ouviu a família a desancar no Tio Rodolfo, que não vale nada e que tem um carro de trampa e que ninguém o vai ver a não ser que seja altura de partilhas e mesmo assim se hesita um bocado porque a casa é bafienta e o recheio só interessa à Remar ou à paróquia que vai herdar metade da quinquilharia. O Rodolfo não tem amigos influentes, não recebe bem nem tem boa conversa, o Rodolfo é ignorado por tudo e todos. O Rodolfo, no fundo, não vive, sobrevive. E toda a gente, de cima a baixo na escala hierárquica desta putativa e metafórica família, zurze no homem em público, manda piadas sobre ele à mesa de bilhar no café, sugere tramas rendilhadas sobre o modus vivendi do homem, amplifica as suas falhas e minimiza as virtudes. É um parente pobre, o Rodolfo, essa bestinha. E os putos, que ouvem esta ladaínha dia após aborrecido dia, enfia na cabeça que o Rodolfo não merece atenção, que se ninguém lhe liga então também não devem ligar. Muito mais importante é o Tio Ilídio, porque o Ilídio tem um Série Coiso na garagem e uma casa com varandas e até vai tomar o pequeno-almoço à Foz e fica a ver o mar e é interessante e conta histórias fixes e tem uma espingarda em casa que é do tempo da guerra e fotografias dele a matar leões em África e outra no cimo daquele monte no Peru que tem um nome parvo e tem libras em ouro e às vezes até as oferece aos sobrinhos, mesmo que não os veja durante anos. O Ilídio é fixe, o Rodolfo é um merdas.
Nós alimentamos isto em todos os jogos. Nós, que exultamos com o empate em Braga só com nove e que ficámos à espera que esse brio se repetisse em condições tão diferentes como as que se criaram para o jogo de quinta-feira. Nós, e incluo-me nesse lote, andamos a desancar na Taça da Liga desde que começou porque ninguém gosta dela. E continuo a não gostar. E sei que os jogadores do FC Porto não podem oscilar na moral e no empenho perante jogos de diferentes competições (entrar para ganhar em todos os jogos, yadda, e o treinador também, duplo yadda), mas também não lhes posso exigir que o façam quando descartei qualquer apoio extra e moralizações suplementares em virtude da fome por troféus mais significativos que levam a que abdiquemos dos outros. E se eles o fazem, não me sinto bem em voltar atrás e exigir que não o façam ao nível que seria expectável. Olhapróqueudigo e tal.
Perdemos e perdemos bem porque não fizemos por isso. E se fizéssemos e ganhássemos, alguém teria uma sexta-feira muito mais risonha?