Ouve lá ó Portista

Amigo adepto,

Vai ser um dia daqueles e tu sabes disso. Nem falo do sol, que nos unirá a todos com camisolas mais curtas e um sorriso na face durante a tarde. Tarde essa que pretendo passar em grande parte já nas imediações do Dragão, com um fino na mão e ocasionalmente com uma bifana na outra, a ganhar lastro para o que promete ser uma noite para a história. Mas não era disso que hoje queria transmitir, neste início de ante-câmara para o jogo de amanhã. Falo-te do fundo do calhau com quatro compartimentos que bombeia continuamente aqui dentro.

Amanhã o jogo é grande. É claro que é grande e não há nada neste mundo que me vá convencer do contrário. A malta está com o metafórico pitinho aos saltos para ver a bola, especialmente porque passou vinte e oito jornadas nesta periclitância de nunca saber se vai à frente, atrás, ao lado ou às cavalitas. Saltamos de primeiro para segundo e de volta ao poleiro, errámos muito e aproveitamos erros dos outros. Fomos grandes na Luz, fraquinhos em Alvalade, displicentes em Vila do Conde e magnânimos em Guimarães. Mas amanhã, meu caro amigo, amanhã é o tira-teimas. Não se decide nada, pois está claro, mas é o jogo por quem toda a gente espera um ano inteiro e é exactamente por esta razão que sou sempre contra os alargamentos das Ligas. Mais que um FC Porto vs Benfica para o campeonato por ano é demais. Um, só um, já esfrangalha os nervos, eleva os ânimos, aquece os corações e esvazia os pulmões. Basta um destes jogos e temos o povo eufórico, centenas de polícia na rua, claques insultadas, jogadores nervosos, treinadores exaltados e colunistas à beira de doze ataques apopléticos. E aparecer logo nesta altura é de pôr um gajo maluco.

Vou lá estar amanhã e tu também. E só gostava de pedir uma pequena coisinha, uma coisiúncula tão merdissimamente pequena que nem sequer devia estar em questão, mas estará e sei que estará. Então cá vai: mesmo que as coisas corram mal…e não tenho dúvida que as coisas podem correr mal (se já me conheces já sabes que o pessimismo vive tão intensamente em mim como uma família de piolhos numa lixeira municipal), não deixes de apoiar a equipa. Se tudo correr bem nem preciso de dizer nada, porque a euforia vai ser tal que haverá completos estranhos a abraçarem-se nas bancadas, homens a beijar mulheres, mulheres a beijar outras mulheres, raios, até homens a beijar outros homens que isto da bola já não é o que era e ainda bem. Quando tudo corre bem não há mal que nos pegue, carago! Mas…e concebo mais uma vez a hipótese de alguma coisa não alinhar com o plano divino que certamente já estará gizado com a nossa vitória em mente…se tal acontecer, não desistas. Não desistas de apoiar a tua equipa em vez de a apupares. Não abdiques do dever como portista de estar atrás da equipa e do treinador até ao último segundo, a incentivar, sem mágoas, sem ódios, sem lamúrias públicas. Por muito que aches que devia jogar X em vez de Y e “porque é que aquela besta ainda está em campo e a outra besta no banco ainda não o tirou?!”, esquece isso durante noventa minutos. Depois do jogo, ou no Domingo ou até durante o resto da semana, podes disparar e disparatar em todas as direcções desde o cimo da Torre dos Clérigos. Ganha fôlego, sobe os degraus e grita tudo o que te apetecer. Mas durante o jogo tenta controlar a impaciência ou pelo menos dirige-a para quem não é dos nossos. Insulta os outros se quiseres, porque se há jogo para picar o adversário é este, mas esquece as vendettas pessoais contra os teus jogadores, os teus treinadores, os teus. Teus. Os de azul-e-branco.

Este não é um jogo de vitória certa. É um jogo para a conquista. Perdão, para a *reconquista* do lugar que tanto queremos. Deixa o assobio em casa e aparece no Dragão. E vais ter lá mais cinquenta mil almas a pensar o mesmo. Faz isso por nós. Por todos nós.

Sou quem sabes,
Jorge

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A minha pirâmide de apoios

Desde que comecei a ver futebol, as minhas paixões foram sendo construídas a partir de uma base neutra. Tábua rasa, pura, como um lago de água límpida. Fiquei portista depois de ser português e a partir daí foi com naturalidade que surgiram outros amores no mundo da bola. O Newcastle foi um deles, pelo estatuto de herói que conferia a um certo Peter Beardsley e Alan Shearer, que arrancaram a minha adolescência e a devoção pelo Championship Manager. Seguiu-se Asprilla, Ginola, Solano e tantos outros, até que quando Sir Bobby se juntou ao Toon Army a vida parecia fazer sentido e a afeição pelo clube cresceu ao ponto de chegar a ver os jogos dos “geordies” quando estavam na segunda divisão. E se alguém acha que estou a inventar só porque defrontaram o Benfica e pensa que esta súbita declaração surge de ódios e desamores, pode ver os posts que já escrevi sobre o clube. Não foram muitos, mas creio que chegam. O Barça veio mais tarde, com as ligações que inferia terem com o FC Porto, aditivadas pelo brilho de Stoichkov, Romário, Guardiola e tantos outros. E mais uma vez aqui estão os posts sobre o Barcelona. E durante esses tumultuosos tempos de crescimento físico e mental, mantinha-me fiel ao princípio que advogava desde sempre: apoio os lusos acima de qualquer outro.

Os tempos mudam e com eles, mudam as pessoas. E foi também com naturalidade que, não me mantendo alheio à mudança, desenvolvi o meu gosto próprio, privilegiando os amores pessoais ao bacoquismo serôdio do amor à pátria “no matter what”. E assim, exibo a minha pirâmide bidimensional (há quem lhe chame triângulo, mas pirâmide soa bastante mais técnico e quase cientîfico) de afeições clubísticas. Não é nada de novo, é apenas uma espécie de manifesto para as pessoas que, não me conhecendo pessoalmente, possam achar estranho que torça por Cabaye e Krul em vez dos seus adversários desde que não sejam azuis e brancos, ou que erga o punho com um golo de Iniesta ou um corte de Puyol desde que não joguem em St. James’ Park ou no Dragão.

Faço-o sabendo que a minha mãe (que apreciava o meu propalado compadrio com as equipas de lusa terra mesmo quando não percebia porque raio chamavam “fora-de-jogo” quando o jogador estava claramente dentro das linhas), se alguma vez chegar a ver este gráfico feito às duas pancadas e meia, me vai com toda a certeza dizer: “Tu és uma vergonha. Apoiar ingleses e espanhóis antes dos clubes do teu país!“. Pois é, minha querida progenitora. O teu filho, ao que parece, já sabe do que gosta e só teria vergonha se mostrasse ser alguém que já não é.

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Só mais um bocadinho. Para pensar.

Uma derrota do FC Porto deixa-me sempre a pensar durante algum tempo. Não entro em análises rápidas porque prefiro deixar as coisas acalmarem e por isso vou esperar mais uns dias. Domingo, na Madeira, posso tirar algumas das conclusões que andam por aqui a pedir uma escalpelização mais a fundo depois da implosão na Andaluzia.

Fico a pensar no assunto. Só mais um bocadinho.

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