Este é o último de três artigos sobre o discurso do treinador do FC Porto e a forma como encara as conferências de imprensa.
Tenho o hábito de ir buscar pão todas as manhãs. Sou parcial ao pão de água e se estiver um bocado cru por dentro…menino, então é possível ouvirem-me a gemer oh-tão-ligeiramente quando dou uma dentada para arrancar um naco daquela ambrósia de trigo e farinha. E quando vou à padaria (pun not intended) vou vendo as capas dos jornais, incluindo os desportivos. Não há muitas vezes em que esteja a degustar esses pedaços de céu que de tão pequenos se tornam ainda mais importantes, quando quase me engasgo ao ver mais uma capa do Record que pode ferir qualquer tipo de visão menos preparada para o que sai das mentes daquela gente. E o Record é uma espécie de versão portuguesa do Jon Stewart a bater na Fox News: já enjoa porque se fez tantas vezes que já ninguém lhes liga e só os doentes é que continuam a ver.
Seja ele qual for o jornalista que escreve debaixo desse enorme…manto protector, muitas vezes chamado “Redacção” em grande número dos artigos publicados online, há uma tendência clara para lermos as notícias da forma que queremos ler. Chamam-me muitas vezes tendencioso, doente, parcial e pouco objectivo quando leio um título que me arrelia pela forma como está escrito, pelo que diz sem dizer e insinua sem pronunciar as palavras de uma forma directa. E não consigo fugir disso porque estou mentalmente condicionado a uma actividade que insiste em fazer-se notada: pensar. Leio e penso. Mas há muita gente que não exerce o mesmo controlo sobre a sua mente, lê e aceita. Lê e guarda. Lê e come tudo.
Imagino que na grande maioria das redacções de jornais haja malta decente. Alguns que não tentam a todo o custo avançar com um critério editorial que lhes é imposto pelos donos/chefes e que procuram não dar uma marca pessoal de tal magnitude que a notícia deixa de o ser e passa a ser uma máscara do que é. Os jornais vivem para vender e a demanda pelo lucro leva-os a aproximarem-se daqueles que lhes podem dar dinheiro. É capitalismo puro, o vendedor oferece o que o comprador procura. Nada de mais. Mas é a forma como o fazem, a ostensiva e enojante forma como torcem o significado de uma banal notícia que me aborrece e que leva a que tantos portistas se sintam pessoalmente ofendidos pelo desprezo a que são votados de uma forma tão habitual e aceite pela maioria da sociedade que se tornou uma piada de mau gosto impossível de tornear. É o tal “eco social” de que falava Julen (pelas próprias palavras ou por sugestão alheia, não me incomoda qualquer uma das correntes de pensamento), o efeito do “manto”, a forma como as notícias são massajadas e os factos são inclinados para a narrativa que mais interessa para ferir e desprestigiar aqueles que são “do contra”. É o mundo do maior contra o mais pequeno e em Portugal, como em tantos outros países, nota-se a léguas a desonestidade.
É uma espécie de Alegoria da Caverna aplicada ao povo não-portista em geral, onde a entidade que relata os factos pinta-os de tal maneira que os acorrentados apenas vislumbram as sombras na sua frente e passam a apenas conhecer a verdade através do que lhes chega por esse único meio. E o povo, esse povo, o parvo povo, engole tudo até que um dia se lembre de começar a pensar. Será difícil e o trabalho de Lopetegui tem de ser cada vez melhor para que possamos olhar para o relvado e perceber que só sendo melhores que os outros lá dentro é que podemos receber algum reconhecimento cá fora. Caso contrário, teremos sempre andor, teremos sempre colinho, teremos sempre glória eterna. E cabe-nos também a nós evitar que isso aconteça. Para o nosso bem.